sábado, outubro 13, 2012

Guerra suja e o risco à liberdade de expressão

Carlos Brickmann Há várias maneiras de colocar em risco a liberdade de expressão: a policial, a econômica, a judicial, a violenta. Todas estão sendo aplicadas no Brasil: algumas, que de tão escancaradas beiram a desfaçatez, são defendidas mas não aplicadas (coisas como o tal “controle social da informação”, ou o sistema chavista da Ley de Medios – tão colonizada que até o nome está em castelhano); outras, por serem mais utilizadas longe dos grandes centros, merecem acompanhamento esparso – assassínio de jornalistas, empastelamento de jornais adversários, pressão direta sobre anunciantes; há as condenações de jornalistas incômodos, que acabam ganhando a causa mas depois de muitos aborrecimentos e amplos gastos; e a que hoje é a mais usada de todas, combinando ações legais e pressões econômicas para calar quem diz o que, na opinião dos inimigos da liberdade de imprensa, deveria continuar secreto (e eles conhecem as vantagens do sigilo). Há coisas incríveis acontecendo: uma delas, a ordem de prisão do diretor-geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, por desobedecer à ordem de tirar do YouTube vídeos contra um candidato a prefeito de Campo Grande. Como diz Marcelo Tas, “prender diretor do Google por causa de vídeo político no YouTube é como punir vendedor de asfalto por acidente em rodovia”. O caráter intimidatório da medida ficou claro quando o mesmo juiz que determinou a prisão revogou a medida, no dia seguinte, por considerar a atitude do diretor do Google de pequeno potencial ofensivo. Se o potencial ofensivo era pequeno, por que houve a prisão? Se a prisão era necessária, por que houve a rápida libertação? O Google, evidentemente, não pode estar acima da lei; mas a aplicação da lei deve levar em conta a função exercida pela empresa. Uma biblioteca que tenha livros proibidos pela Justiça não gerou o conteúdo, nada tem a ver com ele: apenas o coleciona. Se obteve os livros legalmente, que é que fez de errado? Outro caso interessantíssimo é o do jornalista Cristiano Silva. Há alguns dias, um juiz comandou a apreensão de seu livro Operação Ouro Negro – História do milionário assalto aos cofres da Prefeitura de Catalão durante debate na Universidade Federal de Goiás. Em outras palavras, ao discutir temas de interesse da comunidade, a universidade foi invadida para a apreensão do livro que vinha sendo discutido. Pior: o jornalista foi detido por desacato à autoridade e levado à delegacia. A obra trata de problemas ocorridos na gestão do ex-prefeito Nagib Elias, e o juiz que determinou a apreensão foi quem extinguiu o processo montado com base na Operação Ouro Negro da Polícia Federal. Detalhes: nem o jornalista nem seu advogado tinham sido informados da proibição do livro. Mas as ameaças já vinham de antes. Certo dia, Cristiano foi abordado na rua por várias pessoas, na cidade de Catalão, em Goiás. Um homem disse aos companheiros, em tom irônico: “Ah, mete bala na cara desse vagabundo. Vamos fazer picadinho dele, igual fizemos com o livro”. Outro completou: “Tem de acertar no olho para não estragar a pele”. Há casos mais antigos: a pressão constante sobre o jornalista Lúcio Flávio Pinto, do Pará, que desafia as famílias que comandam o estado; a censura que já perdura há dois anos contra O Estado de S.Paulo, para impedi-lo de publicar informações sobre o império da família Sarney, conforme investigações da Polícia Federal na Operação Boi Barrica; o processo que este colunista sofre de um ex-secretário tucano, que deixou o governo de São Paulo para defender uma empresa que se opunha a interesses do governo de São Paulo. Mas o caso mais emblemático, agora, é o do Blog do Pannunzio. Guerra suja O jornalista Fábio Pannunzio, da Rede Bandeirantes, é sério e competente. Abriu um blog em 2009 e, de lá para cá, jamais aceitou ofertas de patrocínio. Paga as despesas com dinheiro do próprio bolso, tirado do salário de repórter. Que é que fizeram contra ele? Aquilo que a Igreja Universal do Reino de Deus tentou fazer contra a repórter Elvira Lobato: sufocá-la com imenso volume de processos (no caso, espalhados por todo o Brasil, para obrigar a repórter a gastar fortunas com viagens e advogados, e ao mesmo tempo reduzir sua produção jornalística, por falta de tempo). Só que Elvira Lobato trabalhava como repórter da Folha de S.Paulo, que bancou as despesas, denunciou as manobras da Universal e transformou o caso num foco permanente de suas reportagens. Pannunzio foi processado inúmeras vezes, sem êxito. Mas, em todas elas, teve de perder tempo, contratar advogado, gastar com documentação, viajar até o local dos processos. O objetivo, claro, era este; pessoas que se julgam atingidas em sua honra não entram com processos cíveis, já que honra não se mede em dinheiro (a não ser algumas pessoas, que já têm até a etiqueta de preço afixada). Quem tem a honra atingida entra com processo-crime, exatamente por considerar que sua reputação não tem preço. Pannunzio foi processado por gente das mais diversas ideologias, partidos, interesses. A gota d’água foi o processo que lhe é movido pelo atual secretário da Segurança de São Paulo, coronel Ferreira Pinto, herança de Serra para Alckmin: o secretário do governo tucano quer uma indenização monumental de Pannunzio. E o repórter decidiu desistir do blog. “Escrevo depois de semanas de reflexão e com a alma arrasada”, disse Pannunzio, “especialmente por que isso representa uma vitória dos que se insurgem contra a liberdade de opinião e informação.

quarta-feira, outubro 10, 2012

Politicamente correto e mediocridade elegem novo alvo: a crítica

O politicamente correto está em cruzada firme para matar a liberdade de expressão e de opinião. Tem fracassado na maioria das vezes, principalmente quando “respaldado” por argumentos ideológicos retrógrados ou de origem religiosa igualmente estapafúrdios. De mãos dadas com a ignorância e com a falta de respeito, o politicamente correto agora está atacando, ainda que de forma atabalhoada, a crítica nas áreas de cultura, artes e espetáculos, tanto em jornais como na internet. Parece existir uma regra não escrita de que é proibido falar mal de qualquer coisa e de alguém, e que tudo precisa ser sempre relativizado, e que a tal “contextualização” serve como muleta para toda e qualquer justificativa para que se não se fale mal de uma obra de arte. Os exemplos vão do mais simples e rasteiro – legiões de fãs inconformado com críticas negativas a seus ídolos – ao mais pedante e arrogante pseudointelectualismo de boteco movido a tintas malcheirosas de ideologia burra e ultrapassada – a situação absurda mais recente é o patrulhamento em cima do suposto conteúdo racista de algumas obras de Monteiro Lobato. Se a internet revolucionou a forma de como o ser humano lida e obtém informação, também mudou para pior a forma de como as pessoas discutem e debatem. A internet jogou o debate na lata do lixo em grande parte dos assuntos relevantes em qualquer parte do mundo. Transformou-se em uma enorme cracolândia (parafraseando o sábio jornalista Décio Trujillo Júnior), onde a desqualificação virou o principal argumento de discussão – e ferramenta obrigatória de indigentes intelectuais e culturais para mascarar a própria ignorância. Ter opinião é pecado no século XXI dominado pela tecnologia, pela web e pelas redes sociais. A crítica negativa de um disco ou um livro é apedrejada de forma inacreditável apenas por ser negativa – com a interatividade, leitores/internautas travam um debate de baixíssimo nível, como se o ídolo fosse unanimidade e inatacável. Não se respeita mais na internet e nos jornais o direito de jornalistas, críticos e especialistas respeitados, com pelo menos duas ou três décadas de ofício, de opinar. Ninguém diverge, contesta ou discorda com educação ou argumentos. Diverge-se, contesta-se e se discorda com ameaças e agressões verbais de todos os tempos. É um movimento inaceitável de cassação do direito de criticar e opinar. Tal quadro desalentador é observado de forma mais acentuada na área de cultura popular, particularmente na música. O anonimato e a distância tornaram a covardia e a agressão gratuita ferramentas essenciais para a imposição de ideias ou para protestar de forma a intimidar articulistas ou especialistas de todos os matizes. Os ataques veementes e constantes contra a opinião e a crítica, quase sempre de forma tola, vazia e inconsequente, instauraram um clima de inquisição na internet. Mais do que a arquibancada violenta de um Fla-Flu ou um Corinthians e Palmeiras, qualquer crítica ao trabalho de certos artistas vira motivo para um autêntico linchamento moral e ético contra o autor. Vários textos do Combate Rock foram alvo de leitores enfurecidos e atormentados por conta de críticas aos trabalhos de gente como Mutantes, Nirvana, Raul Seixas, Legião Urbana, Restart, Charlie Brown Jr e Los Hermanos, entre outros. Parte expressiva dos “comentários”, em língua com algum parentesco com o português, abusou de xingamentos, desqualificações rasteiras e protestos estéreis contra os autores. Em nenhum momento chegaram perto de argumentar com algum nível de decência o objeto da questão – as críticas em si. O poeta e escritor Luiz Carlos “Barata” Cichetto, conhecido no meio underground do rock e dos cenários literários alternativos de São Paulo e Rio de Janeiro, sofreu uma ação massiva de xingamentos e desqualificações quando publicou no site Whiplash, o melhor e mais diversificado sobre rock em português. Ele escreveu um texto onde apontava as coincidências e quase plágios na obra de Raul Seixas – texto já reproduzido no Combate Rock. Detalhado e bem fundamentado, o artigo foi desqualificado por todos, mas em nenhum momento foi contestado de forma séria. Acreditar que toda essa várzea é o retrato da internet é um equívoco tremendo e uma injustiça para com a imensa maioria de pessoas sérias e que usam a web com prudência e inteligência. No entanto, não há como ignorar a sensação de que é justamente a cracolândia é que domina o ambiente virtual, tanto em português como em qualquer língua. A precarização e o baixo nível não são privilégio dos brasileiros. Ainda assim, é assustadora a indigência intelectual que dominam fóruns e páginas de opinião de blogs, portais e sites brasileiros. Nem é o caso de mencionar os ambientes esportivos dedicados ao futebol, onde o clima de arquibancada é compatível com a ausência de educação e inteligência na maioria das vezes – na verdade, parece que isso é requisito básico para tais ambientes. O desconhecimento total da função de jornalistas e críticos revela de forma inequívoca o elevado grau de desinformação do público em geral, evidenciando, por outro lado, um viés extremamente perigoso: a intolerância para com a divergência, a diversidade e a diferença. Não são poucos os iletrados que “questionam” o papel do jornalismo, da mídia e da imprensa, chegando à petulância de dizer (ou seria “determinar”) o que um jornalista deve ou não escrever, e como tem de escrever. “Jornalista não pode dar opinião” é apenas a mais frequente dos lixos publicados em páginas de comentários em grandes portais de internet. O baixo nível predominante na internet e a incapacidade – ou recusa – de compreensão de qualquer texto opinativo é um indicativo preocupante de uma tendência autoritária que predomina no grande público – algo bastante comum em ambientes de discussão política, seja de direita ou esquerda, igualmente de níveis baixos de inteligência, cultura e tolerância. A tentativa de imposição de uma “homogeneização” de pensamento artístico-cultural – onde o politicamente correto, a ausência de senso crítico e a esterilidade de ideias predominam – é inócua, mas não menos desalentadora. Qual o sentido de opinar, criticar, debater e pensar em um ambiente que repele a vida inteligente, onde o que interessa é a futilidade e o entretenimento mais rasteiro e pueril que existe? Levar luz às trevas? Por mais que intelectualmente seja tentador, essa motivação é pedante demais. Satisfação pessoal? Egoísta demais. O fato é que críticos, colunistas e jornalistas especializados são cada vez mais lidos na internet, seja em blogs pessoais ou em espaços próprios em grandes portais ou portais de grandes jornais. Os acessos e o número de comentários só aumentam no Estadão.com e na maioria dos blogs e espaços de colunistas no UOL, só para citar alguns exemplos. Portanto, eis a maior vitória da vida inteligente na internet: criticados, desqualificados, xingados e até ameaçados, mas cada vez mais lidos em um verdadeiro mar de mediocridade. É maior prova de vida inteligente na web – prova incontestável de que críticos, colunistas e jornalistas especializados serão sempre cada vez mais necessários.