sexta-feira, dezembro 02, 2011

Gostar de rock começa a pesar na avaliação profissional

Por mais preconceituoso que seja, não dá para fugir: a forma como a pessoa fala, se veste, age, trabalha, dirige e muitas coisas mais dizem muito sobre o indivíduo. Dá para julgar cada um por esse tipo de coisa? Cada um avalie da forma como achar melhor. Da mesma forma, os hábitos culturais – os livros que lê, a música que ouve, os eventos frequenta – também dizem bastante sobre as pessoas. Existe a chance de se errar por completo, mas faz parte do jogo. Dois fatos importantes, apesar de corriqueiros, mostram que os apreciadores de rock podem ter esperança de dias melhores, apesar dos casos recorrentes de preconceito explícito e perseguição por conta do gosto pessoal em pleno século XXI – algumas dessas excrescências têm sido narradas aqui em textos no Combate Rock. No começo de agosto um gerente de uma grande multinacional instalada no ABC (Grande São Paulo) penava para contratar um estagiário para a área de contabilidade e administração. Analisou diversos currículos e entrevistou 24 jovens ainda na faculdade ou egressos de cursos técnicos. Conversou com todo o tipo de gente, do mais certinho ao mais despojado, do mais conservador à mais desinibida e modernosa. Preconceitos à parte, procurou focar apenas a questão técnica e os conhecimentos exigidos. Alguns candidatos até possuíam a maioria dos requisitos exigidos, mas acabaram desclassificados em um quesito fundamental para o gerente: informação geral, que inclui hábitos culturais. O escolhido foi um rapaz de 20 anos, o penúltimo a ser escolhido. Bem vestido, mas de forma casual, usando rabo de cavalo, mostrou segurança e certa descontração, além de bom vocabulário e de se expressar de forma razoável, bem acima da média. Durante as perguntas, o gestor observou que o garoto segurava um livro e carregava um iPod. O livro era a biografia de Eric Clapton. Após a quinta pergunta, direcionou a conversa para conhecimentos gerais e percebeu que o rapaz lia jornais e se interessava pelo noticiário. “Você gosta de rock?”, perguntou o gerente. “Sim, e de jazz também”, respondeu o garoto. O entrevistador não se conteve e indagou se o rapaz se importava de mostrar o que o iPod continha. E viu um gosto eclético dentro do próprio rock: havia muita coisa de Black Sabbath, Deep Purple, AC/DC, mas também de Miles Davis e big bands. “Não aprecio rock, não suporto o que minhas filhas ouvem, mesmo seja Rolling Stones, meu negócio é Mozart, Bach e música erudita. Mas uma coisa eu aprendi nas empresas em que passei e nos processos seletivos que coordenei: quem gosta de rock geralmente é um profissional mais antenado, que costuma ler mais do que a média porque se interessa pelos artistas do estilo. Geralmente são mais bem informados sobre o que acontece no mundo e respondem bem no trabalho quando são contratados. Nunca me arrependi ao levar em consideração também esse critério”, diz o gerente. O resultado é que o garoto foi contratado após 15 minutos de conversa, enquanto cada entrevista com os outros candidatos durava 40 minutos. “Não tive dúvida alguma ao contratá-lo. E o mais interessante disso: percebo que essa é uma tendência em parte do mercado há pelo menos três anos, pois converso muito com amigos de outras empresas e esse tipo de critério está bastante disseminado. Quem gosta de rock é ao menos diferenciado”, finalizou o gestor. Já em uma escola particular da zona oeste de São Paulo, do tipo mais alternativo e liberal, o trabalho de conclusão do ensino médio era uma espécie de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) das faculdades. A diferença é que, para não ter essa carga de responsabilidade, foi criado uma espécie de concurso para premiar algumas categorias de trabalhos – profundidade do tema, ousadia, importância social e mais alguns critérios. O vencedor geral foi o de uma menina esperta de 17 anos, filha de um jornalista pouco chegado ao rock, mas com bom gosto para ouvir jazz e blues. O trabalho tentava traduzir para a garotada a importância dos Beatles para a música popular do século XX. Para isso realizou uma ampla pesquisa sobre as origens do blues, do jazz, da country music norte-americana e traçou um panorama completo da evolução do rock desde os primórdios até os megashows de Rush, AC/DC, U2 e Metallica. Seu trabalho contou ainda com a defesa de uma tese em frente a uma banca de professores. O resultado é que, além do prêmio principal – placa de prata e uma quantia em dinheiro em forma de vale para ser gasto em uma livraria –, acabou sendo agraciada com a proposta de transformar seu trabalho em um pequeno livro, bancado pela escola. Detalhe: a reivindicação partiu dos colegas da menina, que ficaram fascinados com a história do rock – poucos deles eram íntimos do gênero, pelo que o pai da menina me contou. Os Beatles foram o ponto de partida para uma aluna de um colégio paulistano para traçar um panorama extenso e completo sobre a história do rock; o trabalho ganhou prêmio e vai se transformar em livro Seria um flagrante exagero afirmar que gostar de rock facilita a obtenção de emprego ou estágio – ou que quem gosta de rock é muito melhor aluno do que os outros nas escolas. Mas o simples fato de haver reconhecimento de que apreciar rock frequentemente leva a uma situação diferenciada já é um alento diante dos seguidos casos de intolerância e preconceito. Gostar de rock não torna ninguém melhor ou pior, mais ou menos competente, mais ou menos inteligente. Mas os casos acima mostram que o roqueiro pode se beneficiar de situações em que é possível se mostrar diferenciado, mostrando uma cultura geral acima da média e mais versatilidade no campo profissional. E o que é melhor, isso começa a ser reconhecido por um parte do mercado. Bom gosto não se discute: adquire-se.

terça-feira, novembro 29, 2011

O blues rock energético e virtuoso de Big Gilson and Blues Dynamite

Gilson Szrajbman é um carioca pacato e tranquilo de 52 anos que se transforma em um insano e furioso guitarrista de blues rock. Na pele de Big Gilson, é o principal representante do subestilo no Brasil. E, para variar, assim como Nuno Mindelis, tem mais prestígio no exterior do que em sua terra. O que pouca gente sabe é que ele é, provavelmente, o músico brasileiro de blues que mais lançou álbuns, ao lado de outro carioca blueseiro da maior qualidade, o gaitista Flávio Guimarães, do Blues Etílicos. Big Gilson é devoto fervoroso do estilo que abraçou. Seu pacote de lançamentos recém-chegados às lojas, “Big Gilson & Blues Dynamite Live”, que envolve DVD e CD gravados em 2010 em um pequeno bar na periferia de Buenos Aires, na Argentina, retrata um músico intenso, mas completamente senhor de seu trabalho e de seu espaço. “São mais de 30 anos tocando, acho que já consegui ultrapassar diversas fases e o novo trabalho é um resumo do que venho fazendo ultimamente. É mais blues rock do que nunca”, diz o guitarrista. A experiência na estrada permitiu a Gilson montar um repertório eclético e variado, sem medo de apostar em clássicos do blues e em músicas de lendas da guitarra que infelizmente andam um pouco esquecidas hoje em dia. É o caso de Rory Gallagher, irlandês venerado e elogiado por gente como Eric Clapton e Mick Jagger e que morreu em 1995. “I Wonder Who” está presente apenas no CD, mas é um excelente cartão de visitas para quem gosta de energia e guitarra bem tocada. “Acho que consegui personalizar uma canção fantástica, que é um hino na carreira de Gallagher.” Presentes nos dois lançamentos, “Tell Mama” é um grande tributo a outra lenda britânica do blues rock, o Savoy Brown. Apegada forte e característica de Gilson dão o tom em um tema complexo, que requer muito feeling do instrumentista. O bom gosto nos “tributos” segue com a divina “Messiah Wil come Again”, do mestre Roy Buchanan, e em um bem sacado e muito bem executado medley de mais de 12 minutos com temas de Jimi Hendrix (“Hendrix Tribute”). Ao final do DVD, como bônus, uma ótima surpresa: uma versão bluesy e “original” de “Changes”, do Black Sabbath. Da carreira solo Big Gilson pinçou a ótima “Sentenced to Living”, faixa-título daquele que talvez seja o seu melhor álbum, e a bela “Tropical Feeling Blues”, além da energética “Ride the Rocket”. Os novos lançamentos, encampados pela novata gravadora Coqueiro Verde, traz uma boa novidade: a entrada da baixista Flávia Couri, que também toca na banda de pop-rock Autoramas. “O estilo dela é bem diversificado e eclético. Era o que eu precisava em razão de sua experiência. Tem conseguido dar o peso que a minha música exige, ao mesmo tempo em que faz bem o som cadenciado do blues.” O que não muda é a parceria de longa data com o produtor e amigo Pedro Garcia, baterista e percussionista do Planet Hemp. “Ele consegue captar como ninguém a minha espontaneidade. Seu ouvido é capaz de manter nos mínimos detalhes os meus timbres e minha sonoridade. Hoje não consigo me ver trabalhando com outro produtor.” Prestes a encarar uma turnê norte-americana no final de agosto e em setembro, Big Gilson é um caso raro de reverência ao próprio passado, mesmo que para isso seja necessário mantê-lo à distância. Fundador e motor do grupo carioca de blues Big Allanbik, de certo sucesso nos anos 90, Gilson consolidou o seu estilo de pegada forte e de timbres mais cristalinos típicos do blues rock, dando o contraponto ao tradicionalismo de Blues Etílicos e André Christóvam. “Tenho orgulho do Big Allanbik e dos três álbuns que fizemos, foi um período muito importante de minha carreira. E justamente por reverenciar bastante os trabalhos daquele período é que guardo distância para que possa seguir em frente”, diz o guitarrista.