sexta-feira, novembro 09, 2012

Como destruir um grande jornal

Ethevaldo Siqueira Temo pelo futuro dos maiores jornais brasileiros. A começar do Estadão. Eles estão ameaçados de desaparecer porque ainda não encontraram o modelo de negócios que lhes permita sobreviver nesse mundo caótico do jornalismo eletrônico. O mais grave não é fim dos jornais impressos, cujos dias estão, realmente, contados. Mas a falência das empresas ou instituições por eles responsáveis. É claro que o jornalismo não morrerá. Entretanto, a inviabilidade econômica das empresas jornalísticas significa, acima de tudo, a dispersão das melhores equipes profissionais, a perda da maioria de seus talentos e a desestruturação de um setor. Por conhecer o jornal de perto há mais de 45 anos, meu maior temor é com o futuro do Estadão. Publicação centenária e, sem dúvida, um patrimônio da cultura do País, o Estadão precisa cruzar o abismo da mudança tecnológica e superar o desafio econômico que essa mudança significa. E pode fazê-lo. Creio que ainda há tempo para salvar as empresas ou instituições que fazem os grandes jornais brasileiros. As duas grandes ameaças que podem liquidar essas publicações, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, são duas: o novo cenário tecnológico e a desvalorização das redações. Diferentemente da degradação progressiva das redações, que pode ser revertida, a quebra dos paradigmas tecnológicos não tem alternativa. Afirmo, por outro lado, que, se a direção e os acionistas assim o decidirem, os grandes jornais poderiam ganhar longa sobrevida com a elevação da qualidade das redações. Afirmo, também, com todas as letras, que a desvalorização da redação não afeta apenas o Estadão, mas muitos outros jornais brasileiros. Nunca me esqueço de uma observação sábia que ouvi certa vez, há quase 30 anos, de Júlio de Mesquita Neto: “A redação é a alma e o coração de um jornal. Máquinas, prédios e móveis são apenas meios físicos”. No entanto, no afã de cortar despesas, os novos executivos das redações estão empobrecendo os jornais, com a perda de seus melhores repórteres, redatores, editores e colunistas – dos mais jovens aos mais velhos e experientes, especialistas e generalistas. Sob pressão de acionistas, os salários se aviltam continuamente, por decisão ou conivência de diretores de redação que parecem agir muito mais como capatazes. O que me move, neste depoimento, é tão somente despertar a atenção de todos para o risco cada dia maior de fechamento dos grandes jornais e revistas brasileiros, a começar pelo Estadão. Faço-o, também, como forma de repúdio à campanha primária e irracional de um grupelho que insiste em acusar a grande mídia de ser um partido político, o PIG (Partido da Imprensa Golpista). Nunca vi cretinice maior. Acredito, sinceramente, que o Brasil precisa de uma imprensa realmente livre, republicana, pluralista, com todos os matizes, desde que comprometida com o bem e o desenvolvimento da sociedade brasileira. É a grande mídia, tanto a impressa quanto a eletrônica, que garante a sobrevivência da democracia, noticiando e debatendo tudo com liberdade plena, sem nenhum controle totalitário ou qualquer forma de censura. Não desejo nem aceito para o Brasil os percalços da imprensa argentina nem da mídia venezuelana. Reconheço, acima de tudo, que o Brasil precisa de um portfólio de jornais e revistas diversificado, capaz de abrigar publicações como o Estadão, a Folha, O Globo, Veja, Istoé, Época, Piauí, Brasileiros, Carta Capital ou Correio Braziliense, para citar apenas alguns exemplos. E relembro as palavras da presidente Dilma Rousseff, no começo de seu governo, ao dizer, mesmo sem o respaldo de seu partido, que “o único controle que o governo admite para a mídia é o controle remoto”. Espero que mantenha, na prática, esse conceito. Por que saí do Estadão Centenas de amigos e colegas me pedem que explique melhor minha saída do Estadão. Esclareço, de início, que não deixei o Estadão por questões salariais, ainda que me desagradasse a perspectiva incontornável de redução de minha remuneração. Muitos leitores talvez tenham lido minha coluna de despedida, no domingo, 21 de outubro de 2012, na qual fiz um balanço dos 45 anos que vivi no jornal. Aos que não o fizeram sugiro que o façam pelo link de meu blog pessoal: http://ethevaldo.com.br/coluna/despedida-apos-45-anos/. Além de agradecer a todos que me escreveram, devo explicar-lhes com toda sinceridade e equilíbrio as razões que me levaram a antecipar a saída do jornal, já que pretendia permanecer ainda por alguns anos, com minha coluna semanal e fazendo matérias especiais na área tecnológica e, em particular, em coberturas internacionais. Mesmo enfrentando problemas de relacionamento pessoal com o diretor de conteúdo do Estadão, Ricardo Gandour, eu ainda estava disposto a continuar no jornal, até porque aprendi a conviver com chefias problemáticas. Sempre tratei Gandour com educação e cortesia. Ele, igualmente, nunca foi rude ou grosseiro comigo. Sempre me disse “não” com um sorriso superior nos lábios. Só não pude tolerar nos últimos meses suas sucessivas interferências e restrições à minha liberdade, na coluna. Conto apenas dois ou três episódios, entre dezenas de situações inaceitáveis que vivi. O caso mais antigo ocorreu em 2006. Uma noite, Ricardo Gandour chegou a ligar para o meu celular, sabendo que eu estava em Londres, às 3 horas da madrugada (meia-noite no Brasil), para censurar uma coluna inteira que eu havia escrito sobre um programa de atendimento ao usuário da antiga Brasil Telecom. Por sorte, eu tinha outra coluna pronta, de reserva, para publicar. Depois, em sucessivas oportunidades, pediu que eu amenizasse minhas críticas à política de telecomunicações dos ministros das Comunicações, tanto de Hélio Costa quanto de Paulo Bernardo. A situação mais grave e inaceitável foi impedir que eu me defendesse diante de uma mensagem do ministro Paulo Bernardo. No texto, publicado no Fórum dos Leitores, por determinação de Gandour, o ministro desmentia categoricamente minhas críticas à sua tolerância e conivência diante de uma licitação da Telebrás, com valores superfaturados em mais de R$ 100 milhões, segundo o Tribunal de Contas de União (TCU). Em lugar de anular a concorrência, o ministro autorizou a Telebrás a “renegociar” os preços inflados. E, creiam, com apoio do TCU. Por isso, minha coluna tinha o título: O TCU não assusta ninguém. Na coluna, eu contava aos leitores que, na entrevista exclusiva com Paulo Bernardo, eu lhe havia perguntado se não lhe preocupavam os aspectos éticos daquela solução heterodoxa. A resposta irrefletida do ministro foi a seguinte: “Quero que a ética vá para o inferno. Eu quero é trabalhar…” Diante da resposta insensata, ainda lhe perguntei se ele não temia que eu publicasse literalmente aquela declaração. “Publique, se quiser”, desafiou. Só por isso, registrei-a em minha coluna, em 25-09-2011. Dias depois, Paulo Bernardo pediu ao diretor de conteúdo do Estadão o direito de resposta, o que foi concedido – coisa perfeitamente justa e cabível –, mas Gandour não me deu conhecimento prévio do desmentido nem me permitiu reiterar a verdade dos fatos, em Nota da Redação. Com o silêncio do jornal, eu passava a ser considerado mentiroso, por decisão e censura do diretor de conteúdo do próprio jornal. Imaginem, amigos, o que significa enfrentar esse tipo de cerceamento, em plena democracia, em 2011, dentro do Estadão, jornal em que vivi a censura imposta pela ditadura, que testemunhei de 1968 a 1975. Com desencanto e desestímulo crescentes, o que me restou nos últimos 12 meses de jornal foi remoer a tristeza das muitas decepções e perceber o clima de desânimo que marca hoje a redação do grande jornal. No organograma empresarial do Estadão falta um conselho editorial que supervisione as diretrizes e as decisões do diretor de conteúdo, o que o transforma em figura absoluta, detentor da última palavra sobre tudo no âmbito da redação. E, infelizmente, nenhum outro diretor, nem o CEO, parece disposto a interferir em seu território, para não ferir “as regras de governança”. Por tudo isso, ao longo dos últimos seis anos da gestão desse diretor de conteúdo, o Estadão tem perdido excelentes profissionais, como César Giobbi, Pedro Dória, Carlos Alberto Sardenberg e Renato Cruz. Chegou a demitir Roberto Godoy, um dos raros jornalistas especializados em tecnologia de defesa do País, com mais de 30 anos no jornal, para readmiti-lo, mas com menor remuneração, depois da repercussão profundamente negativa. E pode perder muitos outros. São diretores como esse, mesmo com currículos brilhantes, mas sem passado nem raízes na história do Estadão, que aceleram o fim do grande jornal.

sexta-feira, outubro 19, 2012

O lamento de um dinossauro

MARIO CHIMANOVITCH - publicado originalmente na seção Tendências & Debates, da Folha de S. Paulo Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum momento algo muito importante se rompeu --e ninguém lhe deu a menor importância. Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem mais novos do que os demais. Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou sobrando. Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor. Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a coisa complica. Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico descartável e, como tal, ambientalmente incorreto. Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou. Desempregado desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte. Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém. Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo. A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e a minha própria história. Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.

quarta-feira, outubro 17, 2012

A volta da censura, por Hélio Schwartsman*

Publicado originalmente no Folha.com, de 4 de outubro de 2012 Em tempos de YouTube e celulares com câmera, nos quais praticamente qualquer cena presenciada por um ser humano pode ser registrada e disponibilizada para todo o planeta, não é surpreendente que assistamos a um número cada vez maior de pedidos de censura judicial, isto é, de pessoas exigindo, via Judiciário, que as imagens e comentários sejam retirados da rede de computadores. O fenômeno chega ao paroxismo agora que o Brasil vive um período eleitoral em que milhares de postulantes a prefeito e vereador tentam evitar tudo o que possa prejudicar-lhes a candidatura e, para isso, contam com a mão amiga de uma Justiça Eleitoral excessivamente intervencionista e pouco afeita aos cânones do liberalismo político. A fórmula é complementada ainda pelos místicos e moralistas de sempre, que buscam na Justiça e fora dela calar as manifestações com as quais não concordam. A conjunção desses fatores levou a uma onda de proibições que ficou evidente na semana passada, com a detenção de um diretor da Google que se recusara a cumprir ordem judicial e várias notícias de censura a sites. Até o trailer do polêmico filme "Inocência dos Muçulmanos" foi proscrito no Brasil. Meu momento favorito, porém, é a campanha do deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) para proibir ou pelo menos tornar impróprio para menores de 18 anos um longa-metragem juvenil que traz cenas de um ursinho de pelúcia fumando maconha. Ninguém com um pouco de amor à lógica pode defender direitos de forma absoluta. Afirmar qualquer um deles em grau superlativo implica relativizar e eventualmente até negar todos os demais. A menos que acreditamos que só existe um direito digno deste nome, temos de aprender a conviver com o conflito entre normas constitucionais. Mesmo reconhecendo isso, advogo por uma liberdade de expressão robusta, como sabem os que acompanham minha coluna. Acho que o direito de manifestar a opinião deve abarcar até mesmo nazistas que defendam teses racistas e pedófilos que descrevendo suas preferências sexuais. Enquanto estamos no campo das ideias, vale tudo. É só quando algum desses malucos tenta pôr seus delírios em prática que o Estado, particularmente a polícia, deve intervir. Não faço isso por nutrir um fetiche secreto pela liberdade de expressão. A questão também é lógica. Ninguém precisa de licença para dizer o que todos querem ouvir. Se as salvaguardas à manifestação livre de ideias fazem algum sentido (e eu tentarei mais abaixo mostrar que fazem), é preciso que abarquem justamente aquilo que a maioria considera infame, desprezível e, portanto, digno de ser censurado. Depois de uma defesa tão entusiasmada da livre opinião, acho que preciso dar exemplos de limitações que considero razoáveis, sob pena de a estar absolutizando sub-repticiamente. Pois bem, creio que em diversas situações em que a liberdade de expressão entra em choque com o direito do cidadão à própria imagem é a segunda que deve prevalecer. Não é aceitável, por exemplo, que alguém publique uma calúnia ou mesmo uma informação demonstravelmente falsa sobre outrem. Nestes casos, cabe não apenas uma reparação como também a retificação dos dados. Não tenho a mesma convicção no que diz respeito a injúrias e difamações. Como elas dão muito mais margem à subjetividade, fica fácil colocar obstáculos à publicação de uma obra legítima com base em considerações metafisicamente pessoais. Não é por outra razão que biografias se tornaram um gênero literário ameaçado de extinção no Brasil. O artigo 20 do novo Código Civil, ao postular com força a tese da defesa da "honra, boa fama ou respeitabilidade" permite que até descendentes remotos censurem esse tipo de trabalho. Pior, podem fazê-lo "a priori". Outro ponto em que insisto é que o direito à autoimagem só deve valer para pessoas físicas, não para grupos. Caso contrário, sempre que um autor imprecar contra a natureza humana, estará se sujeitando a ser processado e censurado por qualquer um dos 7 bilhões de terráqueos. Em suma, se você pertence a uma categoria que se sentiu ofendida pela declaração de alguém, ofenda o bando de seu agressor e todos ficam felizes. Resta agora apenas tentar mostrar por que a liberdade de expressão merece tanta consideração. Uma possibilidade é que, numa manifestação da religiosidade iluminista, nós, liberais, a tivéssemos convertido numa espécie de ícone sagrado da laicidade, que defenderíamos de todos os ataques como fazem os muçulmanos com Maomé. É uma hipótese divertida, mas não creio que resista a uma análise mais detida. A diferença fundamental é que, enquanto a preservação da imagem de Maomé interessa apenas aos fiéis do islamismo, a liberdade de expressão regula um elemento essencial para o funcionamento da sociedade, que é a circulação de informações. Como escrevi na semana passada numa coluna da edição impressa, sem a troca de ideias entre múltiplas partes, a própria democracia cessa de funcionar. Um de seus pressupostos é o de que um eleitor razoavelmente informado escolhe seus dirigentes. Uma imprensa livre também é necessária para controlar as ações dos dirigentes. Não é uma coincidência que ditadores invariavelmente comecem sua escalada autoritária calando as vozes dissonantes. E o papel virtuoso das informações não está restrito à política. O trânsito de ideias também é fundamental para a ciência. Um dos antecedentes necessários à revolução científica que se esboçou a partir do século 16 na Europa foi a invenção dos tipos móveis por Johannes Gutenberg. É claro que havia livros antes disso, mas, produzidos artesanalmente por copistas, eles eram obscenamente caros. Um volume de cerca de 500 páginas saía pelo equivalente a US$ 20 mil de hoje. Apenas gente podre de rica podia dar-se ao luxo de possuir essas obras. Foi só depois da imprensa que as ideias que estão na base da ciência puderam atingir o ponto crítico a partir do qual provocaram grande impacto. Não é um acaso que esse período também marque o início do movimento de secularização da sociedade. E a ciência, nunca é demais lembrar, é a principal responsável pela era de bem-estar material e sanitário que vivemos. Até a revolução industrial, que pode ser descrita como a domesticação do vapor pela ciência, o crescimento econômico anual médio da humanidade era da ordem de 0,1%. De lá para cá, o padrão de expansão explodiu, com vários países sustentando taxas de dois dígitos ao longo de décadas. Pela primeira vez, o crescimento ocorreu mais rapidamente do que o aumento da população, gerando uma prosperidade nunca antes imaginada. É por isso que há uma corrente de economistas encabeçada por Julian Simon que sustenta que a riqueza, em última análise, são ideias, a capacidade das pessoas de inovar. A imaginação humana, dizem, é o recurso final. Se essa tese é correta, limitar a liberdade de expressão equivale a um suicídio social, algo que nem candidatos nem fiéis de nenhum credo parecem muito dispostos a fazer. *Hélio Schwartsman, 44 anos, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha.com.e na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos

sábado, outubro 13, 2012

Guerra suja e o risco à liberdade de expressão

Carlos Brickmann Há várias maneiras de colocar em risco a liberdade de expressão: a policial, a econômica, a judicial, a violenta. Todas estão sendo aplicadas no Brasil: algumas, que de tão escancaradas beiram a desfaçatez, são defendidas mas não aplicadas (coisas como o tal “controle social da informação”, ou o sistema chavista da Ley de Medios – tão colonizada que até o nome está em castelhano); outras, por serem mais utilizadas longe dos grandes centros, merecem acompanhamento esparso – assassínio de jornalistas, empastelamento de jornais adversários, pressão direta sobre anunciantes; há as condenações de jornalistas incômodos, que acabam ganhando a causa mas depois de muitos aborrecimentos e amplos gastos; e a que hoje é a mais usada de todas, combinando ações legais e pressões econômicas para calar quem diz o que, na opinião dos inimigos da liberdade de imprensa, deveria continuar secreto (e eles conhecem as vantagens do sigilo). Há coisas incríveis acontecendo: uma delas, a ordem de prisão do diretor-geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, por desobedecer à ordem de tirar do YouTube vídeos contra um candidato a prefeito de Campo Grande. Como diz Marcelo Tas, “prender diretor do Google por causa de vídeo político no YouTube é como punir vendedor de asfalto por acidente em rodovia”. O caráter intimidatório da medida ficou claro quando o mesmo juiz que determinou a prisão revogou a medida, no dia seguinte, por considerar a atitude do diretor do Google de pequeno potencial ofensivo. Se o potencial ofensivo era pequeno, por que houve a prisão? Se a prisão era necessária, por que houve a rápida libertação? O Google, evidentemente, não pode estar acima da lei; mas a aplicação da lei deve levar em conta a função exercida pela empresa. Uma biblioteca que tenha livros proibidos pela Justiça não gerou o conteúdo, nada tem a ver com ele: apenas o coleciona. Se obteve os livros legalmente, que é que fez de errado? Outro caso interessantíssimo é o do jornalista Cristiano Silva. Há alguns dias, um juiz comandou a apreensão de seu livro Operação Ouro Negro – História do milionário assalto aos cofres da Prefeitura de Catalão durante debate na Universidade Federal de Goiás. Em outras palavras, ao discutir temas de interesse da comunidade, a universidade foi invadida para a apreensão do livro que vinha sendo discutido. Pior: o jornalista foi detido por desacato à autoridade e levado à delegacia. A obra trata de problemas ocorridos na gestão do ex-prefeito Nagib Elias, e o juiz que determinou a apreensão foi quem extinguiu o processo montado com base na Operação Ouro Negro da Polícia Federal. Detalhes: nem o jornalista nem seu advogado tinham sido informados da proibição do livro. Mas as ameaças já vinham de antes. Certo dia, Cristiano foi abordado na rua por várias pessoas, na cidade de Catalão, em Goiás. Um homem disse aos companheiros, em tom irônico: “Ah, mete bala na cara desse vagabundo. Vamos fazer picadinho dele, igual fizemos com o livro”. Outro completou: “Tem de acertar no olho para não estragar a pele”. Há casos mais antigos: a pressão constante sobre o jornalista Lúcio Flávio Pinto, do Pará, que desafia as famílias que comandam o estado; a censura que já perdura há dois anos contra O Estado de S.Paulo, para impedi-lo de publicar informações sobre o império da família Sarney, conforme investigações da Polícia Federal na Operação Boi Barrica; o processo que este colunista sofre de um ex-secretário tucano, que deixou o governo de São Paulo para defender uma empresa que se opunha a interesses do governo de São Paulo. Mas o caso mais emblemático, agora, é o do Blog do Pannunzio. Guerra suja O jornalista Fábio Pannunzio, da Rede Bandeirantes, é sério e competente. Abriu um blog em 2009 e, de lá para cá, jamais aceitou ofertas de patrocínio. Paga as despesas com dinheiro do próprio bolso, tirado do salário de repórter. Que é que fizeram contra ele? Aquilo que a Igreja Universal do Reino de Deus tentou fazer contra a repórter Elvira Lobato: sufocá-la com imenso volume de processos (no caso, espalhados por todo o Brasil, para obrigar a repórter a gastar fortunas com viagens e advogados, e ao mesmo tempo reduzir sua produção jornalística, por falta de tempo). Só que Elvira Lobato trabalhava como repórter da Folha de S.Paulo, que bancou as despesas, denunciou as manobras da Universal e transformou o caso num foco permanente de suas reportagens. Pannunzio foi processado inúmeras vezes, sem êxito. Mas, em todas elas, teve de perder tempo, contratar advogado, gastar com documentação, viajar até o local dos processos. O objetivo, claro, era este; pessoas que se julgam atingidas em sua honra não entram com processos cíveis, já que honra não se mede em dinheiro (a não ser algumas pessoas, que já têm até a etiqueta de preço afixada). Quem tem a honra atingida entra com processo-crime, exatamente por considerar que sua reputação não tem preço. Pannunzio foi processado por gente das mais diversas ideologias, partidos, interesses. A gota d’água foi o processo que lhe é movido pelo atual secretário da Segurança de São Paulo, coronel Ferreira Pinto, herança de Serra para Alckmin: o secretário do governo tucano quer uma indenização monumental de Pannunzio. E o repórter decidiu desistir do blog. “Escrevo depois de semanas de reflexão e com a alma arrasada”, disse Pannunzio, “especialmente por que isso representa uma vitória dos que se insurgem contra a liberdade de opinião e informação.

quarta-feira, outubro 10, 2012

Politicamente correto e mediocridade elegem novo alvo: a crítica

O politicamente correto está em cruzada firme para matar a liberdade de expressão e de opinião. Tem fracassado na maioria das vezes, principalmente quando “respaldado” por argumentos ideológicos retrógrados ou de origem religiosa igualmente estapafúrdios. De mãos dadas com a ignorância e com a falta de respeito, o politicamente correto agora está atacando, ainda que de forma atabalhoada, a crítica nas áreas de cultura, artes e espetáculos, tanto em jornais como na internet. Parece existir uma regra não escrita de que é proibido falar mal de qualquer coisa e de alguém, e que tudo precisa ser sempre relativizado, e que a tal “contextualização” serve como muleta para toda e qualquer justificativa para que se não se fale mal de uma obra de arte. Os exemplos vão do mais simples e rasteiro – legiões de fãs inconformado com críticas negativas a seus ídolos – ao mais pedante e arrogante pseudointelectualismo de boteco movido a tintas malcheirosas de ideologia burra e ultrapassada – a situação absurda mais recente é o patrulhamento em cima do suposto conteúdo racista de algumas obras de Monteiro Lobato. Se a internet revolucionou a forma de como o ser humano lida e obtém informação, também mudou para pior a forma de como as pessoas discutem e debatem. A internet jogou o debate na lata do lixo em grande parte dos assuntos relevantes em qualquer parte do mundo. Transformou-se em uma enorme cracolândia (parafraseando o sábio jornalista Décio Trujillo Júnior), onde a desqualificação virou o principal argumento de discussão – e ferramenta obrigatória de indigentes intelectuais e culturais para mascarar a própria ignorância. Ter opinião é pecado no século XXI dominado pela tecnologia, pela web e pelas redes sociais. A crítica negativa de um disco ou um livro é apedrejada de forma inacreditável apenas por ser negativa – com a interatividade, leitores/internautas travam um debate de baixíssimo nível, como se o ídolo fosse unanimidade e inatacável. Não se respeita mais na internet e nos jornais o direito de jornalistas, críticos e especialistas respeitados, com pelo menos duas ou três décadas de ofício, de opinar. Ninguém diverge, contesta ou discorda com educação ou argumentos. Diverge-se, contesta-se e se discorda com ameaças e agressões verbais de todos os tempos. É um movimento inaceitável de cassação do direito de criticar e opinar. Tal quadro desalentador é observado de forma mais acentuada na área de cultura popular, particularmente na música. O anonimato e a distância tornaram a covardia e a agressão gratuita ferramentas essenciais para a imposição de ideias ou para protestar de forma a intimidar articulistas ou especialistas de todos os matizes. Os ataques veementes e constantes contra a opinião e a crítica, quase sempre de forma tola, vazia e inconsequente, instauraram um clima de inquisição na internet. Mais do que a arquibancada violenta de um Fla-Flu ou um Corinthians e Palmeiras, qualquer crítica ao trabalho de certos artistas vira motivo para um autêntico linchamento moral e ético contra o autor. Vários textos do Combate Rock foram alvo de leitores enfurecidos e atormentados por conta de críticas aos trabalhos de gente como Mutantes, Nirvana, Raul Seixas, Legião Urbana, Restart, Charlie Brown Jr e Los Hermanos, entre outros. Parte expressiva dos “comentários”, em língua com algum parentesco com o português, abusou de xingamentos, desqualificações rasteiras e protestos estéreis contra os autores. Em nenhum momento chegaram perto de argumentar com algum nível de decência o objeto da questão – as críticas em si. O poeta e escritor Luiz Carlos “Barata” Cichetto, conhecido no meio underground do rock e dos cenários literários alternativos de São Paulo e Rio de Janeiro, sofreu uma ação massiva de xingamentos e desqualificações quando publicou no site Whiplash, o melhor e mais diversificado sobre rock em português. Ele escreveu um texto onde apontava as coincidências e quase plágios na obra de Raul Seixas – texto já reproduzido no Combate Rock. Detalhado e bem fundamentado, o artigo foi desqualificado por todos, mas em nenhum momento foi contestado de forma séria. Acreditar que toda essa várzea é o retrato da internet é um equívoco tremendo e uma injustiça para com a imensa maioria de pessoas sérias e que usam a web com prudência e inteligência. No entanto, não há como ignorar a sensação de que é justamente a cracolândia é que domina o ambiente virtual, tanto em português como em qualquer língua. A precarização e o baixo nível não são privilégio dos brasileiros. Ainda assim, é assustadora a indigência intelectual que dominam fóruns e páginas de opinião de blogs, portais e sites brasileiros. Nem é o caso de mencionar os ambientes esportivos dedicados ao futebol, onde o clima de arquibancada é compatível com a ausência de educação e inteligência na maioria das vezes – na verdade, parece que isso é requisito básico para tais ambientes. O desconhecimento total da função de jornalistas e críticos revela de forma inequívoca o elevado grau de desinformação do público em geral, evidenciando, por outro lado, um viés extremamente perigoso: a intolerância para com a divergência, a diversidade e a diferença. Não são poucos os iletrados que “questionam” o papel do jornalismo, da mídia e da imprensa, chegando à petulância de dizer (ou seria “determinar”) o que um jornalista deve ou não escrever, e como tem de escrever. “Jornalista não pode dar opinião” é apenas a mais frequente dos lixos publicados em páginas de comentários em grandes portais de internet. O baixo nível predominante na internet e a incapacidade – ou recusa – de compreensão de qualquer texto opinativo é um indicativo preocupante de uma tendência autoritária que predomina no grande público – algo bastante comum em ambientes de discussão política, seja de direita ou esquerda, igualmente de níveis baixos de inteligência, cultura e tolerância. A tentativa de imposição de uma “homogeneização” de pensamento artístico-cultural – onde o politicamente correto, a ausência de senso crítico e a esterilidade de ideias predominam – é inócua, mas não menos desalentadora. Qual o sentido de opinar, criticar, debater e pensar em um ambiente que repele a vida inteligente, onde o que interessa é a futilidade e o entretenimento mais rasteiro e pueril que existe? Levar luz às trevas? Por mais que intelectualmente seja tentador, essa motivação é pedante demais. Satisfação pessoal? Egoísta demais. O fato é que críticos, colunistas e jornalistas especializados são cada vez mais lidos na internet, seja em blogs pessoais ou em espaços próprios em grandes portais ou portais de grandes jornais. Os acessos e o número de comentários só aumentam no Estadão.com e na maioria dos blogs e espaços de colunistas no UOL, só para citar alguns exemplos. Portanto, eis a maior vitória da vida inteligente na internet: criticados, desqualificados, xingados e até ameaçados, mas cada vez mais lidos em um verdadeiro mar de mediocridade. É maior prova de vida inteligente na web – prova incontestável de que críticos, colunistas e jornalistas especializados serão sempre cada vez mais necessários.

sábado, outubro 06, 2012

“Mensalão”, hipocrisia e corrupção preservada

STF e mídia fingem resgatar ética, mas mantêm intactos mecanismos que subordinam candidatos ao dinheiro e interesse de grandes empresas Por Ladislau Dowbor, em Carta Maior “The idea that in a democracy you should be able to trade your wealth into more influence over what the government does is just wrong.” Lawrence Lessig [1] “Les vices n’appartiennent pas tant à l’homme qu’à l’homme mal gouverné” Rousseau [2] Transformar o exercício da justiça em espetáculo midiático não é correto nem ético. Fazê-lo em nome da ética, menos ainda. Para muita gente, parece tratar-se de uma catarse política, canalização de ódios acumulados. Não se resolve grande coisa desta maneira. e gera-se sim dinâmicas perigosas. E sobretudo, canaliza-se toda a energia contra pessoas, obscurecendo os vícios do sistema. O sistema agradece, e permanece. A realidade, é que há um imenso desconhecimento, por parte de não-economistas, de como se dão os grandes vazamentos de recursos públicos. Bem, vamos por partes. Primeiro, a grande corrupção, a grande mesmo, aquela que é tão grande que se torna legal. Trata-se do financiamento de campanhas. A empresa que financia um candidato – um assento de deputado federal tipicamente custa 2,5 milhões de reais – tem interesses. Estes interesses manifestam-se do lado das políticas que serão aprovadas, por exemplo contratos de construção de viadutos e de pistas para mais carros, ainda que se saiba que as cidades estão ficando paralisadas. As empreiteiras e as montadoras agradecem. Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição. Quatro anos passam rápido. Entre representar interesses legítimos do povo – por exemplo, mais transporte coletivo, mais saúde preventiva – e assegurar a próxima eleição, ele que estudou economia ou direito, e por tanto sabe fazer as contas e sabe quem manda, está preso numa sinuca. O próprio custo das campanhas, quando estas viram uma indústria de marketing político, é cada vez mais descontrolado. Segundo The Economist, no caso dos EUA, os gastos com a eleição de 2004 foram de 2,5 bilhões de dólares, em 2010 foram de 4,5 bilhões, e a estimativa para 2012 é de 5,2 bilhões. Isto está “baseado na decisão da Corte Suprema em 2010, que permite que empresas e sindicatos gastem somas ilimitadas em marketing eleitoral”. Quanto mais cara a campanha, mais o processo é dominado por grandes contribuintes, e mais a política se vê colonizada. O resultado é a erosão da democracia. E resultam também custos muito mais elevados para todos, já que são repassados para o público através dos preços. [3] Comentando os dados dos gastos corporativos na campanha eleitoral de 2010, Robert Chesney e John Nichols, da universidade de Illinois, escrevem que os financiamentos corporativos “traduziram-se numa virada espetacular para a direita: a captura da vida política por uma casta financeira e midiática mais poderosa do que qualquer partido ou candidato. Não se trata apenas de um novo capítulo no interminável romance entre o dinheiro e o poder, mas de uma redefinição da própria política pela conjunção de dois fatores: o fim dos limites de doações eleitorais por parte das empresas e a renúncia por parte da imprensa ao exame dos conteúdos das campanhas. Resulta um sistema no qual um pequeno círculo de conselheiros mobiliza montantes surrealistas para orientar o voto para os seus clientes. Este “complexo eleitoral dinheiro-mídia” constitui presentemente uma força temível, subtraída a qualquer forma de regulação, liberada de qualquer obrigação de prudência por uma imprensa que capitulou. Esta máquina é permanentemente mediada por cadeias comerciais de televisão que faturaram, em 2010, 3 bilhões de dólares graças à publicidade política”. [4] No Brasil este sistema foi legalizado em governos anteriores. A lei que libera o financiamento das campanhas por interesses privados é de 1997 [5]. Podem contribuir com até 2% do patrimônio, o que representa muito dinheiro. Os professores Wagner Pralon Mancuso e Bruno Speck, respectivamente da USP e da Unicamp, estudaram os impactos. “Os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras. Em 2010, por exemplo, corresponderam a 74,4%, mais de R$ 2 bilhões, de todo o dinheiro aplicado nas eleições (dados do Tribunal Superior Eleitoral)”. [6] E a deformação é sistêmica: além de amarrar os futuros eleitos, quando uma empresa “contribui” e portanto prepara o seu acesso privilegiado aos contratos públicos, as outras se vêm obrigadas a seguir o mesmo caminho, para não se verem alijadas. E o candidato que não tiver acesso aos recursos, simplesmente não será eleito. Todos ficam amarrados. Começa a girar a grande quantidade de dinheiro no sistema eleitoral. Criminalizar as empresas, ou as pessoas, não vai resolver, ainda mais se os criminalizados são apenas de um lado do espectro político. É preciso corrigir o sistema. Mas custos econômicos incomparavelmente maiores resultam do impacto indireto, pela deformação do processo decisório na máquina pública, apropriada por corporações. O resultado, no caso de São Paulo, por exemplo, de eleições municipais apropriadas por empreiteiras e montadoras, são duas horas e quarenta minutos que o cidadão médio perde no trânsito por dia. Só o tempo perdido, multiplicando as horas pelo PIB do cidadão paulistano e pelos 6,5 milhões que vão trabalhar diariamente, são 50 milhões de reais perdidos por dia. Se reduzirmos em uma hora o tempo perdido pelo trabalhador a cada dia, instalando por exemplo corredores de ônibus e mais linhas de metrô. serão 20 milhões economizados por dia, 6 bilhões por ano se contarmos os dias úteis. Sem falar da gasolina, do seguro do carro, das multas, das doenças respiratórias e cardíacas e assim por diante. E estamos falando de São Paulo, mas temos Porto Alegre, Rio de Janeiro e tantos outros centros. É muito dinheiro. Significa perda de produtividade sistêmica, aumento do custo-Brasil. Este tipo de corrupção leva a que se deformem radicalmente as prioridades do país, que se construam elefantes brancos. A deformação das prioridades mediante desvio dos recursos públicos daquilo que é útil em termos de qualidade de vida para o que é mais interessante em termos de contratos empresariais, gera um círculo vicioso, pois financia a sua reprodução. Uma dimensão importante deste círculo vicioso, e que resulta diretamente do processo, é o sobrefaturamento. Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas, conforme vimos acima com os exemplos americano e brasileiro, mais a pressão empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas. Quando são poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição organizada dos contratos, o que por sua vez reduz a concorrência pública a um simulacro, e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os lucros assim adquiridos permitirão financiar a campanha seguinte. Se juntarmos o crescimento do custo das campanhas, os custos do sobre-faturamento das obras, e sobre tudo o custo da deformação das grandes opções de uso dos recursos públicos, estamos falando em muitas dezenas de bilhões de reais. Pior: corrói o processo democrático, ao gerar uma perda de confiança popular nos processos democráticos em geral. Não que não devam ser veiculados os interesses de diversos agentes econômicos. Mas para a isto existem as associações de classe e diversas formas de articulação. A FIESP, por exemplo, articula os interesses da classe industrial do Estado de São Paulo, e é poderosa. É a forma correta de exercer a sua função, de canalizar interesses privados. O voto deve representar cidadãos. Quando se deforma o processo eleitoral através de grandes somas de dinheiro, é o processo democrático que é deformado. A moral da história é simples. Comprar votos é ilegal. Vincular o candidato com dinheiro não é ilegal. Já comprar o voto do candidato eleito é de novo ilegal. A conclusão é óbvia: vincula-se os interesses do candidato à empresa, o que é legal, e tem-se por atacado quatro anos de votação do candidato já eleito, sem precisar seduzi-lo a cada mês [7]. O absurdo não é inevitável. Na França, a totalidade dos gastos pelo conjunto dos 10 candidatos à presidência em 2012 foi de 74,2 milhões de euros. [8] A grande corrupção gera a sua própria legalidade. Já escrevia Rousseau, no seu Contrato Social, em 1762, texto que hoje cumpre 250 anos: “O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o dono, se não transformar a sua força em direito e a obediência em dever” [9]. Em 1997, transformou-se o poder financeiro em direito. O direito de influenciar as leis, às quais seremos todos submetidos. Ético mesmo, é reformular o sistema, e acompanhar os países que evoluíram para regras do jogo mais inteligentes, e limitaram drasticamente o financiamento corporativo das campanhas. (*) Ladislau Dowbor, economista, é professor da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das NNUU. http://dowbor.org NOTAS [1] “A ideia que numa democracia você deveria poder trocar a sua riqueza por maior influência sobre o que faz o governo é simplesmente errada” – Lawrence Lessig – Republic Lost: how money corrupts congress – and a plan to stop it – Twelve, New York, 2011, p. 313 [2] “Os vícios não pertencem tanto ao homem, quanto ao homem mal governado” – J.J. Rousseau, Narcisse [3] Ver dados completos em The Economist, Of Mud and Money, September 8th 2012, p. 61; Sobre esta decisão da corte suprema americana, Hazel Henderson produziu uma excelente análise intitulada “Temos o melhor congresso que o dinheiro pode comprar” (We have the best congress money can buy). [4] Robert W.McChesney e John Nichols – Et les spots politiques ont envahi les écrans – Le Monde Diplomatique, Manière de Voir, n. 125, Où va l’Amérique, Octobre-Novembre 2012, p. 62 – A liberação do financiamento corporativo das campanhas eleitorais foi conseguida pelo lobby conservador Citizens United, junto à Corte Suprema dos Estados Unidos, em 21 de janeiro de 2010, em nome da “liberdade de expressão”. [5] O financiamento está baseado na Lei 9504, de 1997 “As doações podem ser provenientes de recursos próprios (do candidato); de pessoas físicas, com limite de 10% do valor que declarou de patrimônio no ano anterior no Imposto de Renda; e de pessoas jurídicas, com limite de 2%, correspondente [à declaração] ao ano anterior”, explicou o juiz Marco Antonio Martin Vargas, assessor da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.” – Revista Exame, 08/06/2010, Elaine Patricia da Cruz, Entenda o financiamento de campanha no Brasil. [6] “Pouquíssimos candidatos conseguem se eleger com pouco ou nenhum dinheiro”, comenta Mancuso, que coordena o projeto de pesquisa Poder econômico na política: a influência de financiadores eleitorais sobre a atuação parlamentar. Ver em Bruna Romão, Agência USP. [7] No plano propositivo, há um excelente trabalho de Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Harvard, Republic Lost: how money corrupts Congress and a plan to stop it, Twelve, New York 2011, em particular p. 266 e seguintes. [8] Le Monde Diplomatique, Manière de Voir, Où va l’Amérique, Octobre-Novembre 2012, p.11 [9] “Le plus fort n’est jamais assez fort pour être toujours le maître, s’il ne transforme sa force en droit et l’obéissance en devoir”. Du Contrat Social, 1762. “Maître” em francês é muito mais forte do que “mestre” em português, implica força, controle.

quarta-feira, outubro 03, 2012

Repórter da Folha é afastado após sofrer ameaças

Vanessa Gonçalves - Portal Imprensa Entre as áreas mais difíceis e incômodas para cobertura – sobretudo no jornalismo diário – está a editoria de polícia. Seja pelas pautas sempre áridas, seja pelo contato frequente com temas que, vira e mexe, acabam “desagradando” um ou outro lado. Não é raro que membros da polícia se sintam “ofendidos” por abordagens da imprensa, principalmente quando noticiados, por exemplo, casos de abusos de poder, violência sem justificativa e ações de milícias. Recentemente, o jornalista André Caramante, da Folha de S.Paulo, que atua na área há 13 anos, tornou-se mais uma vítima desse imbróglio. Há cerca de três meses, o repórter vem recebendo ameaças – umas veladas, outras nem tanto – que partiriam de Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, ex-chefe das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e candidato a vereador pela cidade de São Paulo pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), assim como de seus seguidores e eleitores. Segundo Caramante, tudo começou quando, incomodado com a cobertura jornalística do repórter, o ex-chefe da Rota usou sua página pessoal no Facebook para expor sua opinião acerca do tema. “Resolvemos fazer um texto para falar sobre a página pessoal do Paulo Telhada, onde ele chamava suspeitos de vagabundos e dizia que tinham que morrer mesmo”, conta o jornalista. A pressão sobre o jornalista começou ainda na internet, quando diversas pessoas reproduziram as palavras do ex-chefe da Rota. “Muitas pessoas abriram o eco pelo que ele havia escrito, com os mais variados comentários, como ‘bala nesses vagabundos mesmo e em quem defende vagabundo também’ ”. O repórter defende sua atuação como jornalista e reafirma não ter partidarismo para defender policiais ou criminosos. “Não estou aqui para defender A ou B. Defendo o cumprimento da lei.” BODE EXPIATÓRIO A partir de então, a paz para exercer seu ofício terminou. Toda e qualquer matéria de Caramante publicada no site da Folha era bombardeada por comentários ameaçadores e ofensivos. Em texto publicado no dia 7 de agosto de 2012, sob o título “Dois PMs são detidos após morte de suspeito de roubo em SP”, um leitor comenta: “Não estou rogando praga. Mas o nosso estimado ‘experiente foca’ ainda será vítima de um sequestro relâmpago e irá discar para o celular do Marcola.” A situação ficou ainda mais grave quando o blog “Flit Paralisante”, ligado a policiais militares, divulgou uma foto de Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, como se fosse Caramante, com uma mensagem ainda mais ameaçadora do ex--juiz e advogado Ronaldo Tovani, citado em matéria por ter sido denunciado à Justiça por lavagem de dinheiro: “A palavra escrita, mentirosa e ferina, do jornalista André Caramante agora tem ‘cara’. A foto dele está estampada no ‘Flit’ e passou a ser do conhecimento de todos, inclusive dos policiais militares que ele tanto critica e ofende. Espero, contudo, que não apareça algum maluco querendo fazer justiça com as próprias mãos, quando se deparar com ele por aí”. Para o jornalista, atitudes como essa não passam de intimidação para evitar que a Folha e o repórter cumpram sua função de informar. LIBERDADE DE IMPRENSA Ao tomar conhecimento das ameaças contra Caramante, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) se posicionou, visando salvaguardar a integridade do repórter emitindo uma nota de repúdio, além de solicitar providências por parte do governador e do secretário da Segurança Pública de São Paulo. Além disso, também solicitou à Folha que fizesse cobertura total do caso, de forma a torná-lo público. Segundo José Augusto Camargo, presidente do SJSP, “a entidade sempre orienta o jornalista agredido a tornar o ato público, pois funciona como proteção à própria pessoa, uma vez que a falta de punição alimenta o agressor”. Buscando zelar pelo jornalista, o sindicato também encaminhou ofício para diversos órgãos, entre eles a Ouvidoria das Polícias, Corregedoria da PM, Ministério Público do Estado de São Paulo e à Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, relatando a situação. Em razão disso, a ouvidoria da polícia pediu abertura de inquérito para averiguar se há irregularidade no comportamento do coronel Telhada. Até o fim da reportagem, não havia nenhuma conclusão sobre a investigação. Na opinião do deputado Protógenes Pinheiro de Queiroz (PC do B /SP), autor do Projeto de Lei nº 1.078/11, que visa federalizar crimes contra jornalistas, a ameaça a André Caramante deve ser apurada, pois se trata de uma forma de censura à imprensa. “Em qualquer hipótese de ameaça à atividade de jornalista e dos profissionais de comunicação, o caso merece ser apurado no âmbito federal, pois representa uma ameaça à democracia e uma mordaça na voz do povo, que são os jornalistas em sua maioria”, revela. CORONEL NEGA Em entrevista exclusiva à IMPRENSA, Telhada começou afirmando não ter problema algum com o jornalista da Folha. “Eu sou um cara da paz. A pessoa fica falando da pessoa errada e depois não quer ouvir a verdade”, afirmou. “Eu acho uma grande covardia, uma grande falta de profissionalismo, o jornalista escrever o que ele pensa e depois se dizer vítima de ameaça”, completa. Ainda assim, o coronel, mais uma vez pelo Facebook, mostrou seu descontentamento em relação ao trabalho do jornalista. Em 15 de julho de 2012, em resposta à matéria “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, o coronel comentou em sua página pessoal. “Acho incrível que um jornal com a envergadura da Folha de S.Paulo mantenha em seu quadro de funcionários pessoas que defendem abertamente o crime, procurando tratar criminosos como suspeitos ou civis, enquanto a população sabe a verdade das coisas.” Após repercussão de suas palavras, o post foi apagado.Ainda que as conversas não tenham acontecido pessoalmente, o jornalista garante já ter falado com o coronel por diversas vezes. “Realmente, nunca nos vimos, mas já nos falamos diversas vezes ao telefone, basta ver algumas matérias que têm aspas dele.” O coronel afirma que jamais ameaçou o jornalista e que as reações aferidas pelo jornal e pelo repórter têm a ver com pessoas que se irritaram com as críticas à corporação, publicadas nas matérias. “Jamais fiz isso, não incentivei ninguém a fazer isso. A população se sentiu irritada com esse cidadão por causa das inverdades que ele vive dizendo e o criticou duramente. Eu não pedi, não incentivei isso e falei o seguinte: ‘As pessoas que se sentiram ofendidas que mandassem um e-mail à Folha de S.Paulo’. E foi o que foi feito. Se alguém o ameaçou, o ofendeu, pode ter certeza de que não fui eu”, completa. O fato é que a situação se tonou insustentável. Em meados de setembro, a Folha de S.Paulo optou por enviar André Caramante, junto de sua família, para destino desconhecido para sua segurança. Ainda que temporariamente, calaram-se as denúncias. *Com Luiz Vassallo

quarta-feira, setembro 19, 2012

Analfabetismo histórico

Hélio Schwartsman - Folha de S. Paulo O movimento negro, bem como outros grupos que tentam reduzir os níveis de intolerância na sociedade, tem toda a minha simpatia. Isso dito, é ridículo o que estão tentando fazer com Monteiro Lobato. Se a iniciativa legal, que já chegou ao Supremo, prosperar, o autor poderá ter parte de sua obra banida das bibliotecas escolares. Não há a menor dúvida de que Lobato se utiliza de expressões que hoje soam rematadamente racistas, como o termo "macaca de carvão", para referir-se à Tia Nastácia. A questão é que estamos falando de escritos dos anos 30, época em que quase todo mundo era racista. E, se há um pecado mortal na crítica literária e na análise histórica, é o de interpretar o passado com os olhos de hoje. "Não sou nem nunca fui favorável a promover a igualdade social e política das raças branca e negra... há uma diferença física entre as raças que, acredito, sempre as impedirá de viver juntas como iguais em termos sociais e políticos. E eu, como qualquer outro homem, sou a favor de que os brancos mantenham a posição de superioridade." Odioso, certo? Também acho. Mas, antes de condenar o autor da frase ao inferno da intolerância, convém registrar que ela foi proferida por Abraham Lincoln, o presidente dos EUA que travou uma guerra civil para libertar os negros da escravidão. E Lincoln não é um caso isolado. Encontramos pérolas racistas em ditos de Gandhi e Che Guevara. Shakespeare traz passagens escancaradamente antissemitas, Eurípides era um misógino e Aristóteles defendia com empenho a escravidão. Vamos banir toda essa gente das bibliotecas escolares? A verdade é que todos somos prisioneiros da mentalidade de nossa época. Há sempre um horizonte de possibilidades morais além do qual não conseguimos enxergar. Aplicar critérios contemporâneos para julgar o passado é uma manifestação de analfabetismo histórico.

sábado, setembro 01, 2012

Tendências/Debates: Verbos que não se ensinam

CLÓVIS ROSSI

Jornalismo é um exercício basicamente simples, que depende da boa execução de apenas quatro verbos: saber ler, ouvir, ver e contar. Se alguém acha que ao menos um desses verbos (o ideal seria que fossem todos) pode ser ensinado em uma faculdade de jornalismo, deve mesmo ser a favor do diploma específico. Quem, como eu, duvida dessa possibilidade só pode ser contra. Eu sou.

Pegue-se o verbo ler, em ambos os sentidos, o mais primário, de alfabetização para compreender palavras escritas, e o mais nobre, o de gosto pela leitura. No primeiro caso, ou se aprende a ler na escola primária ou nunca mais, salvo raros casos de autodidatas.

No segundo, tampouco a faculdade pode ensinar o gosto pela leitura. Ou vem do berço ou se adquire nos primeiros tempos pós-alfabetização.

Como não creio que se possa escrever bem sem ler bastante, depender da faculdade de jornalismo para desenvolver esse gosto só fará o profissional chegar ao mercado de trabalho com um deficit talvez irreparável.

Alguma faculdade pode ensinar a ver? Ou a ouvir? Duvido.

Pode, sim, desenvolver o talento, de todo modo natural, para contar histórias. Mas qualquer faculdade pode fazê-lo, acho.

Pulemos da teoria para os fatos concretos. Ricardo Kotscho não fez faculdade de jornalismo. Nem qualquer outra, a não ser depois que já estava solidamente instalado na profissão. Nada disso o impediu de se tornar um dos melhores repórteres de todos os tempos no jornalismo brasileiro.

Se, quando eu lhe dei o primeiro emprego na chamada grande imprensa (no "Estadão"), já vigorasse a exigência do diploma, o jornalismo brasileiro teria perdido um imenso talento.

Se a obrigatoriedade do diploma valesse nos anos 1960, o jornalismo brasileiro teria ficado sem o gênio de Cláudio Abramo (1923-1987), que foi corresponsável pelas reformas que tornaram o "Estadão", primeiro, e a Folha, depois, os grandes jornais que são.

Abramo não tinha diploma algum. Não obstante, foi convidado pela USP para ministrar curso de aperfeiçoamento para estudantes de pós-graduação. Irônico, não?

Desconfio que boa parte das equipes com as quais Cláudio trabalhou tampouco tinha diploma de jornalista, o que não impediu que fizessem grandes jornais.

Esclareço, antes que alguém suspeite que estou advogando em causa própria, que eu, ao contrário de Kotscho e Abramo, tenho, sim, diploma específico, aliás o único. Mas garanto que aprendi mais, na prática, com gente como Kotscho, Abramo e tantos outros sem diploma do que na faculdade.

Um segundo ponto que me leva a ser contra o diploma específico é a evidência de que nem a mais perfeita faculdade de jornalismo do mundo pode ter um currículo que ensine a seus alunos todos os temas que, um dia ou outro, podem lhes cair sobre a cabeça. Não dá para ensinar agricultura e transportes, tênis e política, legislação e teatro --e por aí vai. Não dá.

Quem pensa em entrar para o jornalismo com um objetivo definido (jornalismo econômico, digamos) deve fazer economia e não jornalismo. Se tiver desenvolvido os quatro verbos-pilares (ver, ouvir, ler e contar), estará mais pronto para a profissão, na área específica, do que se fizer jornalismo.

Último ponto: não entro na discussão sobre a diferença entre profissões (medicina, engenharia, por exemplo) que, mal exercidas, podem matar, e aquelas (jornalismo) que não podem e, portanto, não precisam de diploma específico. Jornalismo pode matar, sim, mesmo que seja moralmente. Mas é de uma presunção absurda supor que só faculdades de jornalismo ensinam ética.

CLÓVIS ROSSI, 69 anos, 49 de profissão, é colunista da Folha. Formado em jornalismo, trabalhou também nos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Jornal do Brasil". É autor dos livros "O que É Jornalismo" (editora Brasiliense) e "Enviado Especial" (Senac)

Tendências/Debates: Que jornalista é esse?

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO

Dizem que o diploma é uma reserva de mercado. Não é. Jornalista vocacionado e com energia para enfrentar profissão tão estressante acaba achando emprego, seja qual for a forma de ingresso na profissão. Jornal sem jornalista nunca vai ter.

Assim, para o profissional, tanto faz ter lei de diploma ou não ter. Já para a nação...

É bom que jornalista tenha sólida formação --sim, com curso superior-- tanto quanto é bom que, para toda profissão, de funileiro a dentista, haja a melhor qualificação possível. Um país se faz com bons profissionais em todas as áreas. Malandragem e jeitinho podem ser engraçados, mas não levam a nada.

Quase 70% da população adulta no Brasil não consegue entender um texto de dez linhas. A universidade brasileira, que devia estar entre as dez melhores do mundo --coerente com nossa posição de 6ª ou 7ª maior economia-- não aparece nem entre as cem. Num país assim, tão atrasado e carente, ser contra escola de jornalismo, qualquer escola, é cinismo ou má intenção.

Argumento muito usado: o decreto que regulamentou a profissão é de 1969, no governo militar, sendo assim "entulho autoritário". Primeiro: a luta pela formação superior do jornalista vinha desde os anos 1930. Segundo: gato que nasce no forno é biscoito ou é gato? Seria o caso então de dinamitar Itaipu, a ponte Rio-Niterói e acabar com a fluoretação da água potável das cidades?

Existe um axioma no jornalismo: notícia deve ser feita com isenção, não envolve opinião de quem escreveu. Opinião o leitor encontra nos editoriais, nos colunistas, nos colaboradores (não jornalistas).

Em 2009, o STF acabou com o diploma --após 40 anos, com resultados tão bons que até mudaram a "paisagem" das redações, com a chegada (hoje hegêmonica) das mulheres, antes excluídas. A sentença foi tão inapropriada que, de certa forma, não "pegou": estudantes, professores, entidades, intelectuais e políticos iniciaram movimento para restabelecer a regulamentação pelo Congresso. Já passou pelo Senado, com mais de 90% dos votos dos presentes. Agora vai para a Câmara, onde deve também ser aprovada.

O STF confundiu liberdade de expressão com regras para exercício de uma profissão. Liberdade de expressão tem a ver com partidos políticos livres, as pessoas poderem se unir em sindicatos e associações, com a porta da Justiça aberta a todos. Nada a ver com requisitos para ingresso numa profissão, como de advogado, jornalista ou médico.

Antes do diploma, os integrantes de uma redação tinham origem em frustrados de outras profissões, estudantes sem rumo, boêmios, poetas (alguns finíssimos) e... braçais das empresas jornalísticas. O jovem entrava no jornal (ou TV) como faxineiro, boy, porteiro. Ia se enturmando, acabava jornalista --principalmente pela porta da fotografia, reportagem policial e esportiva.

Pesquisa de 1997 do Sindicato de São Paulo revelou a existência, a três anos do século 21, de 19 jornalistas sindicalizados --e analfabetos. Um contou sua história para um livro que escrevi: era "chapa" de caminhão, descarregava de madrugada pacotes de jornais. Tornou-se "colega" do motorista, aprendeu a fotografar, virou "jornalista". Dizia que nunca esteve numa escola.

É um perfil diferente do jornalista que veio com a escola de comunicações, com no mínimo 16 anos de estudo, sendo quatro na universidade (com todo aquele agito) e anos de inglês. Uma estrutura cultural e psicológica aparentemente mais forte do que a do ex-carregador de caminhão...

Qual jornalista é melhor para um país que quer um dia ser sério, desenvolvido?

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO, 77 anos, 57 de profissão, é repórter do "Globo Rural" (TV Globo). Formado em jornalismo, trabalhou nas revistas "Realidade", "Quatro Rodas" e na Folha. É autor de "O Gosto da Guerra" (Objetiva) e "Jornalistas 37/97" (Imesp), entre outros

quarta-feira, agosto 29, 2012

Carta de Rodger Hodgson condenando o lançamento do DVD 'Paris'

“Queridos amigos,

Muitos de vocês têm me perguntado sobre o lançamento do DVD Paris, então eu gostaria de escrever diretamente para vocês sobre as últimas novidades. Infelizmente muitas leis, tanto legal quanto moral, foram quebradas e o DVD Paris agora está sendo lançado através de métodos ilegais e antiéticos.

Ele está agora nas mãos de advogados para resolver a disputa legal entre a editora e os rótulos (marcas). Eu não sei qual lado vai ganhar ainda, apesar de eu ter aprendido que na indústria da música geralmente são os advogados que têm a maior parte do rendimento, e não necessariamente aqueles que estão corretos.

O que a Eagle Rock, John, Bob e Dougie (que estão chamando-se de “Parceria Supertramp”), estão tentando fazer é tirar os nossos direitos legais como compositores. Legalmente, um rótulo (marca), precisa de aprovação dos compositores e dos editores para lançar esse tipo de material, e ao invés disso eles estão tentando algum mecanismo e dizendo que não precisam de licença para lançar o DVD.

Compositores têm direitos legais e mesmo assim na indústria da música, eles estão sendo roubados em todos os tipos de formas, e isso tudo torna as coisas ainda mais difíceis para os compositores. O que eles estão tentando fazer agora, alegando que podem tirar os direitos dos compositores e das editoras, pode fazer com que outros rótulos (marcas) façam a mesma coisa com outros compositores e editoras no futuro.

Um amigo meu que é advogado e também editor na indústria da música por mais de 40 anos, tendo trabalhado até no catálogo dos Beatles, disse para mim que nunca ouviu falar de alguém fazendo isso na indústria da música – um rótulo (marca) lançar um DVD sem a aprovação da editora de música e dos compositores. Toda esta questão é muito maior do que esse DVD. Eles não estão apenas tentando tirar os direitos de Rick e eu como compositores, estão também modificando as leis dos direitos autorais, dos compositores, no mundo todo.

Voltando para a primavera e verão de 2011, eu estava trabalhando com a Eagle Rock, em espírito de colaboração para o lançamento do DVD Paris. Eu passei por muitas e muitas horas de revisão para dar a minha opinião artística, e isso foi apenas no início de montar o DVD.

Havia muitas coisas que eu tinha me comprometido com eles, e ainda disse que eu daria a minha aprovação como compositor e outros direitos legais que eu tenho como um dos membros fundadores do Supertramp; eles concordaram por escrito e então eu nunca mais ouvi nada sobre isso.

No verão passado fomos informados de que o DVD foi arquivado devido a problemas de qualidade, verificados por Rick, e ele não aprovou o lançamento. Nós dissemos a Eagle Rock para não lançar o DVD até que tivessem a aprovação da editora musical que representa os compositores - então eu pensei que o projeto estava morto.

Depois de algumas semanas atrás, eu descobri que eles estavam trabalhando o tempo todo nesse DVD, secretamente pelas minhas costas, violando completamente o espírito de colaboração que tinham recebido de mim, até então.

A única razão de eu mesmo já ter recebido uma cópia desse DVD foi porque um fã me avisou sobre o lançamento desse DVD, e eu pedi para a Eagle Rock me enviar uma cópia.

Eu fiquei chocado ao receber o DVD completamente fabricado e produzido antes de eu ter visto o produto! Há toda uma montagem de fotos, materiais de bônus e encarte que eu nunca vi e nunca tive a oportunidade de opinar. Eles estão lançando um produto que supostamente representa todos os cinco de nós, e isso não é verdade. É representado apenas por três de nós.

Bob, John e Dougie estão declarando-se a Eagle Rock como a "Parceria Supertramp" e que o contrato é só entre os três e a Eagle Rock. Se você é um fã de Rick ou de Roger, ou ainda de ambos, então eu suponho que todos vocês vão concordar que isso não é correto; os três não são os compositores das músicas e não podem controlar o catálogo do Supertramp alegando que eu não tenho voz artística, e nem direitos de participar na criação de qualquer produto relacionado ao Supertramp, e mesmo assim ainda usam minhas atuações, minhas imagens e minhas canções.

Receber esse DVD todo embalado no último minuto, feriu a minha integridade. Eles não cumpriram os seus acordos e não honraram os meus direitos como compositor, músico e artista.

Por exemplo, eu queria que as canções fossem corrigidas em relação aos créditos dos compositores, para que fosse esclarecido quem compôs cada música. E, ao invés disso, eles foram tão longe que enterraram os compositores do publico. Não há nenhum crédito sendo dado aos compositores e aos editores na embalagem e no filme, entretanto, está sendo dado crédito aos comerciantes, a empresa de transporte rodoviário e qualquer um usando um terno de macaco. Eles não dando crédito aos compositores, dão a ilusão ao publico de que Supertramp, toda a banda, escreveu as canções, o que não é verdade.

E eles sabem o quanto é importante para eu ser reconhecido como compositor de minhas músicas. Essa é a única coisa que me ajudou a continuar com a minha carreira após o Supertramp.

Eu sei que os três vão dizer que estão fazendo isso para os fãs, mas isso não é o que realmente está ocorrendo. Se fosse realmente pensando nos fãs, eles saberiam que os fãs gostariam de ver os meus créditos no DVD. Isso tudo não é para os fãs ou sobre música. Este DVD é sobre um jogo de poder, é sobre dinheiro, controle, inveja e táticas de negócios escusos na indústria da música e eu não quero ter nada a ver com isso.

Particularmente, eu realmente estava envolvido nesse projeto, porque eu sei que muitos de vocês queriam um DVD daqueles concertos, quando eu estava com a banda (Supertramp). E eu espero que vocês compreendam que, embora eu sempre quis algo assim, eu não posso aprovar um produto que é criado com esse tipo de manipulação e fraude.

A outra razão que eu queria trabalhar no lançamento do DVD era para garantir que to...dos os cinco membros pudessem compartilhar suas experiências daquela turnê, e eu queria ter a certeza de que seria um produto da melhor qualidade possível. Infelizmente, eu também não posso endossar um DVD que tenha deficiências técnicas, imprecisões editoriais e má qualidade.

Então, eu não quero que nenhum fã seja enganado, e para aqueles que quiserem comprar o DVD, eu quero que saibam que esse DVD foi criado de uma maneira ilegal. A banda que você vê tocando no DVD não existe há mais de 30 anos.

Agora é tudo negócio, e parte da indústria da música tem crueldade e traição, assim como qualquer outra indústria pode ter. Essa é uma das razões que eu deixei de viver em Los Angeles e sair do negócio da música, todos aqueles anos atrás. Não é como eu quero viver a minha vida, e não é por isso que eu faço música.

Esta é uma das razões que agora eu estou mais feliz do que nunca, fazendo turnês, do que antigamente - não quero participar da indústria da música e de todas as partes feias do negócio.

Nenhuma gravadora me possui, nenhuma editora me possui, nenhum empresário me possui, nenhum agente me possui. Eu posso ficar fiel a mim mesmo e fazer tournês quando eu quiser, e como eu quiser. Eu posso tocar para 3.000 ou 85.000 pessoas em qualquer lugar. Eu não preciso mais tocar em arenas enormes, o importante é tocar música para ajudar a fazer as pessoas felizes, não importa o tamanho do publico.

Tornei-me um músico quando eu tinha 12 anos. É o que eu amo fazer e é o que eu sei fazer. E eu vou continuar por quanto tempo for possível a viajar pelo mundo, fazendo shows. Para mim, uma das coisas mais importantes como artista, é tocar música para a arte, para a magia que é possível com a música ajudando e elevando os espíritos das pessoas, abrindo seus corações para receber alguma cura e alívio de todos os problemas deste mundo.

Eu quero manter este DVD Paris separado daquilo que eu fui como artista durante todos estes anos, separado das minhas razões de fazer tournês e de tocar música. Eu sei que muitos de vocês queriam saber os meus pensamentos sobre o DVD Paris, de modo que é por isso que eu estou enviando este texto para os sites de fãs e você está convidado a deixar algum comentário lá nos sites.

Para algo mais positivo e edificante, você pode visitar o meu site do Facebook ou o meu livro de visitantes no meu website e ler algumas histórias realmente incríveis e emocionantes de fãs ao redor do mundo. Eu adoro muito todos vocês e estou plenamente ciente de que se não fosse por vocês amarem a minha música ou minhas canções, eu não estaria aqui realizando estas coisas. Ler as histórias e experiências que vocês escrevem sobre os meus shows é a minha inspiração.

Com amor,

Roger

P.S. Você também pode encontrar a minha agenda de turnê no meu website e na página de eventos no meu Facebook - espero que você possa se juntar a mim.”

quinta-feira, agosto 16, 2012

Cota desrespeita inteligência

Fernando Reinach - ESTADÃO.COM.BR Todo professor responsável enfrenta o desafio de lidar com a diversidade dos alunos. Parte da diversidade resulta de diferenças na motivação deles. Enquanto alguns chegam famintos por novos conhecimentos, outros preferiam estar longe da sala de aula. Mas também existe a diversidade dos conhecimentos na mente de cada aluno. Enquanto alguns sabem o suficiente para compreender o conteúdo da aula, outros têm dificuldade ou ainda são incapazes de acompanhar a matéria. Claro que essas duas categorias se entrelaçam. Muitos alunos perdem a motivação por estarem despreparados para acompanhar a aula, outros a perdem pelo fato de a aula não ser suficientemente desafiadora e instigante. O dilema é sempre o mesmo. Ao puxar o ritmo do aprendizado, o professor motiva os preparados, mas aliena os retardatários. Se optar por ajudar os retardatários, perde o interesse dos mais adiantados. Desde o surgimento da escola na sua forma atual, em que muitos alunos são ensinados por um professor, o problema da heterogeneidade das classes tira o sono de docentes dedicados. Esse problema está na origem do ensino seriado, em que alunos da mesma idade e conhecimento são agrupados em uma sala de aula e sua promoção para a próxima série depende do cumprimento de certas metas. Esse mecanismo, que garante um mínimo de homogeneidade, é a mãe dos exames de avaliação, da temida reprovação e das aulas de recuperação, talvez o melhor mecanismo para reduzir a diversidade. Nas cortes europeias, em que os jovens príncipes eram educados individualmente por tutores, esse problema não existia. Mas, assim que o ensino formal foi massificado, mecanismos capazes de organizar alunos em grupos relativamente homogêneos foram desenvolvidos. O custo de desrespeitar essa regra básica é um aproveitamento menor dos alunos e uma diminuição na eficiência e velocidade do ensino. Aprovação automática. Há alguns anos foi introduzida no Brasil a aprovação automática dos alunos, independentemente do conhecimento adquirido. Além de ser uma maneira barata e simplista de isentar o sistema educacional da responsabilidade de dar aulas de reforço e acompanhamento, essa medida aumenta a heterogeneidade das classes, dificulta o trabalho dos professores e diminui a eficiência do ensino. Nossos professores agora têm de motivar, durante uma mesma aula, alunos preparados e despreparados. Mas ninguém reclamou muito. Professores e diretores se livraram da meta básica de todo educador: fazer a maioria de seus alunos aprender, de maneira estimulante, o currículo de cada série. O governo pode mostrar estatísticas de aprovação róseas e os pais se livraram da frustração de ter seus filhos reprovados. O resultado é que a pressão por um sistema educacional melhor foi aliviada. Agora uma nova lei promete aumentar a heterogeneidade entre os alunos das universidades federais. É o sistema de cotas para alunos que estudaram em escolas púbicas. Não há dúvida de que é injusto que toda a população pague pela manutenção das universidades federais e somente os mais ricos, vindos de escolas privadas, ingressem nessas instituições. A questão é saber se as cotas são a melhor solução para essa distorção. Com o novo sistema de cotas, 50% das vagas nas universidades federais serão disputadas por todos os alunos. O restante será disputado por alunos de escolas públicas. Esse novo sistema vai gerar dois grupos de alunos em todas as classes, em cada um dos cursos de todas as universidades federais. Quão diferentes serão esses grupos? Se os melhores alunos da escola pública tivessem preparo semelhante ao dos melhores alunos das escolas privadas, a nova lei seria desnecessária. O alunos da escola pública já ocupariam hoje mais de 50% das vagas. Mas esse não é o caso e metade das vagas será ocupada por alunos menos preparados (mas não menos inteligentes). Basta simular esse tipo de seleção com base nos resultados dos vestibulares passados para verificar quão diferentes serão esses dois grupos. Qual será o efeito dessa medida sobre a qualidade do ensino ministrado nas universidades federais? Como o ensino será ministrado nessas novas classes, em que metade dos alunos será menos preparada que a outra metade? Os professores adequarão o ensino a essa metade, desestimulando os mais preparados, reduzindo o nível de toda a universidade? Ou será que o nível das aulas será mantido, alienando os alunos menos preparados e desencadeando reprovações em massa? Será que os defensores dessa lei acreditam que os professores das universidades federais são tão capazes, motivados e tão bem remunerados que facilmente darão conta desse novo desafio? Ou será que as universidades federais adotarão o sistema que existia nas pequenas escolas primárias do interior do País, em que todos os alunos do curso primário eram colocados na mesma sala, organizados por fileiras. Os de 7 anos numa fileira, os de 8 em outra e assim por diante, enquanto o professor dividia seu tempo entre as fileiras. Qualidade ameaçada. O mais provável é que esse aumento na heterogeneidade diminua a qualidade do ensino nas universidades federais. Só resta esperar que na esteira dessa nova lei não venha a obrigação da aprovação automática nas universidades federais ou um novo programa de cotas que garanta para os alunos egressos dessas universidades 50% das vagas no funcionalismo público. Antes de sancionar a nova lei, o governo deveria visitar diversos programas experimentais financiados pelo setor privado. Muitos desses programas, ministrando aulas complementares nos finais de semana, conseguem colocar até 80% de alunos carentes, vindos do ensino público, nas melhores universidades brasileiras. Isso depois de concorrerem com os melhores alunos do ensino privado. Vale a pena ver o orgulho estampado na face desses jovens. Na minha opinião, as cotas colaboram para a piora do ensino público e são um desrespeito à inteligência e à autoestima dos alunos das escolas públicas. Precisamos não de cotas, mas de um ensino público melhor. O ingresso de 50% de alunos do sistema público nas universidades federais deveria ser uma meta do Ministério da Educação e não mais uma maneira de diminuir a pressão da sociedade por uma educação de melhor qualidade. * BIÓLOGO

terça-feira, julho 17, 2012

São Paulo não comporta eventos gratuitos de grande porte

Eventos gratuitos na cidade de São Paulo com atrações de peso estão se tornando um tormento para organizadores, público e população em geral. O show gratuito da banda inglesa Franz Ferdinand no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, teve cenas dignas de brigas de torcidas organizadas de clube de futebol e policiais militares: pancadaria, bombas de efeito moral e gás de pimenta para conter o tumulto. E por que houve tumulto? Porque teve gente que não conseguiu entrar no parque onde fica o Museu do Ipiranga. Em show gratuito quem chega primeiro e antes entra e fica lá na frente. Quem chega depois não entra – se entra, fica no fundo. Simples assim. No entanto, como já virou rotina na cidade de São Paulo, quem não consegue entrar se sente “lesado” e “traído” e resolve causar tumulto. Em eventos pagos, ainda que tenham razão (caso tenham pago ingresso e não consigam entrar por graves problemas de organização e fraude), os supostos prejudicados jamais têm o direito de quebrar tudo e causar tumulto. A rotina dos que não conseguem entrar de protestar quebrando tudo ocorre em jogos de futebol, casa de show e até no Metrô. Quebrar tudo parece ser a solução para os males diversos de nossa sociedade. Algo não ia bem no Parque da Independência já por volta das 13h30, quando a fila para entrar dobrava a esquina e subia pela rua Bom Pastor até a outra esquina, com a rua dos Patriotas – uma fila de estimados 700 metros. Fãs subiram em árvores e se equilibraram em grades para tentar ver o show do Franz Ferdinand. Outros tentaram invadir pulando as cercas e forçando o portão de entrada, mas foram rechaçados pela Polícia Militar com bombas e gás de pimenta (FOTOS: MÁRCIO FERNANDES/AE) Às 15h30, a fila não parava de crescer e já ultrapassava o portão do Sesc Ipiranga, na mesma rua Bom Pastor. O fechamento dos portões ocorreu por volta de 17h30, quando a PM e os organizadores julgaram que a lotação quase total já tinha sido atingida. Foi o estopim da confusão, com tentativa de invasão, gente forçando o portão de entrada e outros querendo invadir pulando as grades em alguns pontos ao redor do parque. Os policiais não tiveram outra opção a não ser intervir com cassetetes agindo sem cerimônia e gás de pimenta voando sem piedade nos olhos dos fãs que tentavam entrar à força. E, infelizmente, como ocorre em tumultos envolvendo grande contingente de pessoas, os casos de excesso de força e até de violência são corriqueiros – mistura de policiais despreparados para lidar com multidões e problemas na organização do evento, como falta de planejamento. Mas há um terceiro elemento complicador para sabotar as tentativas de controle em eventos desse tipo: a falta de educação de parcela significativa de parte do público. Evento gratuito com atração de peso em local fechado é um convite à confusão, justamente por atrair gente demais – e gente demais disposta a entrar de qualquer jeito, nem que seja para criar confusão. Quando o Parque do Ibirapuera era sede de shows gratuitos promovidos por uma rede de supermercados, incluindo atrações importantes da música brasileira e internacional, foram raríssimos os registros de confusão, justamente por ser um local maior e mais aberto, capa de comportar com folga mais de 120 mil pessoas, como já fora registrado. É assim também no Central Park, em Nova York, e no Hyde Park, em Londres. Eventos desse porte sem que seja necessário pagar em locais estreitos ou fechados são um convite à confusão. Três anos atrás o guitarrista e cantor Lulu Santos encerrou um festival promovido por uma operadora de telefonia no mesmo Parque da Independência. Não houve tumulto, mas teve confusão porque lotou cedo demais. A polícia interveio em um tímido protesto em frente ao portão principal e teve trabalho para conter pessoas que tentaram pular a cerca de ferro em diversos pontos do parque. Na Virada Cultural deste ano também houve problemas em vários locais – nada tão grave como o que ocorreu no Ipiranga no último final de semana. O show da banda norte-americana de heavy metal /hardcore Suicidal Tendencies atraiu um grande público ensandecido na manhã de domingo e ocorreu o que se esperava, pouca segurança, organização falha, muita briga e até mesmo invasão de palco por parte de parcela do público. Por sorte não houve maiores consequências. Na verdade, deve-se agradecer ao vocalista Mike Muir, profissional da mais alta categoria e muito experiente, que percebeu logo como estava o ambiente e tratou de levar o show com fúria e peso, mas com muita serenidade e sobriedade para evitar confusões maiores. Infelizmente é preciso reavaliar a realização de certos tipos de eventos gratuitos em São Paulo. Planejamento corriqueiramente malfeito e público mal educado e pouco afeito a atrações desse tipo estão no topo da lista de contraindicações.

sábado, julho 14, 2012

Joe Bonamassa surpreende e lança mais um ótimo álbum

O workaholic Joe Bonamassa não quer perder tempo. Se não está nos palcos, está no estúdio gravando seus álbuns solo ou com quem for. Além de produzir muito e bem rápido – com bastante qualidade –, encontra tempo para fazer turnês mundiais e fazer participações especiais em shows e CDs de amigos e ídolos. “Driving Towards the Daylight” consegue a proeza de ser melhor do que “Dust Bowl”, de 2011, que já era excelente. Menos blueseiro, tem uma pegada roqueira menos pesada do que o seu trabalho com a superbanda Black Country Communion. Passeia com desenvoltura por gêneros tão diferentes como o country e o folk, além de brincar com o soft rock quase blues em algumas canções. O grande destaque é a faixa-título, que é um épico nos moldes de “Mountain Time”, “Dust Bowl”, “A New Day Yesterday”,“Heartbreaker”, esta com a participação do grande amigo Glenn Hughes (ex-Deep Purple e Black Sabbath, companheiro de Black Country Comunion), além do parentesco com as excelentes “Song for Yesterday” e “Battle of Hadrian’s Wall”, de sua banda com Hughes. Lenta e densa, “Driving Towards the Daylight”tem um refrão bem construído e uma levada bluesy contagiante. Aos 35 anos, se tornou o principal nome do blues rock da atual geração, superando os então gênios precoces Jonny Lang, Kenny Wayne Shepherd e Derek Trucks, que apareceram com tudo nos anos 90, mas não estouraram como se esperava, e nem perto chegaram de aranhar o legado de Stevie Ray Vaughan. Bonamassa é o que mais chega perto disso. “Driving Towards the Daylight”, faixa e álbum, serão os destaques dos dois shows que o guitarrista norte-americano fará no Brasil em 31 de maio e 2 de junho, no Rio e em São Paulo. A se lamentar apenas que este álbum, recém-lançado nos Estados Unidos e na Europa, ainda não tenha data para ganhar uma edição nacional. Por outro lado, há boa notícia neste pacote: a Som Livre, que está dando suporte para a vinda do guitarrista ao Brasil, acaba de colocar no mercado nacional mais um álbum antigo de Bonamassa jpa havia lançado por aqui “Dust Bowl” e “Live at Royal Albert Hall”. “The Ballad of John Henry” é de 2009 e traz o músico mais introspectivo e sombrio, orientado para um blues mais soturno e o folk tradicional. Não é exagero dizer que foi esse álbum que o transformou em uma estrela de primeira grandeza na música pop, extrapolando o cenário do blues. Ficou seis meses no topo das paradas da revista norte-americana Billboard, no segmento blues, embasado em canções ótimas como “From the Valley”, “Happier Times”, “Lonesome Raod Blues” e a faixa-título, e serviu de base para a pedrada que veio em seguida, “Black Rock”, de 2010, mais orientado para o hard rock e para o blues pesado. Foi “Black rock” o ponto de partida para a criação do Black Country Communion, com Glenn Hughes, Derek Sherinian (teclados, exDream Theater) e Jason Bonham (filho de John Bonham, do Led Zeppelin, na bateria). Os últimos dois anos foram intensos para o guitarrista: seis lançamentos com o seu nome chegaram ao mercado. Na carreira solo, lançou “Black Rock” em 2010, “Dust Bowl” no começo de 2011 e o excelente “Don’t Explain” em agosto do mesmo ano, em parceria com a cantora de pop/blues Beth Hart revisitando clássicos do jazz, do próprio blues e da música gospel. Enquanto gravava alucinadamente seus dois álbuns solo mais recentes conheceu o mestre Glenn Hughes. A identificação foi imediata, com o baixista participando dos dois álbuns solo do guitarrista norte-americano. A parceria foi mais além e Hughes o convenceu a montar uma banda de hard rock com pegada dos anos 70, mesclando Led Zeppelin (uma paixão de Bonamassa), blues pesado à la Humble Pie e soul music e funk bem ao gosto de Glenn Hughes. Nascia o Black Country Communion, que gravou dois álbuns entre 2010 e 2011. O sexto lançamento, ocorrido em abril deste ano, é “Live at the Beacon Theatre”, em CD e DVD. “Workaholic? Não, apenas gosto de tocar. Não gosto de desperdiçar tempo jogando golfe ou olhando a paisagem em uma fazenda qualquer. Tempo é música”, disse Bonamassa antes de um show histórico em Nova York, no ano passado. E ele tem toda a razão.

quarta-feira, julho 11, 2012

Pen card, uma alternativa interessante ao CD

Uma notícia importante para quem gosta de músic a teve pouco destaque na grande imprensa. Uma forma alternativa ao CD e a outras mídias físicas de se ouvir/adquirir/armazenar álbuns foi apresentada no final de maio em São Paulo. O texto abaixo é do site da revista Black Card Lifestyle: Adriana Farias – revista Black Card Lifestyle Em um momento em que o mercado fonográfico, os artistas e os fãs se debatem para se ajustar a novas formas de consumo de música na era digital, a companhia brasileira Neo Idea entra na briga e traz uma forma inovadora de se experimentar música. Trata-se do lançamento de um software inteligente que é armazenado em um pen drive em formato de cartão, apelidado de pen card, com 8 cm de comprimento por 5 cm de largura. Ao conectar o sistema em qualquer entrada USB bastará ao usuário fazer um registro online e desfrutar de uma série de opções vantajosas no universo musical. O fã poderá anexar ao seu portfólio a discografia completa do artista que aderir ao software, terá contato direto com ele e com sua agenda de trabalho, além de conseguir atualizar as novidades em música e vídeo ao mesmo tempo em que elas são finalizadas em um estúdio de som, antes mesmo de serem disponibilizadas no mercado. O pen card também terá a funcionalidade de um ingresso magnético, facilitando a compra e a entrada do fã ao show do seu ídolo preferido. Outras vantagens e operacionalidades do produto serão divulgadas em breve e prometem impressionar o futuro usuário desse software. Apresentado em São Paulo, o produto recebeu o aval de Bruno Gouveia, vocalista da banda de rock Biquini Cavadão, do aclamado Dieter Wiesner, manager de Michael Jackson (entre 1996 e 2009) e do cantor luso-francês Lucenzo, e da banda sertaneja Jorge & Matheus. Eles foram os primeiros nomes oficiais a aderirem ao projeto. O pen card do Biquini Cavadão, por exemplo, virá com os discos “1987/2007 – O Melhor” e o novíssimo “Roda Gigante”, além de uma variedade de videoclipes. A ideia é que a discografia completa da banda carioca esteja disponível no software. O mesmo acontecerá com o pen card dos músicos Lucenzo, autor do hit “Danza Kuduro”, e Jorge & Matheus. FOTOS: Divulgação/Vira Comunicação Segundo Alcir Abuchaim, CEO do Neo Idea, antes do produto ser lançado em larga escala ele será distribuído de forma institucional. “Primeiramente vamos entregar os pen cards a um público selecionado – imprensa, rádios e contratantes – com a finalidade de testar a receptividade e fazer possíveis reajustes”, explicou o CEO durante a coletiva. “Na sequência pensaremos na distribuição em massa”. Cada pen card será moldado com os pedidos do artista que aderir ao projeto. A banda Biquini Cavadão, por exemplo, já estima vender o seu software por cerca de R$ 10 a R$ 15 com uma capacidade que pode chegar a 120 GB. “Nós fomos uma das primeiras bandas a entrar na internet e a transmitir as nossas gravações na rede, por isso abraçamos essa ideia”, vibrou o vocalista na coletiva. O pen card trará os arquivos de música e vídeo, respectivamente, no formato MP3, com 320 Kbps, e em HD (high definition). A qualidade dessas extensões é ainda superior as mídias convencionais em CD e DVD. “Essa será até uma maneira de diminuir a pirataria, deixando as pessoas terem essas músicas em um só espaço e com alta qualidade de áudio e imagem”, garantiu Abuchaim. O Neo Idea estuda a possibilidade de um protótipo especial de dois grandes reis: Roberto Carlos, que poderá vir com 67 discos do músico entre ao vivos e raridades, bem como um especial de Michael Jackson. Na coletiva a sensação era de que a ideia poderia logo sair do papel. “Fechamos o pen card do Lucenzo, já o do Michael Jackson estamos pensando em aceitar ou não. Vamos tentar!”, confidenciou Dieter Wiesner, manager do rei do pop. A discussão de novos caminhos para a música ainda é uma batalha que está longe do fim. A chegada decisiva da internet, no começo dos anos 90, quebrou paradigmas e instigou o mercado fonográfico a pensar em novas possibilidades de consumo de música. Qual produto virá ou não a substituir os meios convencionais de experiência musical só o tempo e a volatilidade da era digital poderá dizer.

domingo, julho 08, 2012

O ano dos cinquentenários do rock inglês

Os Rolling Stones não estão fazendo muita questão de comemorar os 50 anos de criação da banda neste ano, tanto é que inventaram uma conversa de que o cinquentenário tem de ser comemorado em 2013, a data verdadeira – Charlie Watts entrou na banda somente no começo de 1963. Mas o fato é que Jagger, Richards, Watts e Wood continuam sendo a banda de rock mais antiga em atividade ininterrupta. Se os Stones fingem não dar boa para a data, outras bandas pretendem comemorar. É o caso do Status Quo, gigante britânico dos anos 60 e 70 que mistura rock pesado e o típico boogie woogie norte americano. Com apenas uma interrupção das atividades entre 1984 e 1986 – a banda chegou a acabar –, o Quo decidiu comemorar seu cinquentenário com a reunião da formação original: Francis Rossi e Rick Parfitt (guitarras e vocais), Alan Lancaster (baixo) e John Coglan (bateria). A última vez que os quatro tocaram juntos foi em 1981, quando do lançamento e turnê do álbum “Never Too Late”, de 1981. A formação atual, no entanto, continuará a coexistir com o agrupamento nostálgico, que vai gravar CD com músicas inéditas e realizar uma turnê inglesa ainda neste ano. Parfitt (esq.), Lancaster e Rossi em ação na Inglaterra no final dos anos 70 Por outro lado, quem tem pouco a comemorar em seu cinquentenário são os Kinks. Outra instituição britânica e também gigante do rock – bem maior do que o Quo –, o grupo está parado desde 1996, depois de mais uma interminável desavença entre os irmãos Ray e Dave Davies. Entretanto, parece que desta vez a coisa é bastante séria, pois desde então os irmãos não se falam. Ray Davies lançou apenas três álbuns nos últimos 15 anos e sempre que pode descarta qualquer tipo de reformulação da banda. Não bastasse isso, diz ignorar o cinquentenário de fundação. Gestado em 1962 e moldado definitivamente em 1964, os Kinks se tornaram os principais cronistas e críticos do cotidiano inglês dos anos 60 e 70. Ray e Dave, acompanhados do baterista Mick Avory (que chegou a tocar por muito pouco tempo no início dos Rolling Stones, para ajudar o amigo Brian Jones até que Charlie Watts decidisse entrar para a banda) e do baixista Pete Quaiffe, eram mestres em criar melodias grudentas e harmonias complexas em composições que mesclavam o pop das emissora de rádio com as tradições folk da canção típica inglesa. As letras de Ray desde cedo se tornaram o diferencial da banda em relação aos então concorrentes diretos – Stones, Who e Animals, todos bebendo direto na fonte do blues e do rhythm and blues. Formação dos Kinks em 1964; Ray Davies é o último à direita; Dave é o segundo da esq. para a dir. Ele foi o primeiro compositor britânico a investir pesada e prioritariamente em pequenas histórias, ora dramáticas, ora irônicas, tudo sempre temperado com um humor tipicamente inglês. Tal fato leva muitos historiadores da música a afirmar que a banda nunca foi tão grande quanto seus concorrentes diretos por ser “excessivamente inglesa”. Apesar disso, Ray Davies e os Kinks criaram uma penca de clássicos dos mais importantes do rock, como “You Really Got Me”, “All Days and All of the Night”, “Tired of Waiting for You”, “Lola”, “Where Have All the Good Times Gone”, “Celluloid Heroes” e muitos outros. Outro monstro inglês também está completando 50 anos da data de sua gestação, embora tal fato cause irritação em seu líder. The Who começou a surgir em 1962 quando o guitarrista Pete Townshend entrou para a banda The Detours, liderada por um guitarrista baixinho e briguento chamado Roger Daltrey. Townshend chegou a tocar em algumas bandas de jazz e em uma delas conheceu um garoto chamado John Entwistle, que tocava instrumentos de sopro e eventualmente guitarra e baixo. Diante da indigência musical dos Detours, Townshend foi tomando conta do pedaço e dois meses depois convidou Entwistle para ser o baixista, após ter convencido Daltrey a muito custo. Tanto Townshend como Daltrey desconversam sobre o assunto cinquentenário em 2012. Ambos consideram 2014 o ano verdadeiro e “oficial” dos 50 anos. Formação original do Who: da esq. para a dir., Daltrey, Moon, Entwistle e Townshend Foi naquele ano que os Detours se tornaram The Who, depois High Numbers para se decidirem por The Who assim que acertaram a gravação do primeiro single e a entrada do baterista Keith Moon, então às vésperas de completar 18 anos, no lugar do cansado e pouco entusiasmado Doug Sanden, que era bem mais velho que os outros integrantes. No meio musical de Londres, dá-se como certa a existência de planos em andamento pelo Who para comemorar com estilo o cinquentenário da banda em 2014, planos esses mantidos em sigilo – daí o mau humor dos integrantes em comentar o suposto cinquentenário neste ano. Seja como for, aparentemente nada indica que o Who esteja planejando algo. Townshend está às voltas com o lançamento de sua autobiografia, adiado para o segundo semestre, e com a ópera-rock “Floss”, que ele não sabe ainda se vai lançá-la em 2013 como obra solo ou da banda. Daltrey, por sua vez, irritado com a parada proposta por Townshend, se uniu a Simon, irmão de Pete e guitarrista de apoio do Who, para estender a turnê europeia e norte-americana que reproduz na íntegra a ópera-rock “Tommy”, clássico do Who de 1969.

quinta-feira, julho 05, 2012

Aos 50 anos, Status Quo reúne formação original

Marcelo Moreira Há bandas que conseguem superar diversos problemas com ajuda preciosa do tempo e conseguem se reconciliar de forma digna e civilizada. Não é o caso do Guns N’Roses, mas se ajusta perfeitamente ao Status Quo, gigante do rock britânicos dos anos 60 e 70 que resolveu comemorar seus 50 anos de fundação reunindo a formação original e clássica. O agora quarteto pretende se reunir após 31 anos para gravar um novo álbum e possivelmente uma nova turnê. A última vez que estiveram juntos em estúdio foi para gravar e lançar o fraco “Never too Late”, em 1981. Francis Rossi (vocal e guitarra), Rick Parfitt (guitarra e vocal), Alan Lancaster (baixo) e John Coglan (bateria) criaram uma mistura peculiar de rock pesado e boogie rock que resultou em milhões de álbuns vendidos nos anos 70, inspirando algumas bandas, como os compatriotas do Foghat, que tendiam mais para o blues. Ao contrário dos Rolling Stones, que estão na ativa ininterruptamente há 50 anos, o Status Quo anunciou sua separação em 1984 após vendas fracas de álbuns naquela primeira metade da década de 80. Parfitt (esq.), Lancaster e Rossi em ação na Inglaterra no final dos anos 70 Surpreendentemente, Rossi e Parfitt ressuscitaram a banda um ano e meio depois para gravar o bem-sucedido – mas nem tão bom – “In the Army Now”, de 1986. A notícia ruim foi a exclusão do baixista e fundador Alan Lancaster, ainda atritado com os então ex-amigos. Sua ausência no retorno foi motivo de muita mágoa por parte do baixista nos últimos 25 anos. Curiosamente, após anunciar o retorno da formação clássica para um novo álbum e uma nova turnê, Rossi disse que a formação que atualmente está com banda – John “Rhino” Edwards (baixo, guitarra e vocais), Matt Letley (bateria) e Andy Bown (guitarra e teclados) – não seria dissolvida. A ideia é manter as duas formações na ativa, embora não tenha dado nenhum detalhe de como pretende operacionalizar tal “coexistência”. Embora a música “Rockin’ All Over the World” seja talvez o seu grande sucesso contemporneo, ao lado de “Whatever You Want”, os seis primeiros álbuns do Status Quo são considerados clássicos do rock. São eles “Picturesque Matchstickable Messages” (1968), “Spare Parts” (1969), “Ma Kelly’s Greasy Spoon” (1970), “Dog of Two Head” (1971), “Piledriver” (1972) e “Hello!” (1973). Parte expressiva dos fãs, porém considera “Blue for You”, de 1976, como o seu melhor e mais pesado álbum.

segunda-feira, julho 02, 2012

A luta de quem ainda consegue vender CDs e DVDs novos em lojas de rua

Comprar toca-discos hoje virou uma missão quase impossível. Se você não for DJ ou mero tocador de LPs/DJs, que precisa de equipamento especializado, então encontrar uma pick-up legal para ouvir velhos discos vinil é muito difícil – só em lojas muitíssimo especializadas ou antiquários da região das ruas Santa Ifigênia ou Teodoro Sampaio, em São Paulo. Comprar CDs em loja de rua também se tornou uma tarefa inacreditável de difícil. Se não há tempo para ir em locais especializados ou “clusters”, como a Galeria do Rock e o Espaço Nova Barão (a Galeria do Rock B), ambas em São Paulo, ficou difícil. Um endereço caro aos amantes de música paulistanos, o Nuvem Nove, na rua Clodomiro Amazonas, no Itaim-Bibi, fechou as portas há uns três anos, e desde então quase todo mundo acha que as lojas de CDs ou de “música” hoje se restringem às megalivrarias, como a Fnac, a Saraiva-Siciliano e a Cultura, ou na Galeria do Rock. Quem permanece no ramo teve que aprender a oferecer serviços especializados para segurar a clientela, que caiu 50%, em média. E esses lojistas continuam planejando novidades para manter o faturamento, que varia entre R$ 50 mil e R$ 100 mil mensais. Nos últimos dez anos, o empresário Marco Aurélio de Melo, de 43 anos, desativou três de suas quatro lojas de CDs e DVDs na capital. Permanece com a Music Shop, no Shopping Eldorado, zona oeste. Sem deixar de vender títulos populares, seu diferencial são importados, raridades e clássicos que agradam aos colecionadores, sempre acima dos 30 anos. Marco Aurélio Melo, da Musical Shop, se define como um ‘personal music’ (FOTO: JB NETO / AE) “Eu me tornei um ‘personal-music’”, diz. Ele sabe explicar em detalhes cada um dos produtos que vende. “Meus clientes consideram a música uma cultura maior. Têm coleções com milhares de CDs. E nenhuma paciência para esperar uma faixa baixar no computador.” Seu desejo futuro é abrir um local com espaço para pocket shows e cafeteria. Mas eis que um empresário teimosos ainda resiste em uma área das mais nobres de São Paulo. Alain Cohen está há 34 anos vendendo música de qualidade na praça Vilaboim, em Higienópolis, a poucos metros da cara faculdade Faap e rodeado de restaurantes chiques, além da igualmente chique padaria Barcelona e de milhares de condomínios de alto e altíssimo padrões. A Musical Box é um oásis de cultura e inteligência – em frente há uma interessante livraria, que infelizmente diminuiu bastante de tamanho; Não há nada de pagode ou axé, muito menos sertanejo (eu pelo menos não vi, mas não fiz muita questão de ver). Há muitos títulos importados de jazz, rock e blues da melhor qualidade, uma área considerável dedicada à música erudita e um acervo admirável de MPB e música instrumental brasileira, com variedade e títulos difíceis de serem encontrados nas “megastores”. Alain Cohen, da Music Box É um endereço conhecido por poucos, frequentando na maioria por homens de 30 anos, das classes média e alta, ou por profissionais ligados às áreas de educação, cultura e comunicações. De vez em quando o local fica um pouco bagunçado com a chegada de mercadorias, mas nada que incomode. Não deixe de dar uma olhada nas diversas caixas de todos os estilos. Seus preços são salgados, mas isso faz sentido: virou um local especializado, que vende mercadorias bem difíceis de encontrar. A balzaquiana Woodstock, lendário endereço roqueiro do centro de São Paulo, ainda permanece por ali, na rua Dr. Falcão, pertinho do Vale do Anhangabaú. O batalhador Walcir Chalas, dono da loja e ex-radialista, mantém a chama há mais de 30 anos e chegou a vender mais roupas e camisetas com motivos de rock do que música propriamente durante algum tempo. Muita gente acha que loja não vende mais CDs e DVDS. E não vende mesmo. Hoje a Woodstock é especializada em vinis de todos os tios, até mesmo os importados de 180 g, caros e maravilhosos. Além dos nomes mais importantes do rock, ainda há algumas raridades por ali, a preços bem interessantes. Walcir Chalas, da Woodstock Discos Quem seguiu pelo mesmo caminho foi a lendária Metal, que ainda resiste na esquina das ruas Elisa Fláquer e Álvares de Azevedo, em Santo André. Ainda sob a batuta de Jean Lazare Gantinis, há 28 anos vendendo CDs, LPs, camisetas e até instrumentos musicais – divide a atenção com a banda de hard rock Montanha, da qual é guitarrista. Como o nome diz, a predominância é de heavy metal. Depois do desaparecimentos das lojas CD Store, na cidade e na vizinha São Bernardo, passou a ser o grande ponto de encontro dos roqueiros de todo o ABC – fato que a transformou também importante local de venda de ingressos para shows musicais na região e também em São Paulo. Independente do gosto musical do consumidor, a Metal é um local onde se respira música o tempo todo, ou seja, é um lugar onde nos sentimos muito bem. Jean e seus funcionários, entre eles os filhos igualmente roqueiros, são extremamente informais e bem humorados . É um local imperdível e bem agradável. Na vizinha São Bernardo ainda resiste no bairro Rudge Ramos a Merci Discos, que chegou a ter uma filial no shopping Metrópole, no centro da cidade. Com apenas um quinto do tamanho original, vende de tudo, com ênfase no rock, que é a paixão dos proprietários e dos funcionários. Continua ali na esquina da avenida Rudge Ramos com a praça onde fica a Igreja Matriz de Rudge Ramos. Os preços são um pouco mais altos, por motivos óbvios, do que os das megastores de shoppings, mas há vantagens que compensam: atendimento personalizado, conhecimento alto sobre os produtos que são vendidos e a possibilidade de fazer encomendas. Ainda conserva a aura de loja de bairro, mas com bom atendimento e produtos de qualidade, especialmente no rock e no jazz. E também no ABC fica outro pilar da resistência da venda de música em lojas de rua. A Rick Discos continua firme e forte no centro de São Caetano, rua Conde Francisco Matarazzo, nº 67, sala 8, depois de um período hibernando. Rick and Roll, o dono, é figura lendária na região, tendo promovido diversos festivais de rockabily e apoiado centenas de bandas e shows de rock. Respeira rocn’n roll e adora uma boa conversa. Se alguém conhencer mais um desses heróis que continuam vendendo mísica de qualidade em endereços físicos, na rua – e que não sejam “sebos” -, publique o nome e endereço nos comentários destinados a esta reportagem. Esses cidadãos merecem o nosso reconhecimento – e nosso eterno agradecimento.