sábado, abril 30, 2022

A política e a história do Brasil se impõem em importantes obras roqueiras

 O formidável disco "Inter Mundos", da banda brasileira Caravellus, reacendeu o interesse pelos temas históricos do Brasil e o mergulho nas raízes culturais nordestinas, seja no contexto da história, seja no uso sem moderação de instrumentos musicais mais ligados aos ritmos nacionais.

É uma tendência bacana resgatada no ano passado, com o excelente "Vera Cruz", do cantor Edu Falaschi (ex-Angra e Almah), que contou com uma superprodução e convidados muito especiais.

Neste texto reunimos alguns dos álbuns do rock e heavy metal brasileiros que mergulharam na história do Brasil em álbuns conceituais que estão entre as melhores coisas já gravadas por aqui:

- Caravellus - "Inter Mundos" - A brasilidade aqui não é o tema principal, mas ser de base para uma história interessante movida a guitarras pesadas, arranjos orquestrais excepcionais e um vocal que é dos melhores dos últimos anos, gravado pelo incansável Leandro Caçoilo, que canta também no Viper e no Hardshine. É um trabalho que será lançado em 17 de junho, mas que tem fôlego, em que houve um aprofundamento das raízes brasileiras da banda (maracatu, ciranda, frevo, caboclinho, coco de roda) combinadas com heavy metal, rock progressivo e jazz). O Brasil e o Nordeste são os panos de fundo de uma história alegórica sobre a vida e a morte, com amplo sentido filosófico.

- Angra - "Holy Land" - clássico do metal nacional, este disco de 1996 mergulha fundo na história brasileira e traz arranjos surpreendentes e uma interpretação extraordinária de todos os integrantes à época naquele que é considerado o melhor disco do grupo e que o catapultou ao sucesso internacional. Embora não seja conceitual no sentido de contar uma história, suas canções passeiam por áreas como o descobrimento do Brasil e passagens do Brasil Colônia, em um trabalho admirável de construção de letras e recriação de "paisagens sonoras".

- Edu Falaschi - "Vera Cruz" - Com o DNA de um ex-Angra, o épico lançado em 2021 se tornou rapidamente um clássico do metal nacional por conta de seu capricho e pela qualidade alta das canções, além de ter sido meticulosamente projetado e elaborado. A história narra a trajetória de personagens que tiveram participação no descobrimento do Brasil e na maravilhosa saga portuguesa de desbravamento dos mares e continentes. A pesquisa histórica e a elaboração do argumento e roteiro tiveram a participação Falaschi e do cantor e pianista Fábio Caldeira, da banda Maestrick, de São José do Rio Preto (SP).

- Dorsal Atlântica - "Canudos" - Outro clássico instantâneo que sedimentou a volta da banda carioca ao mercado depois de alguns hiatos. É uma obra conceitual por se basear nos eventos históricos da chamada Revolta de Canudos, ocorrida entre 1896 e 1897 no interior da Bahia e em arredores do que hoje são os Estados de Alagoas e Sergipe. O cantor e guitarrista Carlos Lopes foi bastante habilidoso ao construir climas e um roteiro que permitem explicitamente fazer analogias com a atualidade, especialmente com livres associações com os tempos tenebrosos em que vivemos política e socialmente no Brasil. O disco foi lançado em 2017.

- Voodoopriest - "Mandu" - Álbum poderoso de metal extremo que narra, em inglês, as agruras dos povos indígenas nos 500 anos de dominação branca-europeia n Brasil. Embora não seja conceitual no sentido estrito do termo, tem como base a trajetória do líder indígena Mandu, que liderou rebeliões no interior do Piauí e do Maranhão no século XIX. Cru e pesadíssimo, oscila entre o thrash e death metal e faz jus aos elogios fartos que recebeu quando de seu lançamento, em 2014, com o ótimo vocalista Vitor Rodrigues (ex-Torture Squad e atual Tribal Scream).

- Torture Squad - "Esquadrão de Tortura" - Obra corajosa do então trio paulistano lançada em 2013. Apesar do título em português, as canções são em inglês e abordam o período da ditadura militar brasileira, que vigorou de 1964 a 1985. Fruto de muita pesquisa e entrevistas com jornalistas, historiadores e sobreviventes das torturas, se tornou um libelo pela liberdade e democracia, realçando o caráter obviamente criminoso das condutas dos militares na "guerra" contra oposicionistas e "comunistas", um balaio em que eram jogados todos os desafetos do regime militar, incluindo anticomunistas que caíam em desgraça. Em entrevista ao programa de web rádio Combate Rock à épóca, o baterista Amílcar Christófaro disse que o objetivo não era "denunciar a ditadura, mas entender o que tinha acontecido e os porquês de tudo, tentando evitar tomar partido". O resultado, como não poderia ser outro, foi a confirmação de que a ditadura foi um período de trevas para a vida brasileira, muito violento e sob o signo do terrorismo de Estado.

Plebe Rude - "Evolução" - Trabalho de estofo da banda brasiliense que procura desvendar o caráter brasileiro por meio de um passeio por alguns dos principais fatos históricos dos 522 anos de existência política de nosso país. Dividido em duas partes, sendo que a primeira foi lançada em 2019, evidencia a habilidade de Philippe Seabra, o guitarrista e vocalista principal, como letrista e roteirista sonoro, digamos assim. O viés crítico está mais forte do que nunca, com fina ironia e sarcasmo quando da conexão com os tempos atuais.

Dr. Sin grvará DVD acústico ao vivo em São Paulo


Nelson Souza Lima - especial para o Combate Rock




Considerado um dos maiores representantes do metal brasileiro, o Dr. Sin sobe ao palco do Teatro J. Safra para gravar seus grandes clássicos em formato acústico. O registro renderá um DVD ainda sem data de lançamento, mas que será aguardado ansiosamente pelos fãs. 

Com 30 anos de trajetória a banda paulistana traz na atual formação os irmãos Andria (vocal/baixo) e Ivan Busic (bateria/vocal), além do guitarrista Thiago Melo.

Ao longo das três últimas décadas o Dr. Sin cravou o nome entre os grandes do metal nacional com músicas extremamente bem trabalhadas em arranjos grandiosos e letras elaboradas.

 A partir de "Emotional Catastrophe", muito veiculada na MTV o trio paulistano arregimentou fãs e se apresentou nos maiores festivais do mundo. Como não mencionar os shows no Rock In Rio, Monsters of Rock, Live N Louder e M2000.

Conferi os caras ao vivo algumas vezes no Centro Cultural São Paulo e garanto que é show de prima. O grupo é norteado pelo profissionalismo.

Para ter uma ideia do peso (sem trocadilhos) e importância dos caras basta ver a lista de lendas do rock com quem já dividiram o palco: AC/DC, Bon Jovi, Kiss, Black Sabbath, Dio, Scorpions, Pantera, Ian Gillan e Glenn Hughes. Ou seja, não estão pra brincadeira.

Os shows acontecem na sexta-feira (6 de maio) e no sábado (7) no simpático palco do Safra que é perfeito para receber shows acústicos.
Claro que num momento tão emblemático não poderiam faltar amigos e convidados especiais. Rafael Bittencourt (Angra), Edu Ardanuy (guitarrista fundador do Dr.Sin) e a cantora Juliana D'Agostini prometem tornar a gravação do DVD ainda mais empolgante.

Os shows devem levar o público às lágrimas, pois o trio já está emocionado desde agora. "Já nos ensaios e pré-produção nos tem arrancado arrepios e lágrimas", diz o batera Ivan Busic.

Emoção não faltará, pois estamos diante de um dos maiores patrimônios do metal brasuca. Imperdível.

SERVIÇO

DR. SIN

Gravação do DVD acústico
Quando: Dia 6 de maio - Sexta-feira - 21h30 
Dia 7 de maio - sábado -21h
Onde: Teatro J. Safra
Rua Josef Kryss, 318 - Barra Funda - São Paulo
Ingressos a partir de R$ 80,00
Inf: (11) 3611-3042

terça-feira, abril 26, 2022

As joias adolescentes que prometem 'salvar' o rock nacional

A salvação do rock e do pop rock passa bem longe dos reality shows que tentam transformar música em competição. Os verdadeiros talentos não estão confinados em estúdio e em versões de um minuto de clássicos. 

A busca por talentos infantis e adolescentes pode estar na festa junina da paróquia, do colégio do bairro de periferia, na Igreja Batista ou mesmo em uma escolinha de música perdida nas bordas das maiores cidades.

Aos 15 anos, duas garotas mostram que há bom futuro na música brasileira, com talentos que brotam fora dos holofotes e enfrentando a oposição de um governo nefasto que odeia a arte e o conhecimento e driblando condições inóspitas e dinheiro de menos.

Ciça Moreira se sente à vontade no rock desde garotinha. Tem uma voz forte e um estilo bem definido para o segundo álbum da carreira - sim, já está no segundo disco. 

Em rápida entrevista que deu ao site Wikimetal, diz ue suas inspirações passam por Evanescence, Korn e Bring Me The Horizon, embora esse peso todo de um rock mais moderno não se materialize totalmente nas suas canções de acento mais pop.

Apaixonada por música desde os seis anos, quando começou a tocar violão, subiu pela primeira vez no palco como vocalista de uma banda de rock aos 12 anos, em uma precocidade que surpreendeu os pais e colegas da mesma idade.

Seduzidas por algumas possibilidades oferecidas pelos famigerados reality shows, Ciça Moreira foi aprovada no programa de talentos "Canta Comigo Teen", da TV Record, em 2020. 

Já que encarou a possibilidade de cantar na TV tão cedo, mostrou personalidade ao dizer a motivação que a fez enfrentar as câmeras e os jurados. "Quero mostrar aos jurados que o rock não morreu e que vai voltar com a força que tinha antigamente", disse em rede nacional antes de apresentar uma versão pesada de "Bad Romance", da Lady Gaga. 

Antes que a escolhamos como a salvação do rock, precisamos ter cuidado com a mocinha, como em relação a qualquer jovem que desponte nos esportes. Ciça tem todas as credenciais e está sendo bem gerenciada, mas o rock é apenas uma das possibilidades que está explorando.

Transitando entre o pop e o rock, em um clima de "Malhação", as canções do primeiro disco, "No Meio do Caos", ainda refletem a fase em que está inserida. As músicas são adequadas para a faixa de idade dela e não são pesadas, apesar de coisas diferentes terem sido gravadas, como a interessante "Não Vou Voltar" e dramática "Me Diga".

O segundo disco, em gravação, terá participações especiais de gente boa, como Bruno Sutter (Massacration e carreira solo), Ivan Sader (da banda Tren) e os integrantes da banda Leela.

"Conflitos" pretende seguir o direcionamento do primeiro disco, flertando ora com o pop, ora com um som mais pesado, como em "Fobia", com seu tema denso e mais soturno. Outro single já divulgado é a animadinha "Aluga-se", mais acessível. O álbum ainda não tem data para ser lançado.

Da Bahia apareceu Cacá Magalhães, uma sensação descoberta via YouTube. Seus vídeos cantando em festivais de música a céu aberto pelo interior do Estado chamaram a atenção porque ela arrasou em uma interpretação emocionante de uma canção de Nina Simone, a diva negra do jazz e do blues.

Foram interpretações de peças de blues e rhythm and blues que proporcionaram uma experiência inusitada - a participação em um programa de TV americano, o "Little Big Shots", da NBC TV. Muita gene descobriu ali sua paixão por Nina, Aretha Franklin, B.B. King, Amy Winehouse, Janis Joplin....

"Poeira de Estrelas", seu primeiro single, de 2020, tem pitadas de muitas dessas influências, absorvidas diretamente do avô apaixonado por blues e jazz. 

Encantada com esse mundo, teve as maiores facilidades proporcionadas pelos pais, uma advogada e um administrador de empresas, que perceberam logo  talento vocal da garota. Por mais que os pais pregasse calma e paciência, ficou difícil segurar a menina, que cantou por um tempo com a banda Terráquea, formada por adultos.

"Poeira de Estrelas" é uma canção bem diferente de seu mundo, mas revela algo que ela mesma escancara: o gosto pelo rock nacional e pelo trabalho de Cássia Eller, morta em 2001. 

"Eu gosto de cantar algo que toca, que inspira", diz Cacá em entrevista ao jornal A Gazeta, de Vitória (ES). "Seja algo triste, sobe amor, quero se seja sempre uma coisa forte."

O primeiro single tem letra escrita pela melhor amiga, a irmã Maria Julia, colaboradora para todas as horas. Em algumas horas, numa madrugada, fiz alguns acordes no violão e ela imediatamente fez a letra. Assim nasceu  'Poeira de Estrelas'", disse a menina na entrevista.

Ela está pisando com menos força no acelerador do que a paulista Ciça Moreira. Saboreia a fama precoce mas evita o tumulto da vida artística. A pandemia de covid-19 parou tudo, o que a obrigou a repensar a carreira, por mais que sinta saudade dos palcos. Já está preparando novas canções, que devem estar em um álbum ainda sem datada para ser gravado.

Kiss fez o rock ser mais divertido - e ajudou a torná-lo mais importante

 Era motivo de chacota. Enquanto o primeiro filme da série "Superman" versão moderna estourava as bilheterias dos cinemas e as revistas em quadrinhos do "Batman" eram sucesso absoluto nas bancas. 

Mas parcela significativa da molecada naqueles anos de 1977 e 1978 só queria saber de outros heróis mascarados, que gritavam, muito, ensurdeciam os "caretas" com suas guitarras e, às vezes, até voavam nos shows. Só queriam saber de rock todas as noites e festas em todos dias na sua venerada "Detroit cidade do rock" - embora fossem de Nova York.

Eram os heróis improváveis, mas que faziam muito mais sentido do que aqueles da Marvel, DC Comics e outros estúdios e conglomerados. Desdenhavam dos "inimigos" e cantavam o amor e a felicidade. E assim o Kiss foi a porta de entrada para toda a uma geração de amantes do rock.

Para muitos de nós, foram tão importantes ou ainda mais do que os Beatles, idolatrados pelo quarteto mascarado. Celebravam a vida, a diversão e estimulavam uma certa rebeldia contra um mundo feio e cinzento que seria chacoalhado pelo punk rock na época - mas não a ponto de afetar o sucesso do Kiss.

Diversão e negócios sempre andaram juntos na carreira do Kiss, a ponto de haver quase tudo no mundo com estampas do Kiss - de lancheiras a cadernos, de tacos de beisebol, de sacos plásticos de supermercados a bonecos dos próprios músicos. Quinquilharias de todo o tipo ajudaram a colocá-los no topo do mundo.

O Kiss e seus integrantes mascarados foram os nossos Beatles, com músicas de apelo fácil e rocks energéticos, falando uma linguagem que Led Zeppelin, The Who, Rolling Stones, Queen e Yes, entre outros "dinossauros",  tinham perdido - pudera, já tinham 10 ou 15 anos de estrada e envelheceram junto ao seu público...

Os mascarados falavam às meninas mais bonitas, mas exaltavam o empoderamento da galera que não tinha dinheiro, que era desprezada pelos ricos e valentões da escola - exatamente como tinha ocorrido nas infâncias de Gene Klein (Gene Simmons), Stanley Eisen (Paul Stanley), George Peter John Criscuola (Peter Criss) e Paul Daniel Frehley (Ace Frehley). Eram feiosos, pobres, mas durões o bastante para se virar em um ambiente inóspito, violento e perigoso nos arredores de Nova York entre 1963 e 1973.

E aí aparece a grande diferença em relação aos Beatles da fase 1962-1965: o Kiss não fazia questão de ser certinho. Se os ingleses queriam pegar na mão da garota (do hit açucarado "I Want to Hold Your Hand"), os mascarados de Nova York faziam questão das garotas que os deixavam loucos ("she drives me crazy", verso da música "Rock and Roll All Night", talvez o maior hit da banda).

Tudo bem que tudo estava a anos-luz da rebeldia e da contestação politizada dos punks ingleses, dos metaleiros da nova onda do metal britânico e dos thrashers californianos, que soterrariam tudo nos anos seguinte. Sendo assim, era o que tínhamos, e o Kiss era o suficiente para irritar pais, professores e toda a sorte de conservadores castradores que viam o rock, em plenos anos 70, como perigoso, alienante e repugnante.

O Kiss é uma banda carregada de história dentro e fora dos palcos e discos. São 50 anos desde os primórdios do Wicked Lester, a origem do Kiss. Sua importância, em todos os sentidos, é imensa, dando um sentido completamente novo para o rock enquanto entretenimento e visão de negócio.

Com uma produção irrisória em termos de novas músicas - somente três álbuns de inéditas nos últimos 25 anos -, faz algum sentido questionar a relevância artística do Kiss de hoje, por mais continue lotado as arenas e mostrando um show que é muito difícil de igualar. 

São 50 anos nas constas e tentando sobreviver a um mundo que pulverizou a indústria dos discos, dizimou o mercado mas não conseguiu derrubar os custos de produção. Por mais que tentemos, o Kiss não mobiliza mais a juventude do século XXI - contam-se nos dedos as atrações roqueiras que o fazem hoje em dia.

O clichê está sendo largamente usado e sem parcimônias, mas traduz bem o sentimento: o Kiss é o retrato do rock nesta terceira década do século XXI: ainda tem capacidade de mobilização, rende alguma manchete, oferece uma tonelada de hits, mas não consegue espantar a aura de objeto do passado. Neste ponto, a correlação com os Rolling Stones e The Who, ainda na estrada com 60 anos de carreira, é direta.

The Who, aliás, tocou em São Paulo e no Rock in Rio em 2017. Foram grandes espetáculos que mobilizaram mais de 50 mil pessoas. Havia muitos jovens, movidos por uma curiosidade legítima, mas, às vezes, mórbida, de tentar presenciar um passado fossilizado. 

Já tinha sido assim com o próprio Kiss anos antes, com o Iron Maiden em várias vezes, com os Stones em São Paulo pela última vez, e até mesmo com o Rush, em 2011. Para os habituais frequentadores de grandes shows, essa tendência ficará mais escancarada no Allianz Parque com o Kiss. 

Se o público do Coldplay e do Radiohead, as últimas grandes bandas ao lado Muse, envelheceu, imagine então o do Kiss e de todo o classic rock que ainda insiste em assombrar plateias mundo fora?

Estabelecidas todas essas condições, o clichê é apropriado: o Kiss vai fazer falta. Ao tudo indica, é a última turnê do quarteto. 

Ignoremos a ideia meio estapafúrdia de Gene Simmons de colocar substitutos para tocar mundo afora quando ele e os companheiros se aposentarem: o Kiss é aquele que conhecemos e que nos introduziu ao rock e ao mundo da música pesada. Jamais deixará de ser o maior espetáculo da Terra. Afrontoso, perigoso e emocionante. Insuperável.

Ouvir o famoso "You Want the Best, You Got the Best..." ("Vocês querem o melhor, vocês terão o melhor") sabendo que será provavelmente a última vez por aqui não será agradável. Sentiremos falta da festa todos os dias e do rock toda noite, nada superará a gratidão por terem se tornado nossos heróis lá nos longínquos anos 70. quando o rock incomodava e era perigoso.

Após ingressos esgotados para apresentação extra, Coldplay confirma 4º show para SP

Do site Roque Reverso

Em cenário pouco visto em shows de rock na história recente no Brasil, o Coldplay confirmou nesta segunda-feira, 25 de abril, uma quarta apresentação para a cidade de São Paulo para o mês de outubro, desta vez para o dia 19, uma quarta-feira. A confirmação veio logo depois de os ingressos para o show extra anunciado para o Allianz Parque também se esgotarem, como já havia acontecido com as duas primeiras datas da Music Of The Spheres World Tour na capital paulista.

Além deste quarto show confirmado para a Arena do Palmeiras, a banda já iria tocar nos dias 15, 16 e 18 de outubro no mesmo local. A abertura das 4 apresentações ficará com a elogiada e talentosa cantora H.E.R.

Com este feito, a cidade de São Paulo fica perto de igualar o feito da argentina Buenos Aires, que já esgotou as entradas para os dias 25, 26, 28 e 29 de outubro, logo após a passagem do grupo pelo Brasil.



Além de São Paulo, o Rio de Janeiro terá dois shows da Music Of The Spheres World Tour. O primeiro, já com ingressos esgotados, no dia 11 de outubro. O show extra, anunciado recentemente, será no dia 12 do mesmo mês.

Vale lembrar que o Coldplay tocará praticamente um mês antes, no dia 10 de setembro, como headliner no Palco Mundo do Rock in Rio, também com entradas esgotadas.

Para o quarto show na capital paulista, a venda geral de ingressos começa na sexta-feira, dia 29 de abril, a partir das 10 horas no site da Eventim e às 11 horas nas bilheterias físicas.

Uma pré-venda exclusiva para clientes Cartão Elo será realizada na quinta-feira, dia 28 de abril, nos mesmos horários citados.

A bilheteria física oficial em São Paulo é o Estádio do Morumbi, no Portão 5.

Os valores inteiros por setor para as entradas são os seguintes: Pista (R$ 590,00), Pista Premium (R$ 980,00), Cadeira Superior (R$ 490,00) e Cadeira Inferior (R$ 750,00).

segunda-feira, abril 25, 2022

Classic rock volta a predominar e ajuda a frear a retomada do trabalho autoral

A retomada do mundo artístico está sendo celebrada com muito entusiasmo, como era de se esperar. Shows de rock, pequenos ainda, espocam aqui e ali nas capitais brasileiras e cidades de porte médio e os recentes desfiles de carnaval em São Paulo e Rio de Janeiro ajudaram a dar uma sensação de retorno à normalidade, ainda que não muito convincente. 

No bem-vindo retorno às atividades, como também era esperado, foi necessário começar do zero em quase todas as áreas ligadas à cultura e entretenimento. Muitos empreendimentos quebraram e o dinheiro disponível para investir - e gastar - ainda é bastante escasso. 

Claro que a competição pelos nacos não poderia ser nada menos do que encarniçada. As filas de projetos abarrotam os Sescs da vida, oásis de investimento ainda em tempo de pandemia. 

Nas brechas que surgem para que o trabalho autoral e inovador, o mundo continua dividido entre a preguiça e o comodismo. E dá-lhe predomínio do chamado "classic rock", no caso da música, especificamente.

O Lollapalooza e o Rock in Rio continuam exceções ao oferecerem oportunidades a artistas menos aclamados, mas os principais continuam sempre os mesmos. E dá-lhe classic rock e Iron Maiden e Guns N' Roses... e Sepultura...

E então eis que mesmo os eventos menores ainda apostam nos "covers" como tábua de salvação para um público cada vez menos interessado em conhecer música diferente e artistas instigantes. Louvemos a existência dos festivais underground de metal em São Paulo e no Sul do país, mas estes continuam como sempre foram, e cada vez mais underground.

Na Grande São Paulo e região de Campinas, volta com força os chamados eventos gourmet de gastronomia, especialmente aqueles ligados a reuniões de cervejarias artesanais, um mercado em alta antes da pandemia. 

Quase a totalidade deles é ligada ao rock e atendem a um público específico, mas que cresce a cada edição. Terreno fértil para o rock florescer e apresentar novidades, certo?

Claro que não. O predomínio de bandas "covers", com versões múltiplas de clássicos do rock, é total, a ponto de um desses eventos de cerveja, em São Bernardo do Campo, escalar dois cantores importantes do cenário pesado para tocar e cantar... músicas do Queen.

Foi o que fizeram Jeff Scott Soto (ex-Journey, Talisman, Yngwie Malmsteen e atual Sons of Apollo) e Eric Martin (Mr. Big). Com carreiras longevas e com enorme conteúdo, se limitaram a fazer um "tributo" ao Queen amparados pelos músicos da banda brasileira Spektra. Martin até cantou dois hits do Mr. Big dos anos 90, e só.

Pode ser só uma impressão, mas o classic rock está voltando com tudo, ao menos em São Paulo, em uma proporção que coloca as bandas autorais na defensiva. 

Em uma rápida olhada na programação de seis bares novos de São Bernardo, Santo André e São Caetano, que abriram no período em que a pandemia começou a arrefecer, a proporção de bandas contratadas na semana para shows era de quatro covers para uma autoral. Parece uma coisa insolúvel e que se espalha com rapidez no Brasil.

A questão nunca foi de estimular uma contraposição covers x autorais, mas de entender a lógica do mercado e clamar por uma situação mais equilibrada. 

Para a maioria das banda de rock do Brasil, a chance de mostrar material próprio quase que se restringe a festivais de todos os portes ao longo do país. E não há festival para todo mundo.

O predomínio das bandas covers na atualidade é bem perceptível, e o argumento de que o classic rock é que atrai público para bares, restaurantes, eventos gastronômicos e microfestivais diversos domina cada vez mas as conversas e os argumentos. Como combatê-los?

'O classic rock vai matar o rock'

A cena surpreendeu quem estava no estúdio e os ouvintes de uma das mais populares emissoras de rádio da África do Sul. 

O Deep Purple estava inteiro nos estúdios amplos na Cidade do Cabo, onde deveria se apresentar naquela noite, no segundo semestre de 2005, na turnê do razoável álbum "Rapture of the Deep".

Entrevista morna, apresentador e jornalistas pouco informados e pouco estimulados, e eis que uma pergunta sobre o posicionamento da banda no mercado desperta a fúria de Ian Gillan, o vocalista.

Sem se dirigir especificamente a alguém, disparou sem ser interrompido: "Depois que inventaram essa história de classic rock, fomos exilados a um nicho de mercado que nos condena a tocar as mesmas músicas para as mesmas pessoas de sempre. O classic rock nos limita a uma faixa de mercado que impede que consigamos divulgar nossa música em toda a sua plenitude."

O cantor continuou dsisparando: "É maravilhoso que sejamos reconhecidos pelo que criamos em 'Smoke on the Water' ou 'Highway Star', mas, caso alguém se importe em saber, fizemos muito mais coisas depois disso, boas ou ruins, mas fizemos. Agora mesmo estamos divulgando novo álbum, mas as pessoas só querem saber do que gravamos 35 anos atrás, das histórias que gravamos 35 anos atrás, das histórias que vivemos na Suíça em 1971 ou no Japão em 1972, ou até mesmo por que Ritchie (Blackmore) não está mais na banda. Santo deus, isso ocorreu há 12 anos [em relação á época] e ainda nos perguntam isso, como agora nesta entrevista."

Sem titubear, encerrou o tópico. "O rótulo classic rock é pernicioso e pode no futuro prejudicar o próprio gênero musical, amarrar o rock em uma camisa de força em que o novo será diluído de tal forma que sucumbirá às músicas de sempre, que por sua vez se consumirão de tal forma de que nada restará."

As proféticas palavras de Gillan se materializaram nove anos depois, em uma realidade de mercado que está privilegiando o certo em relação ao duvidoso, onde o risco foi escanteado e as novidades ficam cada vez mais relegadas a espaços alternativos. P

Para músicos e profissionais envolvidos com música, especialmente no Brasil, o predomínio ilusório dentro do rock do rótulo "classic" e consequência direta do novo modo de se relacionar com a música – e que necessariamente não é uma coisa boa infelizmente.

Essa situação perdurou em muitos lugares do mundo a partir daquela entrevista sincera e forte de Ian Gillan e se agravou no Brasil ao longo dos anos, como este Combate Rock relatou há alguns anos e vem observando desde então.

O mercado musical como um todo, em todo o mundo, está menor (pelo menos essa é a sesação que temos) e mais pulverizado. Ao mesmo tempo, a música perdeu um pouco de sua importância na vida das pessoas. 

Hoje percebemos que há menos disposição das pessoas em procurar pelo novo, em curtir e saborear a produção, seja de um grande artista ou de um iniciante. 

O avanço da tecnologia, tão esperado e ansiado por todos, tem o seu lado ruim: diluiu a música e arte em geral, tornando-as supérfluas. Por conta disso, o ouvinte/fã de música atual se contenta com pouco e não valoriza mais o que ouve e quem toca. 

E, curiosamente, no Brasil esse fenômeno atingiu em cheio o rock. Tente lembrar qual foi o último grande hit do rock nacional.

Quem vai a um show do U2, dos Rolling Stones ou do Black Sabbath (quando ainda existia) não tem o menor interesse em ouvir as músicas novas do último álbum. Ouvintes preguiçosos e acomodados só querem ouvir "Sunday Bloody Sunday", "Satisfaction" e "War Pigs". 

A coisa piora quando observamos o que ocorre nos palcos dos botecos europeus, brasileiros e norte-americanos: só músicos tocando covers, de preferência versões de sucessos antigos, gravados no mínimo há mais de 20 anos. Hits mais recentes? No máximo alguma coisa de Coldplay e Radiohead, e dos primeiros álbuns.

Pouca oferta de coisa nova

O desespero é geral nas grandes cidades brasileiras. Nos poucos locais onde ainda se pode ouvir rock, quase não se via trabalho autoral antes da pandemia e o panorama não mudou muito na atualidade.

Cinco dias por semana são dedicados aos "clássicos" do rock e do pop rock nos bares que ainda apostam no rock, geralmente executados por instrumentistas desmotivados para um público que normalmente os ignora, exceto quando algum megahit do passado é executado. 

Há alguns casos raros de bandas dedicadas a somente um artista e que tem um público cativo que costuma seguir a todos os bares de uma região a cada final de semana, mas não são muitas as bandas com tamanho de seguidores suficientes para garantir o que quer que seja.

Os festivais de rock ainda resistem em algumas cidades, mas com um público bastante específico, em geral na área do heavy metal. 

Os grandes eventos, do porte de um Planeta Rock ou Abril Pro Rock, ainda dependem de um "nomão" das antigas" parta garantir público – ou, ao menos, algum público.

É mais do que óbvio que o classic rock precisa ter o seu espaço, só que, quando ele predomina, e de forma ostensiva, como no Brasil atualmente, todos perdem, justamente em um momento em que o rock, como um todo, é atropelado pelo funk de inspiração carioca e para gêneros de qualidade no mínimo questionável, como o pagode e o sertanejo. 

Toninho Pires é fotógrafo publicitário. Costuma dizer que sua profissão é a música, ainda que seus palcos sejam bares e restaurantes pouco glamurosos da Grande São Paulo. 

Em dupla com parceiro Ricardinho (teclados, percussão e voz), o violonista e guitarrista ensaia uma tímida carreira autoral, apostando em um pop rock simples com viés de MPB. Vende um CD demo nas apresentações por R$ 5, gravado de forma apressada e sem requintes de produção. O problema é na hora de exibir as canções próprias.

"Não me lembro da última vez em que toquei uma música minha. Tenho de respirar muito fundo para suportar tocar as mesmas músicas de sempre da Legião Urbana, do Paralamas do Sucesso, do Ultraje a Rigor, Raul Seixas… Nada contra esses artistas, o problema é que só isso. Público e proprietários só querem isso. Já teve bar que me proibiu de tocar músicas próprias.Em outro, tive que mostrar com antecedência as músicas, e não acreditei que algumas foram vetadas pelo dono do local porque ele achava que não eram conhecidas", diz Pires resignado.

O classic está matando o rock? Quem diria que um dia estaríamos discutindo tamanha heresia. Se não não está matando, certamente está contribuindo para a sua asfixia.  

Existe algo que se possa fazer no médio prazo para abrir espaço aos novos artistas, sem que seja necessário satanizar os clássicos e veteranos? 

"Tocar, tocar e tocar cada vez mais, e cada vez melhor, para três pessoas ou para mil pessoas. Fazer com que o próximo show seja melhor do que o anterior. É só isso o que resta para para artistas independentes. Trabalho de qualidade e persistência são fundamentais para que a música seja reconhecida. Reclamar não só não ajuda como piora as coisas", declarou ao Combate Rock anos atrás Beto Bruno, ex-cantor da bem-sucedida banda independente Cachorro Grande, do Rio Grande do Sul. É o que está fazendo em carreira solo, mas sabe que terá de ralar muito para furar a bolha do predomínio do classic rock.

Mike Portnoy e o álbum que o Dream Theater nunca lançou

 O Dream Theater, grande banda americana que virou sinônimo de metal progressivo, estava no auge de sucesso e de megalomania por volta de 2002, a ponto de lançar uma música de 42 minutos de duração no álbum "Six Degrees and Inner Turbulence" após o megassucesso de "Metropolis", que marcou a estreia do tecladista Jordan Rudess.

O álbum duplo de 20 anos atrás também marca o auge da luta do baterista Mike Portnoy contra o alcoolismo, um combate pesado que inspirou o baterista a compor letra e música, com alguma ajuda de parceiros, de cinco peças que foram espalhadas por vários álbuns e que poderia ser um disco independente. Poderia, se o baterista não tivesse saído em 2010.

Cada uma representa um número do Programa de 12 passos (método criado nos Estados Unidos para tratamento do alcoolismo). As canções têm a característica de recorrerem a músicas e temas líricos. Como no programa de 12 passos, a compilação possui um total de 57:16 minutos. Todos os passos da saga começam com as letras "Re".

"Six Degrees and Inner Trubulence", o álbum de 2002, abre com "The Glass Prison", a primeira música da chamada "12 Step Suite", como ficou batizada informalmente a série de cinco canções sobre a luta contra o alcoolismo, com 57 minutos de duração.

As outras canções são "This Dying Soul" (do disco "Train of Though", de 2003), "The Root of All Evil" (disco "Octavarium", de 2005), "Repentance" (do disco "Systematic Chaos", de 2007) e "Shattered Fortress" (do disco "Black Clouds ans Silver Linings", de 2009).

A opção por espalhar as músicas da "suíte" por cinco álbuns ocorreu para que o assunto não ficasse restrito a apenas um disco, por sua importância e seu impacto. Além do mais, a banda refinou o tratamento temático dado ao alcoolismo e não quis que se torna-se um tema central de um álbum conceitual.

Com o fim da sequência, no álbum de 2009, Portnoy imaginava a possibilidade de lançar um trabalho juntando as cinco músicas para ser lançado em período de férias ou hiato da banda, mas as divergências internas impediram esse projeto.

O baterista já tinha assumido diversos projetos paralelos para o biênio 2010-2011 e tentou fazer com que o Dream Theater estendesse o seu período de descanso ou, ao menos, limitasse as suas atividades para que pudesse se dedicar ao Transatlantic e a várias bandas-tributo que criou. 

Segundo pessoas ligadas à banda ouvidas por vários sites americanos e ingleses, seria neste período que Portnoy tentaria propor algo ligado ao "12 Step Suite", mas o baterista perdeu a disputa em todas as suas investidas e acabou saindo do grupo.

Informalmente, circulam na internet vários arquivos com as cinco músicas reunidas no "álbum" chamado "12 Step Suite" que muita gente pensa ser um lançamento oficial. Entretanto, é algo que apenas fãs incondicionais da banda levam com alguma seriedade, fazendo eles mesmos a "junção" em arquivos digitais.

Independentemente das tretas e das divergências, "12 Step Suite" é uma sequência de alta qualidade e com conteúdo denso e importante. 

Possivelmente, é o melhor tratado a respeito do alcoolismo composto dentro do rock: é um relato sem concessões, cru, direto, mas sem autopiedade e autocomiseração. O alcoolismo é tratado como doença grave, com consequências graves para o doente, para parentes e amigos. Não há glamour nem toques de romantização.

Em maio de 2014, durante uma entrevista ao "Trunk Nation", do radialista Eddie Trunk, Mike Portnoy comentou o acordo da banda norte-americana de heavy metal Queensryche com seu ex-vocalista Geoff Tate (que cedeu o nome do grupo mas exigiu os direitos sobre os álbuns "Operation Mindcrime I e II".

Segundo o baterista, quando saiu do Dream Theater não pensou na possibilidade de reivindicar para si os direitos exclusivos da sequência "12 Step Suite". "Quebraria o seu coração se a banda resolvesse tocar as canções em sequência", disse o músico - algo que a banda nunca fez e nunca demonstrou intenção em fazer.

Depois de dez anos dos entreveros, em 2020, Portnoy voltou a se relacionar com os antigos colegas, tanto que tocou em todas as músicas do mais recente disco solo do guitarrista John Petrucci. 

Ao lado do guitarrista e do ex-desafeto Jordan Rudess, tecladista do Dream Theater, reativou o projeto Liquid Tension Experiment, que lançou um disco excelente em 2021 - grupo que ainda tem a participação do baixista Tony Levin (King Crimson e Peter Gabriel).

Por fim, em abril de 2022, pela primeira vez assistiu a uma apresentação do Dream Theater ao vivo, na casa de show, e a mesmo tempo recebendo o convite para visitar os músicos nos bastidores ao final da apresentação. 

Foi ali que finalmente fez as pazes com o vocalista James LaBrie, considerado o seu maior desafeto na banda. Diante da pacificação geral, não se descarta que a banda possa inserir "12 Step Suite" em algum show futuro ou até mesmo lançar a sequência como bônus em algum material. Mike Mangini, o atual baterista do Dream Theater, segue firme no posto, segundo declarou John petrucci mis de uma vez ao longo dos último seis meses.

domingo, abril 24, 2022

O rock tem de prestar muitas homenagens ao grande Angeli

 Quem sabe rir de si mesmo consegue perfeitamente divertir os outros, sem ofensas e sem baixarias. O ditado é antigo, mas é largamente citado pela cartunista Laerte, uma das gigantes do ramo no país. Essa é uma razão do sucesso dela e dos mais chegados amigos, Glauco e Angeli, que formavam um time imbatível na Folha de S. Paulo.

Glauco foi assassinado anos atrás em um caso escabroso envolvendo religião e problemas psiquiátricos de um agregado. Agora Angeli dá adeus às charges, cartuns e tirinhas por conta de uma afasia, um distúrbio cerebral que afeta a fala e a memória, guardando algumas semelhanças com o Mal de Alzheimer. Sobrou Laerte.

Aos 65 anos, Angeli vai desacelerar e continuar o trabalho artístico em outras áreas. Deixarão órfãos personagens marcantes como Bob Cuspe, Rê Bordosa ("Da religião só me interessam o vinho e os pecados"), Wood, Stock, Overall e muitos outros.

Muitos dos personagens de cartunistas importantes são alter egos, frações de suas personalidades. Geraldão, de Glauco, era a cara e o corpo do próprio. No caso de Angeli, mais multifacetado, tudo remetia a ele, mas não de forma simplória e direta.

Ria muito de si mesmo e gostava de mostrar isso nos cartuns e charges demolidores na Folha de S. Paulo, assim como nas revistas de quadrilho que editava. 

Rindo dele mesmo, ria e debochava dos amigos e ainda mais dos desafetos, em um traço característico com temas urbanos e quase sempre paulistanos. E com o rock sempre por perto, seja nas "trilhas" sonoras que embalavam os excessos e ressacas da Rê, seja no classic rock ás vezes embolorado e saudosista da dupla riponga Wood e Stock

Angeli ia na veia com suas sátiras e suas críticas, especialmente quando ridicularizava os velhotes fossilizados que não admitiam ouvir nada mais do que Rolling Stones de antes de 1971. Depois disso, nada servia. Essa gente existia aos montes nos anos 80 e 90 em São Paulo e ainda continuam por aí, pelo menos alguns...

Claro que ele não foi único a escrachar o rock usando o próprio rock. The Rutles zoaram os Beatles (quem não se lembra de "All You Need Is Cash"?) com classe - não seria ser de outra forma em se tratando de gente ligda ao Monty Python...

Nos Estados Unidos teve a banda fake Spinal Tap, que satirizava as loucuras e breguices do hard rock, algo que foi recriado com certo sucesso no Brasil pelo Massacration e seu vocalista, Detonator, vivido pelo cantor e baixista Bruno Sutter. A gaera de Hermes & Renato também passeou pelo tema.

No entanto, Angeli o fez com mais contundência com o Wood e Stock. Mesmo os mais novos e que não gostam de classic rock certamente s eviram retratados, de alguma maneira, nas tirinhas da dupla de songamongas abestalhados presos nos anos 60 e envoltos por nuvens de maconha da pior qualidade. Na vitrolinha, sempre algum disco dos Stones ou de Bob Dylan...

Angeli fez parte do nosso tempo e de nossa formação com sua perspicácia e inteligência. Adorava gente e conversar, ao contrário do Bob Cuspe, um de seus personagens, que não gostava de gente...

Bob Cuspe e seu visual punk carregado também é um tributo ao rock e às tribos rebeldes e nostálgicas dos anos 80 e 90 das grandes metrópoles. Virou uma animação bastante concorrida em plataformas de streaming e cineclubes em tempos de pandemia, trazendo uma visão ácida e mordaz da vida nas cidades nestes tempos quase pós-pandemia.

O rock foi bem retratado pelo cartunista-chargista-mestre das histórias em quadrinhos que se despede aos poucos. Ficaremos órfãos de sua excelência e de sua inteligência, assim como seus maravilhosos personagens que tanto nos fizeram rir, refletir e aprender.