sexta-feira, novembro 05, 2010

O comerciante pode se desfazer de produtos abandonados?


Estamos acostumados a olhar questões de defesa do consumidor apenas pelo olhar do cliente, de quem compra. A proteção estendida ao consumidor por uma enorme lista de leis e códigos transformou a legislação brasileira do setor em uma das mais avançadas do mundo.

Mas e quando o consumidor se excede e acaba por penalizar o prestador de serviço ou o comerciante? São inúmeros os casos de abuso e falta de civilidade que nem passam pela cabeça do leitor ou do próprio cliente.

É o caso de quem abandona eletrodomésticos e produtos quaisquer nas assistências técnicas ou oficinas, por exemplo. Ainda não são muitas as situações que em os comerciantes denunciam essa prática dolosa, mas existem registros bem documentados no Procon e em outros órgãos de defesa do consumidor.

Não há lei que estipule um prazo para o consumidor retirar o seu produto do conserto, o que é uma omissão imperdoável em um conjunto de leis que coloca prestadores de serviços na parede. O problema é que é comum encontrar postos de assistência técnica que vendem o produto de um cliente porque ele não apareceu para buscá-lo.

A SPTV Assistência Técnica, por exemplo, age dessa maneira, segundo reportagem recente do Jornal da Tarde. Segundo o responsável pelo setor administrativo na unidade da Penha, Reinaldo Ferreira, se o cliente ultrapassar o prazo de três meses, será cobrada uma multa de 10% por mês do valor do conserto. “Mas se após seis meses ninguém aparecer, enviamos o aparelho para leilão”.

Isso é crime. Dependendo da boa vontade da autoridade policial, pode ser enquadrado como roubo ou apropriação indébita. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), essa prática é abusiva, mesmo entendimento do Procon-SP, que considera que o não comparecimento do consumidor para retirada do bem, tendo ou não prazo estipulado, não autoriza o fornecedor a colocá-lo à venda ou para doação.

O artigo 635 do Código Civil estabelece que, nos casos de a empresa não poder guardar o bem, ela deve depositá-lo judicialmente por meio de ação de consignação em pagamento. Para isso, o comerciante deve procurar o Juizado Especial Cível, onde deposita o aparelho.

Normalmente, a Justiça entra em contato com o consumidor para resolver a causa. Dessa forma, o dono do produto faz o pagamento à Justiça que o repassa à oficina e o cliente retira seu bem.

A regra que impede a venda dos produtos abandonados se aplica a assistências técnicas, sapateiros, lavanderias, que geralmente não fornecem contrato. Se houver em contrato um prazo para o cliente retirar o produto, o prestador de serviço poderá cobrar pela guarda, porém esse valor não pode ser superior ao preço do serviço realizado.

Então aqui fica a pergunta: é justo isso? É justo que comerciante ou prestador de serviço sirva de “depositário” ou “garagem” para produtos descartados por seus proprietários?

quarta-feira, novembro 03, 2010

Tolerância às vezes também é crime


"Pirataria é crime, mas é menos crime do que outros", dizem alguns; para estes, não passaria de uma “contravenção”. É isso o que concluo ao ler alguns comentários e ouvir a opinião de amigos sobre o assunto.

Quando digo que a pirataria é uma das maiores violações ao direito do consumidor, esses mesmos cidadãos ou ficam sem graça ou riem como se eu estivesse dizendo uma enorme bobagem – na verdade, admitem que eles mesmos, “voluntariamente”, violam seus próprios direitos, por iniciativa própria...

A tolerância para a quebra da lei no caso de CDs, DVDs, livros e outros objetos de cultura é preocupante, para não dizer nojenta.

Justificar e apoiar a prática de crimes por conta do alto preço cobrado pela indústria é falsear a verdade e esconder a tibieza moral e a deformação ética de caráter. Não condiz com as regras de uma sociedade civilizada e democrática.

Tolerar a pirataria é o mesmo que não ligar para os furtos em supermercados, em lojas, em qualquer lugar. É achar normal a corrupção, e acreditar que o “jeitinho” brasileiro é uma arte, que a malandragem é um recurso aceitável na vida cotidiana e que prejudicar os outros faz parte da vida.

O argumento de que o trabalhador não tem dinheiro pagar R$ 30 por um CD ou um DVD - por isso apela para o produto pirata - não cola. É um argumento rasteiro e sem-vergonha.

Por esse mesmo raciocínio, o trabalhador também não tem dinheiro para comprar um carro de valor alto, por isso é legítimo que roube ou incentive a construção de uma cópia mais barata, mas de péssima qualidade e que não paga imposto. Se o trabalhador não tem dinheiro para comprar, que não compre. Ou junte dinheiro para comprar.

O comércio ilegal de cópias de produtos culturais nos centros de São Bernardo do Campo, Santo André, São Paulo, Diadema e Mauá é mais do que inaceitável, é ultrajante.

A consequência da proliferação da pirataria para a indústria e a economia é a mesma dos efeitos da concorrência desleal dos produtos chineses de péssima qualidade: devastação de parte da indústria local e perda de milhares de empregos.

Pergunte aos calçadistas desempregados de Franca ou aos funcionários sem emprego da indústria têxtil das cidades de Americana ou Santa Bárbara, ambas do interior do estado de São Paulo, o que acham dos produtos chineses...

Entre os que “defendem” a pirataria estão muitas pessoas que bradam contra a “concorrência desleal” das coisas “made in China”. Ou isso é falta total de informação ou má-fé.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Cuidado: cheque sustado pode ser protestado


Você emite cheques pré-datados para fazer uma compra qualquer a prazo. Só que não recebe o produto ou o serviço contratado. Qual é o caminho a ser seguido? Sustar o cheque. É o que todo mundo faz. Entretanto, geralmente a dor de cabeça vem bem depois, quando ninguém espera.

Cheque sustado pelo fato de que o consumidor foi vítima de um serviço não executado ou produto não entregue pode ser protestado e cobrado na Justiça? Sim, por incrível que pareça. O cheque é um título de crédito, tem autonomia para circular. Pode ser cobrado pelo terceiro que o recebeu, sem que este seja obrigado a se interessar pelo negócio que deu origem ao cheque.

Eis aí a origem da dor de cabeça quase inacreditável: aquele maldito prestador de serviço que recebeu os seus cheques e que não fez nada do combinado repassou o papel a terceiros ou vendeu a uma empresa de factoring para fazer dinheiro vivo logo.

Dá para reverter o caso? Dá, mas a dor de cabeça só aumenta. Dá um trabalho incrível, causa indignação, é injusto, mas é possível. Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2003 deu razão a um consumidor, que se livrou de pagar um cheque a uma empresa de factoring (firmas que compram cheques de comerciantes). Essa empresa havia recebido o título de uma loja onde o consumidor comprou móveis, que não foram entregues.

De acordo com a sentença, no caso de empresa de factoring, “a autonomia do cheque não é absoluta porque cabe a ela saber se o comerciante cumpriu a obrigação prometida ao consumidor”.

Há ainda outro entendimento entre os especialistas em defesa do consumidor. Se e a loja ou prestador de serviço que lesou o consumidor passou o cheque a um banco, também há chances de contestar a cobrança.

Escreve o advogado e professor universitário Josué Rios, consultor do Jornal da Tarde: “Muitas vezes, no contrato de prestação de serviço que o consumidor assina, há a informação de que os cheques serão repassados ao banco. Nesse caso, a vinculação do cheques ao contrato é um argumento que a Justiça vem aceitando para impedir a cobrança pelo banco dos cheques sustados pelo consumidor. Apenas quando o cheque vai para com terceiro, que não é firma de factoring ou banco é que a situação do consumidor lesado fica mais difícil”.

A conclusão é simples: mesmo no desespero, e correndo o risco de sofrer cobranças de terceiros e de haver protestos, sustar o cheque é o caminho inevitável do consumidor lesado, até porque a suspensão do pagamento nesse caso não é de má-fé e nem é crime.

Só que aí vem a grande questão em tempos de proliferação do dinheiro de plástico e transações eletrônicas: é o caso mesmo de continuar trabalhando com cheques pré-datados?