sábado, julho 09, 2011

Rock ruim incentiva crianças a ouvir rock bom?


A sala do conservatório estava cheia. O calor era forte, mesmo para o interior do Estado de São Paulo neste começo de outono. Muita gente boa que fez parte do rock da cidade estava lá para ver a exibição de formatura dos filhos.

Um garoto magro, de cabelos longos presos em um rabo de cavalo, incomodado com o blazer elegante que vestia, nem olhou para a plateia quando subiu ao palco. Com um violão Ovation tinindo de novo e maravilhosamente afinado, executou três peças para demonstrar o que aprendera no violão clássico aos 13 anos de idade.

Não parecia estar nervoso. Quando começou a tocar, ficaram nervosos todos os roqueiros que apreciam boa música. Naquele conservatório de Jundiaí, o menino executou quatro partes de “Concerto Suite for Electric Guitar and Orchestra in Eb menor, Opus 1”, clássico do mago da guitarra sueco Yngwie Malmsteen.

A execução foi perfeita, assim como algumas partes de “Concert for Group and Orchestra”, do Deep Purple, para encerrar com uma peça de Bach. Ao agradecer os efusivos aplausos e sair do palco, o garoto tirou o blazer. Vestia uma camisa preta do Dream Theater. Isso ocorreu em 2008. Hoje o mesmo garoto toca em três bandas de rock pesado e está prestes a se tornar um músico erudito _ e conhece muito de rock.

Ontem, durante uma festa de pré-adolescentes, uma garota de dez anos, bem vestida para festa, me perguntou o que eu achava da banda Paramore. Respondi que não gostava, que era bem fraquinha e que faltava na qualidade nas músicas. Ela ficou me olhando intrigada, e depois me mostrou um CD da boa banda feminina The Runaways.

“Quem lhe deu isso?”, eu perguntei. “Meu pai. Vimos o filme delas em DVD e fiquei emocionada. Mas agora eu não sei mais o que fazer: gosto do Restart e do Paramore, mas agora amo essa banda…”

Com a minha característica falta de sensibilidade de metaleiro radical, nem pensei duas vezes: “Esqueça Paramore e a bandinha colorida. Runaways é a melhor porta de entrada para o rock.” Ela fez cara feia e entrou para o saguão do prédio. Para minha surpresa, ela era a guitarrista da bandinha de rock da escola que tocou três músicas na festa, duas da tal Paramore e uma do Restart.

Para quem teve a paciência de ler as duas historietas, a questão que fica e que dominou a conversa entre os demais pais, roqueiros das antigas e com graus variados de informação sobre o que rola atualmente, foi a seguinte: até que ponto é válido incentivar as crianças a ouvir rock, mesmo que seja porcaria, como forma de iniciação?

Um ex-baterista de pouco talento, mas muita paixão por Neil Peart, do Rush, tentou definir a questão. “Tá, Restart é bem ruinzinho, é o ‘Menudo’ dessa geração, mas pelo menos é rock, não é pagode, axé ou sertanejo. Que meu filho escute CPM 22, Fresno e outras coisas emo, mesmo que sejam ruins. é mais instrutivo do que o resto.”

Os cinco roqueiros se dividiram neste papo de arquibancada, em que nem mesmo quem fala mais alto tem razão e a discussão acaba com pouca ou nenhuma conclusão.

Há cinco anos eu achava que ouvir CPM 22 era melhor do que nada – axé, pagode, sertanejo e MPB cabeçuda são nada. “Pelo menos é rock”, dizia eu, na esperança que o emocore dos garotos servisse ao menos para despertar o interesse das crianças para o que realmente importava no rock.

Mudei de opinião. Na verdade não faz diferença, a julgar pelas conversas que frequentemente tenho com amigos e pelo que leio nos jornais. São poucas as crianças que mantém algum interesse genuíno pela música quando a febre passa. Essas bandas adolescentes somem assim que as crianças e pré-adolescentes de dois anos atrás crescem. Alguém aí sabe por onde anda CPM 22 e NX Zero?

A grande maioria da molecada, pelos relatos de pais, professores e irmãos de crianças e pré-adolescentes, adere a algum ritmo musical por modismo, e geralmente não faz diferença: começa com Restart, depois pula para Paramore e desemboca em Luan Santana. A relação com a música fica superficial.

Isso explica, em parte, porque os roqueiros são mais fanáticos e interessados em música, na média, do que os apreciadores de outros gêneros. Talvez explique porque a maioria de nossos amigos é tolerante com a música, sendo capazes de se divertir, à maneira deles, no show do Iron Maiden e do sertanejo Leonardo, por exemplo.

Descontando o saudosismo, e sem o menor rigor científico de amostragem, percebo – e não apenas eu – que mudou bastante a relação dos jovens com a música.

Os roqueiros sempre foram minoria nas escolas e nos grupos de jovens em geral, mas a impressão que tenho é que o número de garotos roqueiros que têm grande interesse pela música – que vão atrás de CDs, MP3 e qualquer tipo de informação – diminuiu em relação aos anos 80.

Por todos os ambientes em que circulo, seja em São Paulo ou em outras cidades de São Paulo e outras capitais, a intensidade da relação da maioria da juventude hoje não é mais a mesma – ou está bastante diferente.

É muito legal ver garotos e garotas acompanhados dos pais ou de responsáveis curtindo adoidado o show do AC/DC ou do Iron Maiden. Como será que esses meninos e meninas foram introduzidos no rock e no rock pesado?

Hoje tenho certeza de que não foi por meio das bandas adolescentes carentes de talento e credibilidade que infestam o mercado atualmente, lamentavelmente – gostaria que fosse, pelo menos esses artistas teriam servido ao menos para alguma coisa.

E cada vez mais circunstâncias como essas reforçam o estereótipo do pai que luta para que os filhos torçam para o mesmo time que o dele: é necessária uma marcação cada vez mais cerrada dos responsáveis para que as crianças e pré-adolescentes sejam cada vez menos suscetíveis à música ruim, já que é impossível ao menos amenizar a exposição ao lixo sonoro.

Informação é tudo em qualquer área de atuação, mas é muito mais fundamental da formação musical de um ser humano. Expor crianças ao pagode, ao axé, ao sertanejo e às MPB da pior qualidade deveria ser crime hediondo, inafiançável e passível da perda da guarda dos filhos.

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