 
A caminhada até a praça central da cidade fora torturante. Em um estado de torpor, contemplava os edifícios e as ruas sem nada entender. Ninguém à vista, como se a cidade inteira tivesse sido evacuada. As pessoas sumiram. Não havia barulho. De vez em vez um aleve brisa batia-lhe no rosto, aliviando o calor do sol forte.
Parou na porta da cafeteria onde almoçava todos os dias. Teve medo de entrar. Apenas entreabriu a porta. Estava escuro. Ninguém lá dentro. Era quase meio-dia e a cafeteria estava vazia em uma sexta-feira. Isso é impossível, não existe. Os lugares ali eram disputados a tapa a partir das 11h. Onde estava a garçonete gorda e asquerosa que atendia a todos com um mau-humor terrível? Cadê o segurança mal encarado? Onde estava a balconista que havia sido sua amante por quatro anos?
O estabelecimento vizinho era uma loja de CDs. Espiou pela vitrine o interior e percebeu a luz acesa. Tomou coragem e entrou. Estava vazia. Viu na estante de lançamentos um título lançado no da anterior, com o melhor de um guitarrista de heavy metal. Colocou o CD no aparelho de demonstração e o escutou no último volume, imóvel, por mais de uma hora. Impulsivamente, colocou outro título de um artista barulhento e iniciou uam espécie de coleta nas prateleiras do que o interessava. 
Estaria ele roubando? a cabeça doía novamente. Com quase quarenta CDs em uma sacola, deixou a loja com a música ainda tocando. Parou na esquina. Voltou e colocou a sacola na porta, do lado de dentro. Para que levar os CDs? Se o mundo não existia mais, ele poderia escutar o que quisesse na própria loja quando quisesse. 
Será que ainda existiam alimentos? Checou o supermercado da avenida principal e lá havia comida de sobra. Os freezers e geladeiras funcionavam normalmente, abarrotados de produtos, mas não havia sinal de seres humanos. Enquanto comia algumas frutas, tentava imaginar o que estaria acontecendo. Descartou estar sonhando, pois aquela maçã que mordia era bem real. Evacuação em massa? Por quê? E como não percebeu a evacuação? Guerra química ou bacteriológica? Mas não havia mortos em lugar algum. Bomba de nêutrons, aquela que mata os seres vivos e preserva as edificações? Mas onde estavam os mortos?
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O sonho de consumo estava ali, na próxima esquina, na concessionária mais luxuosa da cidade. Era um Porsche Carrera 909. Ele procurou a chave por mais de meia hora em toda a loja até que achou-a no escritório do gerente. Não havia o menor vestígio de seres humanos por lá. Escolheu entre vários modelos e cores um Porsche preto com frisos dourados. Deu sorte, o tanque estava com meio tanque de combustível. Acelerou alto e devagar saiu da concessionária. 
Passeou por toda a cidade e nada de seres humanos, ou melhor, nada de seres vivos. Ninguém para incomodá-lo. Ninguém para persegui-lo. Poderia passar à vontade pelos semáforos vermelhos e em alta velocidade sem receio de ter más surpresas.
Em vez de estar chocado, atônito com a situação, estava surpreendentemente alheio. Não se incomodava. e daí que o mundo tinha acabado. O problema não era dele. Sobreviver? Mas sobreviver a quê, com quem e para quê?
Passou no outrora movimentado aeroporto da cidade. Nem vestígio de nada. Ninguém. Nenhum barulho. Todos os aviões nos hangares. Todos os guichês vazios e inoperantes. Tentou mexer em um computador mas não acessava coisa alguma, muito menos internet. Conseguiu chegar a muito custo na torre de controle. Estava vazia. Todos os equipamentos estavam ligados, acesos, mas em nenhum deles via-se qualquer informação. No equipamento que deveria acusar tráfego aéreo na região, apenas uma tela vazia. O rádio estava silencioso. Não havia comunições. Não havia aviões nos céus do mundo. Que mundo?  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
