quinta-feira, agosto 14, 2008

O repórter que morou nas ruas de São Paulo conta o que viu e o que viveu - parte 8 - continuação da saga de Rubens Marujo

Eduardo Ribeiro(*)
da coluna Jornalistas e Cia, do site Comunique-se



Bocas de Rango

Ao contrário das pessoas que trabalham normalmente, quem mora em albergue ou na rua detesta os fins de semana, principalmente domingos e feriados. Além de ter menos gente nas ruas, a tristeza bate forte e nos obriga a refletir mais.

Isso acontecia freqüentemente comigo. Outro grande problema é que boa parte das bocas de rango existentes pela cidade fecham. Bocas de rango são lugares que oferecem refeições gratuitas para os pobres. E é bom lembrar que, na Capital, existem dezenas delas.

Só no Centro deve haver, aproximadamente, umas vinte. Isso incluindo pessoas que, generosamente, se dedicam à causa social, no anonimato, sem fazer alarde. Assim é, por exemplo, com a senhora japonesa que distribui café da manhã com pão e manteiga na praça da Sé, aos domingos de manhã; outro grupo de senhoras japonesas que distribui lanches no Anhangabaú; e os espíritas, que levam sopa a quem vive sob o Minhocão, além de albergues e outras casas. As que funcionam, naturalmente, são mais disputadas.

Formam-se filas enormes. Isso acontece porque o número de moradores de rua cresce sem parar. Pouca gente sabe disso, mas da mesma forma que a polícia prende dezenas de pessoas por dia, outras saem livres. E saem em condições deploráveis.

Jovens que cometeram pequenos delitos, mas ficaram com a ficha suja, não arrumam emprego devido aos antecedentes criminais e só lhes resta a rua para sobreviver. Vergonha – As ruas de São Paulo estão ficando cada vez mais povoadas por eles. Conheci vários e deu para perceber que, muitos, possuem boa índole.

Trajando apenas uma bermuda e uma camiseta, exibem os pés rachados, sangrando de tanto andar à procura do que comer, do que vestir. E acabam descobrindo as bocas de rango.

Mas há ainda famílias inteiras que são despejadas, casais com filho recém-nascido, enfim todo tipo de gente que da vida só conhece vicissitude e amargura. Confesso que muitas vezes sentia vergonha ao conversar com eles.
Nasci em berço de ouro, tive instrução, boa educação e, acima de tudo, uma profissão. Mas estava ali disputando um lugar na fila com aquelas pessoas humildes, com pouca ou sem nenhuma instrução. Meu astral piorava diante da resignação e a força que aquelas pessoas demonstravam. Sentia-me humilhado.

Minha mente parecia girar como um carrossel, com os seguintes dizeres: fracassado, inútil, não serve para nada. Sentia vergonha até de manchar o nome da profissão que sempre exerci. - O sr. mora em albergue? - Sim, estou morando, por quê? - Mas o sr. não tem cara de quem bebe. Por acaso o sr. é drogado? - Também não, respondia eu, sem graça. -Então o que o sr. está fazendo aqui? O sr. tem cara de doutor, fala muito bem, aqui não é lugar para o sr. - Paciência, coisas da vida. - Mas o que o sr. faz? O que aconteceu? - Sou jornalista, fui imprevidente, não fiz a lição de casa e estou aqui.

Eu ia chorar – Esses diálogos se repetiram várias vezes nas filas das bocas de rango. Às vezes eu ia chorar. Escolhia a praça Pérola Byington, ali na avenida Brigadeiro Luís Antônio, onde fica o teatro Imprensa e o Hospital da Mulher. Sentava num banco, abaixava a cabeça e chorava arrependido. - Agora, não adianta chorar, dizia para mim mesmo. Busque força para descascar o abacaxi que você mesmo plantou, falava comigo

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