sexta-feira, abril 15, 2011

Esse cadastro é mesmo positivo?


O projeto aprovado no Senado que institui o cadastro positivo para bons pagadores é constitucional? Não vi nenhuma discussão a esse respeito nas inúmeras reportagens de TV e jornais.

Os empresários estão radiantes com a medida e afirmam sem medo de errar que os juros cairão após a promulgação da lei pelo presidente Lula – se der tempo em 2010.

Já as entidades de defesa do consumidor alertam que o projeto embute uma série de problemas, o maior deles a sacramentação da discriminação financeira entre os devedores, alargando ainda mais o abismo entre os consumidores endividados.

A palavra discriminação soa como um palavrão para os representantes das entidades que reúnem lojistas de tamanhos variados e indústrias. O problema é que essas mesmas entidades não conseguem encontrar um tema que defina o que significa para quem deve esse projeto. Dever não é crime, é uma possibilidade da vida cotidiana de qualquer cidadão que vive em uma democracia capitalista. Governos devem, bancos devem, empresas devem, times de futebol devem (e muito).

A questão que fica é: até que ponto os atuais índices de inadimplência influenciam no custo do dinheiro ofertado no mercado? Será que a quantidade de gente que não paga suas dívidas pode servir de justificativa para as taxas escorchantes de cheque especial e cartão de crédito? O maior dos problemas ainda não revelados na sua totalidade do projeto do cadastro positivo é a “criminalização” do devedor, já marginalizado pelo rótulo do “nome sujo” ao ser incluído em um dos vários cadastros de inadimplentes.

O cadastro positivo propõe a valorização do bom pagador, inclusive com o “bônus” de condições melhores de pagamento, seja de alongamento de dívida (parcelamento), seja em taxas mais atraentes de juros. Para o devedor, sobra o reforço da pecha de mau pagador, de inadimplente, o que, em tese, pioraria sua condição financeira. E então aparece o paradoxo: quanto pior a condição financeira e quanto menor forem as oportunidades de crédito, menos chances de saldar a dívida o inadimplente terá.

Mas parece que essa preocupação passou longe dos autores do projeto que cria o cadastro positivo. Já existe até uma certeza no mercado: as condições para os bons pagadores não melhorarão, mas as dos inadimplentes vão piorar ainda mais.

E o que dizer desta “discriminação” financeira mais acentuada que pode surgir com o projeto? Seria possível questionar a constitucionalidade da medida? Não há consenso.

Importantes juristas e advogados acreditam que faltam alguns elementos para tipificar a infração à Constituição, estabelecendo assim uma diferenciação criminosa entre cidadãos.

Os órgãos de defesa do consumidor, por sua vez, enviaram um manifesto à Presidência da República pedindo o veto do projeto. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Procon-SP e Proteste são contrários ao compartilhamento de informações dos bons pagadores.

As duas maiores preocupações dos órgãos de defesa do consumidor são a violação de privacidade de quem paga suas contas em dia e a discriminação de quem é bom pagador, mas jamais fez um financiamento.

“Vínhamos discutindo no Congresso uma série de regras para implantação do cadastro, mas o projeto que foi aprovado não traz nenhuma regulamentação", explica Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec, em reportagem do Jornal da Tarde. Segundo ela, é preciso definir as finalidades da listagem, quem poderá ter acesso às informações e que dados serão considerados.

Maria Inês Dolci, coordenadora do Proteste, também em declaração ao JT, questiona ainda o maior argumento dos defensores do cadastro positivo: o de que as taxas de juros aplicadas aos bons pagadores serão menores. “Não há nenhuma garantia de que os bancos vão reduzir juros com a medida.”

A adesão ao cadastro é voluntária. O seu nome só pode constar mediante sua autorização. Você quer mesmo que seus dados fiquem expostos em uma lista suspeita de infringir a Constituição?

quarta-feira, abril 13, 2011

Corte do fornecimento de água é legal, mas será que é legítimo?


A companhia de água pode cortar o fornecimento por atraso no pagamento? Pode. A exemplo da luz e do telefone, que também podem sofrer interrupção por falta de pagamento, a empresa de água está, legalmente, autorizada a secar as torneiras de quem não pagar a conta. Essa é uma das dúvidas mais comuns que atingem os consumidores.



E a questão, apesar de constar em lei, ainda é controversa. Afinal, é legítimo e mortalmente aceitável o corte do fornecimento de serviços que fazem parte das necessidades básicas dos consumidores? Afinal, as empresas concessionárias e operadoras dispõem de meios diversos para efetuar a cobrança e punir inadimplentes, seja enviando o nome do cliente para os cadastros de inadimplência, seja processando-o na Justiça.

Foram os investidores, na época das privatizações, que exigiram a suspensão implacável dos serviços essenciais aos inadimplentes. O Congresso Nacional não hesitou em atender à “exigência”, e o governo federal não se importou em contestar ou mesmo defender o consumidor.

As estatais que gerenciavam esses serviços essenciais não deixaram saudade, é fato, já que nunca respeitaram consumidor, prestavam um péssimo serviço, atendiam ainda pior as reclamações e ignoravam as noções básicas de meritocracia – muitas delas eram meros cabides de emprego para apaniguados políticos, o que significava que eram antros de corrupção.

Quando as privatizações vieram – desejáveis, mas que foram implementadas de forma pouco transparente, com suspeitas graves em cada documento assinado -, o corte dos serviços essenciais por inadimplência foi implementado de forma inflexível e contrabandeado por meio da Lei 8.987/95, que autorizou o corte “por inadimplemento do usuário”.

A lei citada apenas criou um requisito para a suspensão do serviço, seja de água, luz ou telefone, a saber: a empresa deve avisar previamente o consumidor, com antecedência de 15 dias, que o serviço essencial será interrompido.

A questão é muito polêmica em se tratando de corte por atraso ou falta de pagamento, uma vez que a interrupção dos serviços essenciais retira o bem-estar mínimo, e muitas vezes colocam em risco a própria saúde (caso da água e luz) do devedor. Durante muito tempo, os tribunais estaduais não aceitavam o corte por inadimplemento. Mas o Superior de Tribunal de Justiça (STJ) acabou com a polêmica e consolidou a regra da suspensão para os inadimplentes.

“O corte por atraso, mesmo que admitido, poderia ser regulamentado de forma a preservar o mínimo da dignidade da pessoa humana. Por exemplo, poderia haver um tratamento diferenciado para desempregados de baixa renda ou pessoas carentes – assim como poderia haver regras mais flexíveis e mais seguras para os consumidores em geral”, diz o advogado Josué Rios, especialista em direito do consumidor e colunista do Jornal da Tarde.

Pelo menos a mesma Justiça que autorizou as concessionárias a suspender o serviço por atraso no pagamento proibiu que as empresas cortassem a água ou a luz no caso de débito passado. E aqui não estamos falando de decisões judiciais isoladas, mas de entendimento pacífico dos tribunais.

Um exemplo comum de débito passado que impede o corte é o que ocorre com o novo comprador de um imóvel, cujo antigo dono não pagou a conta da Sabesp. Neste caso, conforme repetidas decisões dos tribunais, o comprador da casa ou apartamento não pode ser impedido de obter a religação da água em razão da dívida do antigo proprietário.

“Da mesma forma, uma vez que esteja utilizando normalmente o serviço, o novo comprador do imóvel não pode sofrer o corte, se a empresa descobre que tem débito em aberto do antigo vendedor. Mais: se o inquilino abandonou o imóvel devendo a companhia de água, esta deve seguir os rastros deste para cobrar o débito, em vez de impedir o dono imóvel de religar o serviço”, conclui Rios.

domingo, abril 10, 2011

É como roubar camiseta no show



O sobrinho do cidadão já passado dos 40 anos adora rap. Estava vestindo uma camiseta de um artista que adora. O tio não se lembrava de tê-lo visto com aquela camiseta preta – na verdade, não se lembrava de tê-lo visto com camisa alguma de banda de rock ou de qualquer outro artista.

Meio desconfiado, o tio perguntou ao sobrinho onde havia conseguido aquela camiseta. “No show que fui ontem à noite”. O tio não resistiu e perguntou ao garoto adolescente: “Pô, me conta aí: como você conseguiu pegar essa camiseta da banquinha, sair correndo sem ninguém te apreender?”

O moleque perdeu o ar inocente e fez uma cara de interrogação, dizendo que tinha pagado US$ 20 na camiseta. Depois, fechou a cara ao entender a provocação do tio, que, coincidentemente, era um músico famoso internacionalmente.

O garoto não ligava em pagar US$ 20 na camiseta – até porque se arriscasse um furto na banquinha no show, poderia ser preso com facilidade –, mas se recusava a comprar um CD com as músicas do artista de que gostava, preferindo baixar de graça (roubar?) as canções pela internet.

O diálogo foi narrado em entrevista por Zakk Wylde, na edição de novembro de 2010 da boa revista de rock Roadie Crew. Wylde, ex-guitarrista da banda de Ozzy Osbourne e líder do Black Label Society, usou a conversa para exemplificar como a pirataria destrói mercados, economias e lesam o consumidor em todos os sentidos.

É tão difícil as pessoas entenderem as consequências da pirataria em todos os setores produtivos da sociedade?

Quem compra produtos piratas ou baixa conteúdo artístico de forma ilegal pela internet contribui para extinguir o mercado formal e legal – e, por consequência, ajuda a matar o artista, que fica sem renda para se manter e continuar produzindo a sua arte.

Para o consumidor, o prejuízo é múltiplo. Ao comprar coisa pirata ou baixar conteúdo ilegal, o consumidor incentiva o crime organizado, contribui para a queda da arrecadação de impostos, adquire um produto que está longe das especificações e garantias de quem o fabricou e, no caso do artista lesado, ajuda a empurrá-lo para fora do mercado. Ou seja, ao se recusar a pagar pela música de Zakk Wylde, por exemplo, o consumidor corta uma fonte de renda do artista. Se ele não tiver fonte de renda para sobreviver e continuar a fazer música, encerra a carreira e muda de ramo.

Será que é isso que o fã de Wylde quer? A julgar pela indiferença dos fãs de qualquer artista, sim, ao se observar as quantidades cada vez maiores de downloads ilegais no mundo, ao mesmo tempo em que caem muito as vendas de CDs, de downloads legais e de qualquer produto ligado ao mercado formal de música.

E considero inaceitáveis os argumentos de que a pirataria cresce por conta dos preços supostamente altos dos produtos ditos legais. Isso é um argumento tosco, de gente mau caráter, que não está nem aí para o cumprimento da lei.

Esse tipo de bobagem poderia servir de justificativa para quem rouba carros, já que o preço de um carro é muito alto – então, vamos roubar e furtar, oras...

É o mesmo que dizer que todo favelado é bandido – se isso fosse verdade, viveríamos em uma eterna guerra civil, pois haveria milhões de favelados roubando e matando todos os dias.

Muita gente diz que o incentivo à pirataria é um traço cultural e de má educação – e que se resolve melhorando a educação do povo. A conversinha de boteco da esquerda burra é bonitinha para enganar estudantes tontos de cursos de ciências humanas de quinta categoria, mas não convence.

Pirataria se combate com a aplicação da lei, fiscalização e punição. Quanto ao mau caratismo de quem defende a pirataria, além da punição, merece o profundo desprezo.