segunda-feira, dezembro 30, 2013

Dos que tanto amam odiar a imprensa

EUGÊNIO BUCCI - O Estado de S.Paulo Primeiro, eles acusavam a imprensa de ser um "partido de oposição" e pouca gente se incomodou. A acusação era tão absurda que não poderia colar. Numa sociedade democrática, relativamente estável e minimamente livre, os jornais vão bem quando são capazes de fiscalizar, vigiar e criticar o poder. O protocolo é esse. A normalidade é essa. Logo, o bom jornalismo pende mais para a oposição do que para a situação; a imprensa que se recusa a ser vista como situacionista nunca deveria ser atacada. Enfrentar e tentar desmontar a retórica do poder, irritando as autoridades, é um mérito jornalístico. Sendo assim, quando eles, que se julgavam aguerridos defensores do governo Lula, brandiam a tese de que a imprensa era um "partido de oposição", parecia simplesmente que os jornalistas estavam cumprindo o seu dever - e que os apoiadores do poder estavam simplesmente passando recibo. Não havia com o que se preocupar. Depois, as autoridades subiram o tom. Falavam com agressividade, com rancor. A expressão "partido de oposição" virou um xingamento. Outra vez, quase ninguém de fora da base de apoio ao governo levou a sério. Afinal, os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão não se articulavam nos moldes de um partido: não seguiam um comando centralizado, não se submetiam a uma disciplina tipicamente partidária, não tinham renunciado à função de informar para abraçar o proselitismo panfletário. Portanto, acreditava-se, o xingamento podia ser renitente, mas continuava sendo absurdo. Se os meios de comunicação tivessem passado a operar como partido unificado, com o intento de sabotar a administração pública, o que nós teríamos no Brasil seria um abalo semelhante ao que se viu na Venezuela em 2002. Ali, houve um conluio escandalosamente golpista dos meios de comunicação que, por meio de informações falsificadas, tentou derrubar o presidente Hugo Chávez, eleito democraticamente havia pouco tempo. Por fortuna, a quartelada mediática malogrou ridiculamente. Por escassez de virtú, Chávez passaria todo(s) o(s) seu(s) governo(s) se vingando das emissoras que atentaram contra ele. No Brasil, não tivemos nada parecido. Nossa imprensa, convenhamos, é preponderantemente de direita e, muitas vezes, apresenta falhas de caráter, algumas inomináveis, mas nunca se perfilou com a organicidade de um partido político. Por todos os motivos, a acusação continuava sem pé nem cabeça. Mas o fato é que começou a colar e o cenário começou a ficar esquisito. Agora, as inspirações até então submersas daquela campanha anti-imprensa afloram com mais nitidez. Era um recurso para dar tônus à disposição dos cabos eleitorais (de muitos níveis), para inflar o ânimo dos militantes de baixo e para inflar o ego dos militantes de cima. Agora, chegamos ao ponto de dizerem que os repórteres deram de ombros para a cocaína encontrada no helicóptero da família do senador Zezé Perrella (PDT-MG) porque ele, embora esteja filiado a um partido da base governista, teria lá suas inclinações consideradas pouco fiéis. Difícil saber. As mesmas vozes acusam os mesmos repórteres de terem exagerado na cobertura do julgamento do mensalão. Na falta de uma oposição de verdade que pudesse servir de vilã cruel, na falta de um satanás mais ameaçador para odiar (a "herança maldita" de FHC não funciona mais como antagonista imaginária), querem fazer valer essa ficção ufanista de que o País vai às mil maravilhas, só o que atrapalha a felicidade geral é esse maldito partidarismo da imprensa. A tese pode ser doidona, mas está funcionando. Alguns quase festejam: "Viva! Achamos um inimigo para combater! Vamos derrotar os editores de política deste país!". Deu-se, então, um fenômeno estranhíssimo: as forças instaladas no governo, como que enfadadas do ofício de governar, começaram a fazer oposição à imprensa. Dilma Rousseff jamais embarcou na cantilena, o que deve ser reconhecido e elogiado, mas está cercada de profetas que veem em cada redator, em cada fotojornalista, uma ameaça ao equilíbrio institucional. A oratória petista depende de ter um antagonista imaginário. Sem isso, parece que não para mais de pé. Sim, temos aí um traço de discurso autoritário. Em todo regime autoritário ou totalitário, a figura mais essencial é a do inimigo. Para os nazistas, esse inimigo estruturante foram os judeus. Para o chavismo, foi o imperialismo, encarnado por Bush, que teria cheiro de enxofre. E mesmo Bush só conseguiu salvar seu mandato do fiasco porque lhe caiu no colo o inimigo chamado terrorismo. É claro que não se pode dizer que o PT atualmente se reduza a um discurso tropegamente autoritário, mas as feições autoritárias e fanatizantes desse discurso vão ganhando densidade a cada dia. Não obstante, está assentado em bases fictícias, completamente fictícias. Vale frisar este ponto: sem um inimigo para chamar de seu, esse tipo de ossatura ideológica se liquefaz. O que seria dos punhos cerrados dando soquinhos no ar sem o auxílio luxuoso do inimigo imaginário? O que seria dos sonhos de martírio em nome da causa? O que seria das fantasias heroicas e do projeto ambicioso de virar estátua de bronze em praça pública? Foi aí que a imprensa entrou no credo. Na falta de outra instituição disposta a não se dobrar ao poder, disposta a desconstruir os cenários grandiloquentes armados pelas autoridades, eles encontraram na imprensa a sua razão de viver e de guerrear. Só assim, só com seu inimigo imaginário bem definido, esse discurso encontra seu ponto de equilíbrio: ficar no poder e ao mesmo tempo acreditar - e fazer acreditar - que está na oposição, que combate um mal maior. Seus adeptos, que imaginam odiar a imprensa sem se dar conta de que a temem, agarram-se à luta com sofreguidão. Estão em ponto de bala para o ano eleitoral de 2014. Mesmo assim, feliz ano-novo. JORNALISTA, PROFESSOR DA USP E DA ESPM

sexta-feira, março 29, 2013

Falta clareza e inteligência aos partidários da regulação da mídia

Transcrevo artigo do Sandro Vaia, que está no blog do Noblat: Quanto riso, quanta alegria no partido de reguladores da mídia: exultam ao citar como exemplo as medidas que a Inglaterra tomou para domar seus tablóides amalucados. E, com o cinismo que os caracteriza, querem usar isso como exemplo de que países democráticos, sim, regulam a mídia e que quem resiste a medidas semelhantes no Brasil é um renitente reacionário. Esquecem de algumas pequenas diferenças: na Inglaterra, os tablóides (notadamente os de Rupert Murdoch, como o News of The World, que acabou sendo fechado ) usaram métodos criminosos para adulterar ou forjar informações. O que provocou as reações da sociedade e as medidas anunciadas não foram informações desabonadoras ao governo mas o uso de práticas criminosas. Noticiar o mensalão, denunciar casos de corrupção e criticar medidas do governo não tem nada a ver com uso de chantagem, espionagem através de grampos ilegais ou extorsão que os tablóides, e mais especificamente o News of The World , foram acusados de praticar. Delitos são delitos e não consta que a imprensa brasileira esteja sendo acusada de praticar ações criminosas que motivem medidas voluntárias de “regulação” como as que estão sendo adotadas na Grã Bretanha. O órgão regulador criado na Grã Bretanha é independente, de adesão voluntária, prevê a criação de um código de normas, pedidos de desculpas por eventuais erros publicados e direito de resposta às pessoas que eventualmente sejam envolvidas de forma equivocada no noticiário. Uma solução britanicamente civilizada que não tem nada a ver com vingança rancorosa por diferenças políticas. Agora leia e compare as medidas britânicas com esse item da proposta encaminhada pela CUT e pela FNDC (Forum Nacional de Democratização da Comunicação) e endossada pelo diretório nacional do PT: “O FNDC reivindica que este Marco Regulatório leve efetivamente à regulação da mídia, e contenha, também, mecanismos de controle, pela sociedade, do seu conteúdo e da extrapolação de audiência que facilita a existência dos oligopólios da comunicação que desrespeitam a pluralidade e diversidade cultural. Há alguma dúvida a respeito do que possa significar o pedido de “mecanismos de controle, pela sociedade, do seu conteúdo (...) ? É isso mesmo que está escrito: mecanismos de controle de conteúdo. Por quem ? Por que motivo? Que espécie de controle? Quem decide ou define o que é a sociedade, o que é e como ela pretende controlar conteúdos ? E quais são os conteúdos bons e os maus para ela? É aí que mora a diferença entre o caso britânico e o caso brasileiro, que os petistas, com ar de inocência, preferem fingir que ignoram. Como se nós - e Paulo Bernardo,o ministro deles,que sabe muito bem quais são as intenções - fossemos idiotas.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Para Cuba, com carinho

Eugenio Bucci * A visita da blogueira cubana Yoani Sánchez ao Brasil, esta semana, mobilizou opiniões de todo tipo. Em Brasília, parlamentares reagiram de modos antagônicos à presença dela no Congresso Nacional. Uns, como o senador petista Eduardo Suplicy, puseram-se de pé para aplaudi-la. Outros torceram o nariz. Representantes de autodenominados "movimentos sociais" esgoelavam-se para xingá-la de "agente da CIA", etc., como já tinham feito no Recife. Eram reações esperadas, assim como era esperado que Yoani roubasse a cena em todos os noticiários. Simpatizantes do governo cubano, mesmo os de boa-fé, dizem que tudo não passa de propaganda da imprensa burguesa contra o socialismo dos irmãos Castro. Não é bem assim. Colunista deste jornal, autora do livro De Cuba, com Carinho (Editora Contexto), uma antologia de crônicas em que descreve com acidez e delicadeza o seu cotidiano em Havana, Yoani é uma dessas pessoas que se tornam símbolo de uma causa. Está para a ditadura cubana, hoje, mais ou menos como Nelson Mandela, guardadas as proporções, esteve para o apartheid na África do Sul, tempos atrás. Conquistou notoriedade internacional e foi apontada como uma das pessoas mais influentes do mundo pela revista Time. Os militantes que aqui a hostilizam com ares de fúria deveriam parar para refletir e considerar, ao menos considerar a hipótese de que o interesse público em torno da figura frágil dessa mulher não venha de nenhuma estratégia de propaganda engendrada pelo imperialismo ianque. Não somos todos nós, aqui, cordeiros obedientes do Tio Sam, por mais que tenhamos um dedo de simpatia por Barack Obama (por sinal, é bem pouco provável que o Tio Sam, esteja ele onde estiver, fique preocupado com uma blogueira de Havana). Yoani Sánchez é notícia não por obra de uma conspiração internacional. Em primeiro lugar, ela é notícia, em boa parte, graças à barulheira de seus detratores, que fazem com que sua passagem por aqui vire um incidente de parar o trânsito. Em segundo lugar, e no que mais importa, ela é notícia porque, em sua saga pessoal, se escancara a grande contradição da qual Cuba nunca soube se libertar. Em Yoani vemos o significado final de mais de meio século da tirania da opinião que tomou conta da ilha. Na história dessa blogueira podemos vislumbrar o que foi feito (e desfeito) das utopias coletivistas que ainda enrijecem a fisionomia da América Latina. Sob qualquer perspectiva, Yoani é notícia. Os seus movimentos interessam a qualquer cidadão que preze a liberdade. É certo que autocracias existem em toda parte do globo terrestre, enclausurando dissidentes (como em Cuba) e perseguindo homossexuais (os de Cuba chegaram a ser confinados). Por que, então, falar tanto de Cuba e tanto de Yoani Sánchez? Porque essa mulher é a prova viva da promessa libertária não cumprida pelos Castros, uma promessa que seduziu e envolveu, em seu início, algumas das maiores inteligências do nosso continente. Falar de Cuba - e de Yoani - é entender a nossa História. Aí vêm as acusações conhecidas. Ela recebe fortunas do exterior. Colabora com o imperialismo. Mente. Ora, e daí? Mesmo que isso seja absolutamente verdadeiro, não muda nada. Mesmo que ela não passe de uma embusteira, isso por acaso retira dela o direito de viajar para onde bem entender? Agora Yoani conseguiu o seu passaporte, mas não foi simples. Foram 20 tentativas frustradas. Ela era uma prisioneira, como muitos de seus conterrâneos são até hoje. O regime castrista, acuado, teve de ceder, teve de outorgar-lhe o documento como se fosse um indulto. Mas até aqui vinha prevalecendo o argumento de que, sob suspeita de ser uma agente provocadora, uma cubana não poderia sair do país. Os militantes que a hostilizam deveriam refletir um pouco: desde quando isso é democracia? Mesmo que Yoani defendesse abertamente os Estados Unidos - o que ela não faz, pois, entre outras coisas, critica o bloqueio imposto por Washington contra Cuba -, por que isso deveria retirar dela o direito de ir e vir? Com base em que princípio dos direitos humanos? O fato é que a simples existência de Yoani Sánchez desmascara o arbítrio que se fantasia de democracia participativa. A democracia não se resume ao respeito à vontade da maioria (se é que, em Cuba, a maioria apoia mesmo o regime); a democracia exige igual respeito aos direitos da minoria, mesmo que essa minoria não passe de uma só pessoa. O socialismo que cobra seu preço em liberdade não pode ser chamado de igualitário. O socialismo que faz a História girar para trás, que volta no tempo, que adota uma ordem mais repressiva e mais primitiva que a do liberalismo político, não constitui um avanço, como se diz, mas um retrocesso (quase sempre com traços de selvageria). Quando as massas, embriagadas pela crença de que exercem o poder das multidões, marcham para silenciar os desviantes, a serviço de um governo, o que se tem é o germe do totalitarismo, nunca a libertação. Que agora, no Brasil, alguns jovens tenham tentado, aos berros, impedir Yoani de falar é compreensível. Talvez seja até aceitável. Apesar de deselegante, esse tipo de protesto faz parte do código gestual do embate político (este modesto escrevinhador, quando estudante, já participou de manifestações assim, tentando cassar a palavra das autoridades do governo em solenidades públicas). Mas agora a ilusão que move os manifestantes contra Yoani é mais problemática. Eles tentam suprimir a expressão de uma pessoa comum, para que nela ninguém veja o vazio insuportável do regime político que adotaram como religião. No Jornal Nacional de terça-feira, o senador Suplicy, ao lado da visitante cubana, apareceu com o rosto transtornado, gritando, tentando acalmar os que a insultavam: "Tenham coragem de ouvir!". Não adiantou. Eles estavam surdos. Inabaláveis em sua fé. *Eugênio Bucci - JORNALISTA, PROFESSOR DA ECA-USP e DA ESPM. EX-PRESIDENTE DA RADIOBRAS NO PRIMEIRO GOVERNO LULA (2003-2007)

terça-feira, fevereiro 26, 2013

Jornal da Tarde: uma luta histórica

Em conjunto com o Sindicato, jornalistas enfrentam demissão em massa, resistem e preservam mais da metade dos empregos ameaçados Guto Camargo e Paulo Zocchi Os jornalistas de São Paulo receberam uma péssima notícia em outubro passado: o fechamento do Jornal da Tarde, diário que, desde o seu surgimento, nos anos 60, renovou a imprensa nacional, com uma linguagem moderna e criativa. A reação coletiva da redação, porém, deixou um saldo imensamente positivo: conjuntamente com o Sindicato dos Jornalistas, iniciou-se de pronto uma luta decidida em defesa do emprego e dos direitos de todos. Foram semanas de mobilização, que impediram a empresa de demitir os jornalistas após o fechamento da redação, em 31 de outubro, e, ao final, garantiram a permanência da maioria em novas funções na empresa e um pacote de benefícios considerável para os que saíram. Tudo somado, a luta constituiu-se num marco histórico: é a primeira vez em anos que os jornalistas paulistas conseguem enfrentar coletivamente uma demissão em massa, estabelecendo uma barragem à decisão da empresa. Nesta matéria, contamos um pouco desse episódio. Certamente, suas lições são valiosas para nossa atual vida sindical, marcada por vagas de demissões em muitas empresas. Um leitor reclama O telefone tocou na redação do Jornal da Tarde, em 10 de outubro passado. Um leitor ligava para protestar contra o fechamento iminente da publicação. Ao contatar o setor de assinaturas para fazer sua renovação, havia sido informado pela atendente que o jornal deixaria de circular no início de novembro. A redação entrou em tumulto. Vários jornalistas telefonavam para confirmar a informação com o setor de assinaturas. Aparentemente, apenas a redação não sabia do que já era corrente em outros setores da empresa. Ricardo Gandour, diretor de Conteúdo do Grupo Estado, tentou acalmar os ânimos, afirmando que eram apenas boatos e uma confusão do pessoal das assinaturas. Ainda antes do final do dia, o Sindicato dos Jornalistas tentou em vão um contato com a direção da empresa. Enviou então um comunicado ao Grupo Estado, estabelecendo sua posição: “A hipótese de demissão em massa dos profissionais é inconcebível e poderá ser alvo de ação de dissídio coletivo junto ao Tribunal Regional do Trabalho, pois fere os princípios da OIT da função social do trabalho”. Para os jornalistas, a possibilidade de fechamento do JT, naturalmente, causava tristeza e preocupação quanto ao futuro. Nossa categoria vive uma realidade tão difícil que se pode dizer que o direito mais fundamental, atualmente, é o direito ao trabalho. O comportamento da empresa, porém, de querer tapar o sol com a peneira, tratando com total falta de respeito jornalistas que, por vezes, dedicaram vários anos de sua vida à publicação, causou uma indignação crescente, que explodiu em 16 de outubro, quando vazou um e-mail entre diretores da corporação confirmando o que se tentava esconder. Na véspera, a diretoria do Sindicato havia solicitado autorização para conversar com os jornalistas na redação, recusada pela empresa. Em nota, a entidade propunha uma linha de ação: “O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo opõe-se a qualquer demissão e luta para que todos os profissionais hoje vinculados ao JT mantenham seus empregos”. Após uma redução significativa de pessoal nos últimos anos, o jornal chegava ao final de 2012 com menos de 50 profissionais: eram 47 ligados à sua folha de pagamento, mas seis já estavam alocados no Estadão. No total, então, somavam 44 jornalistas, sendo 41 contratados e três PJs. Havia mais três estagiárias. Desde o início das conversas, os diretores do Sindicato propuseram um foco claro: deveríamos lutar para que, mesmo que o JT fechasse, o Grupo Estado mantivesse o conjunto em seus quadros, no Estadão, na Agência Estado ou na internet. A ideia tornou-se também a de toda a redação. Negociações Após combinar com jornalistas do JT, diretores do Sindicato foram à porta do Grupo Estado, em 17 de outubro, para conversar com a categoria. Também protocolaram na portaria um ofício, reivindicando a formalização de Termo de Compromisso Formal de Intenções da empresa, com as seguintes medidas: - garantia de manutenção da circulação do Jornal da Tarde até 31 de dezembro; - compromisso da direção do Grupo Estado de comunicar o Sindicato com prazo mínimo de 30 dias de antecedência caso houvesse intenção de fechar qualquer de seus veículos de comunicação; - abertura imediata de negociações com o Sindicato para “buscar alternativas que minimizem o impacto de qualquer mudança na empresa”. No ofício, o Sindicato insistia em conversar com a empresa, “visando defender os legítimos interesses dos jornalistas”, e protestava contra a falta de transparência: “As empresas jornalísticas são boas para defender a ‘liberdade de expressão’ para seu público externo, mas, quando se trata de relações de trabalho, o que vemos são medidas secretas, entabuladas às escondidas, e a negativa em debater e negociar abertamente”. No meio da tarde, a redação do JT desceu em peso para a calçada. Realizou-se então a primeira assembleia, que debateu a difícil situação em curso. Aprovou-se o ofício e a luta por nenhuma demissão. Decidiu-se dar um prazo de 72 horas para a resposta da empresa e marcar uma nova assembleia. A pressão surtiu efeito. No final da tarde, a direção da empresa aceitou conversar com o Sindicato pela primeira vez – representado então pelo presidente, Guto Camargo; Paulo Zocchi, diretor Jurídico; e o advogado Raphael Maia. Pelo Grupo Estado, dois executivos reuniram-se com o Sindicato, receberam em mãos o ofício e desmentiram categoricamente que o fechamento do JT já estivesse demitido. Comprometeram-se a dar uma resposta às reivindicações no prazo proposto. Nos dias que se seguiram, surgiam novas informações a cada momento confirmando a realidade da decisão tomada. Os jornalistas sentiam crescer o sentimento de indignação e a decisão de comprar a briga. Decidiram que a assembleia marcada para a terça-feira, 23 de outubro, aconteceria às 18h, em frente à própria empresa. Para sua realização, o trabalho seria interrompido já relativamente próximo ao horário do fechamento, de modo a mostrar a firmeza e determinação dos funcionários. Estado de greve Inutilmente, o Sindicato dos Jornalistas buscou uma resposta do Grupo Estado ao ofício entregue. Nada na segunda-feira, nada na terça, a apenas uma semana da data prevista para o último dia de trabalho. Nesta situação, instalou-se a assembleia. A redação ficou deserta. Apesar da garoa, praticamente todos os jornalistas do JT estiveram presentes. Foram informados da situação. Em seguida, a direção do Sindicato propôs que se decretasse estado de greve. A empresa seria notificada no dia seguinte de que, em 48 horas, a redação poderia cruzar os braços. O movimento, porém, insistiria em negociar enquanto fosse possível. Houve perguntas, questões e debate. Ao final, a aprovação da proposta foi unânime. Os jornalistas voltaram sem pressa a suas mesas de trabalho, como para deixar clara sua postura inconformada diante das imposturas da empresa. A entrega da notificação de greve, no dia seguinte, não foi tão fácil. A portaria não quis receber o comunicado, fazendo um gerente da empresa vir buscá-la pessoalmente depois de um certo tempo. Com a notificação entregue formalmente e protocolada pela empresa, os advogados do Sindicato partiram para o Tribunal Regional do Trabalho tentando a marcação de uma audiência de emergência para tratar do conflito. Foram bem-sucedidos. Enquanto isso, espontaneamente, jornalistas do Estadão passavam um texto em solidariedade aos colegas do JT, obtendo 104 assinaturas: “Nós, abaixo-assinados, estamos solidários aos profissionais do Jornal da Tarde, hoje em estado de greve. Como funcionários do Grupo Estado, declaramos apoio à postura de nossos colegas, que sempre fizeram do JT um dos veículos de maior respeito e credibilidade do país. Unidos, também desejamos uma maior transparência neste momento. É difícil e doloroso trabalharmos com normalidade enquanto, do outro lado da redação, nossos colegas do JT estão nesta situação.” Passaram as folhas aos diretores do Sindicato e pediram, de forma decidida, que fossem entregues como um protesto à direção da empresa, num grande momento de toda esta batalha! Assim, tomou forma concreta um dos pilares dessa luta exemplar: a questão dizia respeito a todos os funcionários do Grupo Estado, e não apenas à redação do Jornal da Tarde. Pega de surpresa pelo desenrolar dos acontecimentos, e sob pressão de seu corpo de jornalistas, a direção do Grupo Estado tratou de convocar o Sindicato rapidamente para uma reunião, em 25 de outubro. Desta vez, a equipe da empresa estava reforçada por um advogado de fora, notório especialista em crises trabalhistas. O encontro foi marcado, da parte da empresa, pelo excesso de expressões diplomáticas – “décadas de tratamento respeitoso”, “grande cuidado com os funcionários”, “transparência na gestão” – e pelo vazio de informações concretas. Novamente, o fechamento do JT não foi confirmado. Transferiu-se a continuidade da conversa para a audiência, marcada para a segunda-feira 29 de outubro. Conquista da estabilidade Presidida pela desembargadora Rilma Hemetério, e acompanhada pelos jornalistas do JT, a audiência de conciliação no TRT tornou-se memorável. De início, os representantes da empresa anunciaram pela primeira vez que o JT encerraria sua circulação em 31 de outubro. Em outras palavras, a redação fecharia seus trabalhos no dia seguinte. Dos 41 contratados, 25 seriam demitidos. O Sindicato protestou e defendeu o reaproveitamento integral dos jornalistas pelo grupo. Após uma interpelação da magistrada, os prepostos empresariais propuseram quatro dias de prazo para a negociação. A juíza reagiu: “Absurdo!” Ao final, por proposta da desembargadora, chegou-se ao seguinte acordo: - estabilidade para todos os jornalistas pelo prazo de um mês, período aberto para negociar; - constituição de uma comissão de negociação com três representantes eleitos pela redação e participação do Sindicato dos Jornalistas; - realização de assembleia no final daquela tarde dentro da empresa. O Sindicato levantou ainda a questão dos três PJs, que não estavam integrados pelo acordo, e destacou a importância da mobilização realizada pelos jornalistas do JT, condição essencial para tudo o que se havia conseguido. Sem ela, o Grupo Estado teria realizado as demissões sumariamente. Naquela tarde, a assembleia discutiu a estratégia de negociação e elegeu os três representantes: Alessandro Osmar Gil, Marcelo Moreira e Roberto Fonseca. Nas semanas seguintes, realizaram-se quatro reuniões da Comissão. Na primeira, a empresa se comprometeu a estender aos três PJs as mesmas condições negociadas para os demais jornalistas. Propôs dar ao conjunto dos profissionais licença ou férias no mês de novembro. Os jornalistas, porém, propunham-se a trabalhar no site durante este período. Na semana seguinte, acordou-se que todos continuariam vindo à redação, e que poderiam ser pautados. A empresa anunciou ainda que estaria absorvendo 18 jornalistas imediatamente (dos 47 registrados), deixando a situação dos demais 29 (e três PJs) em discussão. Os três estagiários foram remanejados e mantidos no grupo. Nas negociações, a linha dos jornalistas – Sindicato e representantes – foi a de tentar acertar um vantajoso plano de demissões voluntárias, com 12 salários de gratificação e um ano de plano de saúde, buscando garantir os empregos de todos que desejassem permanecer no grupo. A empresa, por sua vez, quis enveredar pela discussão de “critérios” para demissão, iniciativa rejeitada liminarmente. A distância entre as duas posturas levou as negociações a um impasse, que se estendeu até 4 de dezembro, quando, em nova audiência, a desembargadora enviou a questão para julgamento. Enquanto isso, os jornalistas – agora do ex-JT – mantinham-se agrupados, vindo à empresa diariamente e realizando assembleias periódicas, nas quais se discutiam o andamento das negociações e as medidas a tomar. Mais de um mês após o fechamento do jornal, nenhuma demissão havia ocorrido. Em 7 de dezembro, nova vitória: o relator do processo, desembargador Davi Meirelles garante, por liminar, a estabilidade para os jornalistas do JT até o julgamento da questão. Acordo Para tentar solucionar a questão ainda antes do final do ano, Meirelles acabou convocando uma reunião entre as partes em 19 de dezembro, no TRT. Na audiência, a direção da empresa acabou chegando à seguinte proposta: incorporar mais 12 trabalhadores, demitindo 17 em 21 de dezembro. Estes teriam três salários de indenização e mais seis meses de convênio médico. Assembleia realizada na redação, na mesma tarde, aprovou a proposta. Ao final, dos 44 jornalistas do JT, 24 foram mantidos na empresa. Os demitidos acabaram recebendo quase cinco meses de salários a mais, considerando os três de indenização e os 51 dias obtidos de estabilidade (além dos demais direitos, como 13º, férias e FGTS, associados ao período estável). Os três PJs tiveram as mesmas condições. Na assembleia final, além da óbvia tristeza pela partida de vários colegas, havia um sentimento generalizado de orgulho e de vitória. Afinal, por sua luta coletiva, os jornalistas conseguiram reduzir o número de demissões, forçar a negociação com a empresa, manter-se presente no local de trabalho por semanas e arrancar compensações importantes para os demitidos. Todo o processo mostrou a força de nossa categoria quando consegue agir coletivamente, em conjunto com o Sindicato. E a entidade conseguiu dar respostas adequadas e em tempo de ajudar a mobilização. Como disse Guto Camargo na assembleia final: “Travamos o bom combate. Foi uma conquista histórica, não só para os jornalistas do JT, mas para toda a categoria dos jornalistas de São Paulo”. No atual contexto, em que diversas empresas anunciam demissões, as lições do JT são fundamentais, pois apontam o caminho da resistência. A possibilidade de uma luta vitoriosa depende, sobretudo, da ação unida e organizada dos próprios jornalistas.

domingo, fevereiro 24, 2013

Jornal da Tarde: uma luta histórica

Uma professora e dona de casa nem um pouco sofisticada, e simplória até, que se diz blogueira, conseguiu demolir sem esforço as precárias fundações do "pensamento" de uma parte expressiva e inútil da esquerda nacional. Yoani Sanchez demonstrou a fragilidade intelectual e institucional dessa esquerda: arbitrária, fascista, retrógrada, sem conteúdo e tutelada. O que era para ser uma simples turnê sem glamour e com interesse zero para a maioria das pessoas se tornou em um fenômeno midiático. Essa blogueira não merecia um vigésimo da atenção que teve por aqui. Mesmo em países onde existe uma real admiração, ela nunca passou de uma figura meramente exótica. No entanto, a esquerda brasileira, em sua falta de inteligência crônica desde os anos 90, conseguiu a façanha de transformá-la em uma intelectual respeitável, em uma celebridade política internacional. Nenhuma ação política de desinformação no Brasil foi tão desastrosa quanto essa "campanha" contra a blogueira cubana. Meia dúzia de pessoas sabia quem ela era antes da palhaçada promovida por grupelhos esquerdistas. Três dias depois do desembarque, ela já era uma celebridade internacional, com cobertura diária até do Jornal Nacional, que pretendia ignorá-la por completo. É difícil encontrar tamanha incompetência nos anos recentes da política brasileira. O único mérito que a blogueira tem é a sua origem dissociada da tradicional "dissidência" cubana: não é uma intelectual, não é uma artista, não é professora universitária, não tinha aspirações políticas e não era egressa da nomenklatura cubana, além de ter a intenção de se suicidar por meio de uma greve de fome. Aí reside o fascínio que despertou em certos círculos intelectuais europeus e latino-americanos: é uma pessoa comum que decidiu se manifestar. E é isso o que mais enfureceu a esquerda retrógrada da América Latina: é um a dissidente que não cita pensadores e filósofos, que faz poeminhas libertacionistas. É uma pessoa que tenta trabalhar todo dia e que é perseguida por discordar e pensar. Yoani Sanchez narra em seus textos o seu cotidiano e o de seus vizinhos, e mostra que mais gente do "povo" sabe, quer e consegue pensar, e que quer mudanças. Ainda que suas ideias sejam toscas - e muitas delas são -, primárias (quase todas) e que supostamente esteja tendo as despesas pagas por entidades e organizações não-esquerdistas ou de "direita" (é óbvio que a esquerda babenta de raiva jamais a financiaria), Yoani está longe de representar um perigo para a paranoica ditadura cubana. Gente mais bem preparada e mais representativa não conseguiu essa honra. Não será essa blogueira que conseguirá. Mas ela precisa agradecer até o fim de sua vida o empurrão que recebeu da esquerda brasileira, que a transformou em aquilo que ela nunca foi e que provalmente jamais voltará a ser: uma celebridade política internacional. A esquerda brasileira é muito ingênua e inocente, e parte expressiva de sua composição é completamente burra e ignorante, muito mais do que a direita asquerosa, corrupta e igualmente retrógrada.