sexta-feira, agosto 27, 2010

Os limites do discurso radical



O discurso radical tem limites? Essa é uma discussão interessante e pertinente levantada por uma reportagem obrigatória para quem se interessa por política e cultura publicada recentemente no jornal O Estado de S. Paulo, no caderno C2+Música.

O repórter Júlio Maria traça um perfil cuidadoso da decadência do rap na periferia paulistana, e sua substituição pelo intragável funk de inspiração carioca – nada a ver com o maravilhoso ritmo negro surgido nos Estados Unidos e que dominou as grandes cidades daquele país entre 1950 e 1980.

Sem desvios nem elucubrações, o autor vai direto à questão, com base em depoimentos dos próprios rappers: o gênero deixou de ser atrativo aos jovens, as letras de protesto e violência perderam a contundência, e a crítica social tornou-se um discurso vazio e sem penetração nos bairros.

A molecada do Capão Redondo e do Jardim Ângela, na zona sul da Capital, nem pensa duas vezes antes de revelar a sua preferência pela versão local ainda mais paupérrima do funk carioca: “MV Bill e Mano Brown já eram por aqui. A gente tá a fim mesmo de ir atrás da mulherada. Rap espanta as meninas”, diz um garoto de 15 anos chamado Guto, morador do Capão.

A derrocada do rap na periferia mais barra pesada da Grande São Paulo é uma tendência em toda região, menos em Diadema, onde o gênero, aliado ao hip-hop, está totalmente enraizado na cultura da cidade e da comunidade.

Essa situação coincide com o aprofundamento da guetificação do rap, basicamente em razão dos episódios violentos e de depredação verificados em grandes eventos realizados em 2007 e 2008 na Capital.

Os chamados radicais do movimento entraram em conflito com a polícia em um show dos Racionais MCs na Praça da Sé, na Virada Cultural de 2007, o que espantou investidores e organizadores de eventos do rap.

No ano seguinte, um encontro envolvendo rap e grafite terminou com pichação e depredação das instalações, o que provocou o cancelamento de diversos eventos e levou a Prefeitura de São Paulo a praticamente excluir o rap de sua programação cultural.

O texto do Estadão mostra os moderados do gênero admitindo que a situação é ruim e que uma mudança é necessária, tanto em termos de discurso como em atitude. Por outro lado, os “tradicionalistas” resistem e pregam não só a manutenção do radicalismo como o acirramento do discurso.

Enquanto isso a praga do funk prolifera. Como gênero musical e lírico, não atribuo muito valor ao rap, mas o considero uma manifestação cultural urbana muito importante, de inestimável valor sociológico e educacional. É a voz mais poderosa das periferias. Sua crise e seu encolhimento, mesmo que momentâneo, é ruim em todos os sentidos.

Que a consciência da realidade demonstrada pelos moderados do rap ilumine também certos setores da sociedade ainda contaminados com ideias emboloradas, que remetem à época do Muro de Berlim.

quarta-feira, agosto 25, 2010

Mais uma lei que precisa "pegar"


O grau de civilização de um povo é medido, entre outras coisas, pela adesão e respeito às leis, qualquer lei. É quase inacreditável que ainda tenhamos de ouvir com muita frequência que no Brasil existem leis que pegam e outras que não pegam. Imagine então o que dizer de um estrangeiro quando ouve tal coisa.

Esse abuso de incentivar leis a “não pegarem” tem uma parcela imensa de responsabilidade das empresas, e falo de grandes multinacionais.

Um dos exemplos recentes é a norma técnica, com força de lei, que o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça editou em junho a respeito dos telefones celulares.

O órgão do Ministério da Justiça considera agora o telefone celular um item essencial da vida moderna, tanto para o trabalho como para o cotidiano de estudantes e donas de casa.

Portanto, a partir de agora quem tiver celular com defeito ainda dentro da garantia pode procurar uma loja do fabricante e exigir a troca imediata do aparelho ou o dinheiro de volta, desde que apresente a nota fiscal.

Por que isso? Porque fabricantes, lojas e assistências técnicas descumpriam sistematicamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ignorando a lei e enrolando o cliente na hora de consertar o aparelho.

O jogo de empurra criminoso, em alguns casos, fez com que consumidores esperassem seis meses por telefones no conserto.

Evidentemente que os fabricantes chiaram, e muito. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que representa essas empresas, diz claramente que a norma técnica do governo é apenas uma “recomendação”, e não lei. Mentira absurda e abjeta.

Nesta quinta-feira, por exemplo, o DPDC recusou proposta de “flexibilização” da norma que manda trocar imediatamente celulares com defeito, desde que estejam na garantia.

A proposta, que não foi detalhada pelo órgão, é de autoria das empresas Nokia, Motorola, a – acompanhada de LG, Samsung e Sony Ericsson –, que estiveram reunidas com o DPDC.
As sugestões das empresas, de forma correta, foram descartadas porque contrariavam o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nem a Abinee e nem os representantes dos fabricantes informaram o teor da proposta feita ao Ministério da Justiça. A nota do DPDC indica que a proposta não atendia a obrigatoriedade de que a troca fosse imediata.

“Embora o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor esteja sempre aberto ao diálogo e ao recebimento de novas iniciativas dos fabricantes que sinalizem o respeito à regra prevista no CDC, entende que os consumidores devem ser respeitados e as trocas devem ocorrer imediatamente”, diz uma nota do DPDC sobre a recusa da proposta.

A Nota Técnica 62/CGSC/DPDC/2010 do Ministério da Justiça, publicada no dia 23 de junho, classificou o celular como “bem essencial” e determinou a obrigatoriedade da troca imediata dos aparelhos defeituosos.

A mudança foi motivada pelo fato de o celular ser o produto que mais registra reclamações nos Procons (24,87% do total de 100 mil reclamações em 21 Procons estaduais e 18 municipais).

Segundo o DPDC, as lojas fogem da responsabilidade e as fabricantes encaminham os casos para as assistências técnicas, que retêm os aparelhos para investigar eventual culpa dos consumidores.

Ou seja, as empresas multinacionais que fabricam e vendem celulares no Brasil insistem em afirmar que o governo apenas “recomendou” a troca imediata. Uma dessas empresas chegou até a recomendar em seu site que suas lojas próprias não seguissem a orientação do DPDC. A repercussão foi péssima, e o texto foi retirado.

Entretanto, nas lojas, repórteres do Jornal da Tarde, se passando por clientes, ouviram claramente de funcionários: “Recebemos orientação para não cumprir tal determinação”.

Em algumas situações, os funcionários simplesmente diziam que tal lei não existia. Numa delas, encontraram um consumidor irado e chato, que chamou a polícia, esfregou na cara do gerente a determinação no Diário Oficial da União e acionou o fabricante no Juizado Especial Cível pedindo indenização por danos morais.

Essa lei vai pegar? Infelizmente, vai depender de nós.

domingo, agosto 22, 2010

Fuja das compras pela internet



Não compre pela internet. É o que tenho recomendado a amigos e leitores nos últimos tempos. É chato começar o meu primeiro texto para o Laboratório de Temas sugerindo a fuga do comércio virtual, mas o serviço no Brasil não é confiável.

A quantidade de reclamações sobre o descumprimento do negócio por conta de empresas virtuais nacionais é enorme no Procon e no Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DNPC), do Ministério da Justiça. E quem mais descumpre os negócios são as empresas gigantes.

Não se trata apenas de comprar e não receber. E comprar, não receber, ser cobrado e por um valor acima do verdadeiro. Fraude? Má-fé? Não interessa, o fato é que o esquema não funciona.

Não bastasse comprar, não receber e ser cobrado acima do valor combinado tem a fase mais complicada: lidar com o serviço de atendimento das empresas para tentar resolver o problema. São horas ao telefone para tentar reaver o dinheiro ou ao menos receber a promessa de quando receberá o produto comprado. Segundo o Procon-SP, em pelo menos 20% das ocasiões o cliente não consegue resolver.

Casos esdrúxulos como a de uma consumidora que teve um não como resposta à solicitação de reenvio do produto que não chegou. A empresa não só disse que não iria reenviar como duvidou da honestidade da consumidora paulistana. Ela, por sua vez, cancelou as compras no cartão de crédito e acabou tendo o nome enviado ao SPC pela loja virtual. Era o que a consumidora queria: por meio de advogado, entrou com duas ações por danos morais, tanto no Juizado Especial Cível, para causas mais simples e rápidas, como na Justiça comum. A indenização determinada pelo juizado foi de R$ 2 mil, depois que não houve acordo na conciliação. A consumidora considerou o valor muito baixo e exigiu mais na Justiça comum e conseguiu R$ 5 mil. A empresa recorreu, mas a sentença foi mantida. Só depois de tudo isso é que a consumidora foi procurada para negociar – proposta prontamente recusada.

Não é fácil abrir mão das facilidades que a internet supostamente oferece no comércio virtual, e é mais difícil ainda reunir paciência e coragem para acionar as empresas no Procon-SP e na Justiça. Mas só fazendo isso pra exercer a cidadania e garantir os seus direitos.

A generalização aqui é cabível, porque os problemas logísticos e o atendimento péssimo ao consumidor atingem todas as lojas virtuais brasileiras, grandes ou pequenas. Já fui assíduo comprador de CDs e livros pela internet no exterior e tive problema apenas duas vezes com mercadorias que não chegaram. Os sites não questionaram a minha honestidade. Primeiro me pediram para verificar nos Correios o que poderia ter acontecido, com o devido código em mãos; não havendo qualquer registro das mercadorias, prontamente me enviaram os produtos, sem a cobrança de frete.

Quanta diferença...