Espaço coordenado pelo jornalista paulistano Marcelo Moreira para trocas de idéias, de preferência estapafúrdias, e preferencialmente sobre música, esportes, política e economia, com muita pretensão e indignação.
sexta-feira, janeiro 03, 2014
Pesquisa investiga mudanças no jornalismo e no perfil do jornalista
Jussara Mangini
Agência FAPESP – As transformações ocorridas nos meios de comunicação, por meio das novas tecnologias e da cultura de convergência midiática, impactaram profundamente os processos de produção do jornalismo e, consequentemente, o perfil do jornalista. A conclusão é de uma pesquisa que avaliou o perfil do jornalista e as mudanças em trabalho.
“Os produtos jornalísticos impressos, televisivos ou radiofônicos são feitos de maneira completamente diferente do que há cerca de 20 anos”, disse Roseli Fígaro, coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
Responsável pela pesquisa “O perfil do jornalista e os discursos sobre o jornalismo: um estudo das mudanças no mundo do trabalho do jornalista profissional em São Paulo”, que teve apoio da FAPESP, Fígaro destaca que uma série de funções desapareceu da rotina do métier do jornalista.
“O tempo e o espaço, comprimidos pelas possibilidades das tecnologias de comunicação e de informação, foram assimilados nos processos de produção de modo a reduzir o tempo para a reflexão, a apuração e a pesquisa no trabalho jornalístico. O espaço de trabalho encolheu e ao mesmo tempo diversificou-se, transformando as grandes redações em células de produção que podem ser instaladas em qualquer lugar com internet e computador. O jornalismo on-line, em tempo real, os blogs e as ferramentas das redes sociais são inovações nas rotinas profissionais”, disse à Agência FAPESP.
No estudo, concluído em 2013, um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho, orientado por Fígaro, buscou saber o que essas transformações representam em termos de mudanças no perfil do profissional e o que o jornalista pensa sobre o próprio trabalho e sobre o jornalismo. O trabalho é resultado da análise das respostas de 538 jornalistas. Os dados também estão no e-book As mudanças no mundo do trabalho do jornalista (Editora Salta), lançado no segundo semestre de 2013.
Os 538 jornalistas pesquisados são de São Paulo – estado que abriga mais de 30% dos profissionais brasileiros da categoria – e foram consultados em duas fases metodológicas: a quantitativa, com o uso de um questionário fechado de múltipla escolha, e a qualitativa, com entrevista face a face com roteiro de perguntas abertas, e grupo de discussão, com roteiro dos temas mais polêmicos encontrados pelos instrumentos anteriores.
Quatro grupos amostrais responderam os questionários em diferentes períodos: dois grupos em 2009 – um formado com 30 jornalistas de diferentes mídias e vínculos empregatícios, selecionados de maneira aleatória via rede social, e outro constituído por 340 associados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, também de diferentes mídias, vínculos e funções.
Um grupo de 90 jornalistas freelancers (sem vínculo empregatício), trabalhando em diferentes mídias, foi consultado em 2010. E um outro grupo de 82 jornalistas de uma grande empresa editorial da capital paulista também compôs a amostra, como fruto de uma pesquisa anterior, realizada em 2007.
Para a fase qualitativa – com entrevista individual de 20 jornalistas e discussão em focus groups, em duas sessões, com 16 jornalistas no total – foram selecionados 36 dos 538 jornalistas que responderam os questionários na fase quantitativa.
De forma geral, a maioria dos jornalistas tem um perfil socioeconômico de classe média, é jovem (até 30 anos), branca, do sexo feminino, não tem filho, atua em multiplataformas e tem curso superior completo e especialização em nível de pós-graduação. Outras características comuns são a carga horária de trabalho – de oito a dez horas por dia – e a faixa salarial de R$ 2 mil a R$ 6 mil.
O predomínio feminino coincide com os dados divulgados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que, no fim de 2012, registrou que os jornalistas brasileiros eram majoritariamente mulheres brancas, solteiras, com até 30 anos. Apenas no grupo dos sindicalizados, que reúne os profissionais com a faixa etária mais elevada e maior tempo de profissão, observou-se predomínio masculino.
Precarização dos vínculos empregatícios
A reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho, principalmente a partir dos anos 1990, transformou as relações de trabalho, afirma a pesquisadora na introdução de seu livro. Foi a partir dessa década que aumentou o número de jornalistas contratados sem registro em carteira profissional, abrindo caminho para novas formas de contratação, como a terceirização, contratos de trabalho por tempo determinado, contrato de pessoa jurídica (PJ), cooperados e freelancers, entre outros.
A chamada “flexibilidade” acaba por transferir aos trabalhadores o peso das incertezas do mercado. “Como mão de obra maleável seja em termos de horário, de jornada de trabalho ou de um vínculo empregatício, esses profissionais não podem planejar suas vidas em termos econômicos nem em termos afetivos”, disse Fígaro.
Os freelancers trabalham em período integral, para vários lugares, sozinhos em casa. Começam a pensar como empreendedores, aplicam os conhecimentos do jornalismo em outras atividades, como na revisão de trabalho acadêmico ou até na venda de pacotes de assessoria de comunicação para políticos.
Os mais jovens e os freelancers são os que menos conseguem planejar sua vida pessoal em relação à profissional fora do curto prazo, de acordo com a pesquisadora. “Trabalham hoje, para consumir hoje e não sabem como será seu trabalho no ano seguinte. Imagino que isso cause grande parte do estresse na vida do indivíduo”, afirmou Fígaro.
A pesquisa também verificou que as novas gerações se sindicalizam menos. Uma possível explicação para isso, segundo Fígaro, é que os profissionais que vivem instabilidade financeira e têm dificuldade em se relacionar com o mundo do trabalho não vislumbram soluções coletivas – como sindicalizar-se ou organizar-se para pleitear melhores condições de trabalho –, mas sempre em saídas individuais como, por exemplo, arrumar mais um emprego.
“Possuem um perfil profissional deslocado de valores coletivos, são individualistas e muito preocupados com o negócio. Vão em busca do cliente e consideram a informação um produto.” Ela ressalta, no entanto, que isso não quer dizer que o jornalista não esteja preocupado com causas da coletividade ou da sociedade, mas que há uma busca individual de soluções.
Os profissionais da área sabem que uma característica comum é a alta rotatividade de emprego: muda-se muito de uma empresa ou veículo de comunicação para outro. Na avaliação de Fígaro, “se por um lado, a experiência pode enriquecer o profissional, por outro é sempre um começar de novo, um novo que não é tão novo, porque se fica no mesmo nível hierárquico”.
De acordo com ela, é exigida hoje do jornalista atualização constante no uso de ferramentas digitais de prospecção, apuração e edição de informações. É fundamental ter habilidades e competências que permitam a atuação em diversas plataformas – impressa, tevê, rádio, internet – e em diferentes linguagens – verbal, escrita, sonora, fotográfica, audiovisual, hipertextual. “Exigem-se ainda noções de marketing e de administração, visto que se prioriza a visão de negócio/mercadoria já inserida no produto cultural, por meio do tratamento dado às pautas e à segmentação de públicos”, disse Fígaro.
Diferenças entre gerações
Enquanto os mais jovens estão fora das redações, em trabalhos precarizados, os mais velhos migram para a coordenação das assessorias de comunicação.
A coordenadora do estudo comentou que há casos muito conflituosos de desrespeito e intolerância tanto em relação ao profissional mais velho, quanto em relação ao jovem muito tecnológico, sem experiência. “As empresas, no afã de mudar sua cultura e dinamizar os interesses de seu negócio, quebram uma regra muito importante no mundo do trabalho: a transferência de saberes profissionais de uma geração para outra. Isso traz danos não só para a empresa, mas para toda a sociedade. Há um custo social a pagar por isso”, avaliou Fígaro.
Há diferença entre o que significa ser um bom jornalista hoje em relação a 20 anos atrás? “Jornalistas trabalham com os discursos da sociedade. Devem, portanto, compreender as implicações disso: discurso é produção de sentido; e produção de sentido é tomar posição, é editar o mundo e disponibilizar essa edição para quem estiver interessado nela.”
De acordo com a pesquisadora, hoje é preciso maior destreza com tecnologias que não existiam. Os jornalistas tinham menor destreza anteriormente? Não, na opinião de Fígaro. “Ser multitarefa e multiplataforma são exigências que colocam em ação habilidades humanas diferentes; e trazem implicações profissionais diferentes.”
Sob esse aspecto, os profissionais apresentam no discurso preocupação com a ética jornalística, com a apuração, com o texto, com a qualidade e a idoneidade das fontes. “Mas eles também têm claro que o tempo da racionalidade produtiva da mídia é o algoz do bom jornalismo. Destaco que esse tempo não é o tempo da vida cotidiana. É o tempo da produção comercial do produto notícia”, ressaltou Fígaro.
Formação profissional
Da amostra total, cerca de 5% não têm ou não concluíram o ensino superior. A absoluta maioria possui nível superior e, em média, 65% deles têm curso de especialização em nível de pós-graduação.
A mudança operacional é tão evidente que os cursos de jornalismo ganharam na última década teor ainda mais técnico-prático e operacional; fato que, na opinião da pesquisadora, não deveria se contrapor à preocupação com a ampla formação cultural e humanística do futuro profissional. “No entanto, é isso que vem acontecendo, inclusive com o aval do cliente/aluno, visto que a maioria dos jornalistas da pesquisa se formou em faculdades privadas.”
Outra característica marcante é que o jornalista começa a trabalhar muito cedo. Antes mesmo de concluir a faculdade, é incentivado a conquistar logo um posto de trabalho na área. Fígaro percebeu que há até um certo desprezo pela faculdade, como se o necessário fosse somente a formação técnica conquistada no âmbito do trabalho. “Essa discussão é complexa. O trabalho nunca é só técnica, norma, prescrição de uma empresa para a produção de determinado produto. Para o trabalho mobiliza-se um conjunto de saberes amplos que vão da gestão de si próprio e suas habilidades, à gestão das normas, dos relacionamentos, das linguagens etc.”
Na avaliação dos pesquisadores, parte dos profissionais da amostra teve uma formação “débil” no que diz respeito à capacidade de inter-relacionar fatos, dados e acontecimentos de maneira contextualizada política, social e historicamente. “Na verdade, é essa capacidade que considero como conhecimento fundamental para o desempenho da profissão”, disse Fígaro.
Produção de conteúdo
Os autores da pesquisa destacam o quanto o processo de seleção, análise e interpretação das informações, que são de fácil acesso hoje, ficou mais complexo e exige maturidade intelectual, profundo compromisso com a ética jornalística e com os fundamentos da produção do discurso jornalístico. Porém, lamentam que “o limite e a separação entre as orientações da redação de um veículo de comunicação e a área comercial da empresa, antes tão fundamentais para a credibilidade do exercício profissional, hoje sequer fazem parte do repertório das novas gerações”.
Os jornalistas da empresa editorial pesquisada consideram os meios de comunicação o negócio mais promissor do mundo globalizado e um negócio como outro qualquer. O grupo de jornalistas selecionado nas redes sociais se divide sobre o papel dos meios de comunicação – para uns, é um instrumento de fazer política, cultura e educação e, para outros, trata-se de um negócio como outro qualquer. Os sindicalizados e os freelancers consideram os meios de comunicação um instrumento de informação, cultura e educação.
No que diz respeito à opinião dos jornalistas sobre o “valor” da informação, apenas os profissionais do grupo dos sindicalizados a veem como um direito do cidadão. Os demais a consideram um produto fundamental da sociedade.
Dessas questões derivam outras em relação ao tipo de jornalismo que o cidadão deseja e daí qual o engajamento profissional necessário. “Está em jogo que tipo de democracia se quer construir, pois o direito à informação é o alicerce de uma sociedade democrática”, disse Fígaro.
Para a pesquisadora, falta a compreensão de que o jornalista é o profissional que trabalha com os discursos das diferentes instituições e agentes sociais para devolvê-los aos cidadãos, de maneira compreensível. “A informação é um direito humano, consagrado pela nossa Constituição e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Hoje, grande parte dos jornalistas encara a informação como uma mercadoria como outra qualquer e, em minha opinião, aí está o problema.”
Consumo cultural
A maioria dos jornalistas pesquisados lê jornais todos os dias; quem menos lê, no entanto, são os freelancers. Todos os grupos afirmam assistir à televisão todos os dias. Parte da mostra também ouve rádio todos os dias. A internet, mais do que outros meios de comunicação ou de comunicação interpessoal, é o meio pelo qual todos ficam sabendo das notícias mais importantes, fazem compras, estudam, trabalham e pesquisam.
Ainda assim, o que o jornalista mais segue nas mídias sociais é a mídia tradicional e grandes veículos de comunicação e a busca, geralmente, está mais ligada ao trabalho do que à obtenção de informação em si.
Todos os grupos gostam de ler, ir ao cinema, boa parte vai ao teatro. Nas horas vagas, alguns vão à academia de ginástica e outros não vão a lugar algum.
Para os autores da pesquisa, o maior crédito que atribuem ao estudo e ao e-book, além dos dados levantados, é provocar nos jornalistas um debate sobre a profissão.
A DOENÇA INFANTIL DO ESQUERDISMO ANTIMÍDIA
Ethevaldo Siqueira
Li Eugênio Bucci no Estadão de hoje e Gabriel Priolli em seu blog. Considero-me amigo de ambos e não tenho por que fazer nenhum ataque pessoal – como é regra geral deste Facebook. Confesso-lhes que me irrita profundamente os ataques sistemáticos que a esquerda brasileira – em especial o PT e seus aliados – faz à chamada “grande mídia”, acusada de ser um partido de oposição ou, pior, de um partido “golpista”.
Bucci diz com grande dose de acerto que, no Brasil, nossa imprensa, “é preponderantemente de direita e, muitas vezes, apresenta falhas de caráter, algumas inomináveis, mas nunca se perfilou com a organicidade de um partido político”. Eu acrescentaria: “como em qualquer outro país do mundo”. E perguntaria: “Que esperar da maioria da mídia de um país de economia capitalista? Que fosse de esquerda?”
A rigor, a grande mídia não é “de direita”, do ponto de vista ideológico, mas, sim, “conservadora” – como nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, no Japão e na maioria esmagadora dos países. Nos Estados Unidos, a mídia mais conservadora se alinha aos governos republicanos. A menos conservadora, lá chamada de “liberal” (designação que, nos Estados Unidos, define as posições reformistas e mais à esquerda) apoia majoritariamente os governos democratas, ou seja, do Partido Democrático.
E vale notar que, historicamente, aqueles que sempre se opuseram aos conservadores são chamados de liberais – exatamente no sentido que esses partidos e seus seguidores têm nos EUA ou na Inglaterra. Outra coisa completamente diferente é o liberalismo econômico.
Há no Brasil uma esquerda hidrófoba que realmente destila ódio contra a mídia brasileira e ameaça com frequência submetê-la ao “controle social”. Não considera ainda que as redes sociais da internet – num país com mais de 100 milhões de internautas – começam a ter um peso significativo, embora ainda aos trancos e barrancos, grupos de esquerda e tropas de choque sabidamente pagas para difamar, caluniar e demonizar todos os que denunciam a corrupção nos governos petistas. É claro que há honrosas exceções, entre portais e blogs de qualidade.
Um argumento de Gabriel Priolli é significativo ao dizer que “somente o caso do Cartel do Metrô, falcatrua que envolve valores dez vezes maiores que o Mensalão, (...) está longe de ser tratada como “o maior escândalo de corrupção do pais” – assim como “está longe de ser minimamente noticiada”. Uma coisa não justifica a outra, Gabriel. E um escândalo não se mede pelo valor do dinheiro público desviado. Seja de R$ 150 milhões como o mensalão ou de supostos R$ 900 milhões como o da Siemens-Alstom-PSDB.
O ex-secretário nacional de Justiça do governo Lula, Romeu Tuma Júnior, tem posição mais equilibrada do que a maioria dos petistas e tucanos que eu conheço. Leiam seu livro – Assassinato de Reputações – e reflitam nas acusações que ele faz à politização da Polícia Federal e ao próprio Ministério Público. Essas duas entidades – diz Tuma Jr. – têm alas petistas e tucanas que acabam engavetando denúncias contra medalhões seus líderes, como exatamente, ocorreu no caso do escândalo dos trens paulistas.
Estou terminando de ler o livro de Tuma Jr. Assim que finalizar a leitura, prometo fazer uma resenha sobre seu conteúdo. Antecipo apenas uma opinião de caráter geral a todos aqui: acho que petistas e tucanos devem lê-lo e levar em conta as denúncias, os fatos e as situações vividas pelo policial.
E não estou discutindo as mais desmoralizantes referências que ele faz contra o Barba – apelido de Lula nos tempos do Dops, em que, segundo Tuma, o líder sindical de São Bernardo foi o grande informante da polícia política, nos tempos da ditadura. Acho que a palavra está agora com Lula para defender-se. Não estou discutindo a execução do prefeito Celso Daniel, de Santo André, em 2002 – que Tuminha atribui como estudioso do processo policial ao PT. Aliás é estranho que os petistas honestos – que os há, creio – não busquem a verdade a fundo nesses crimes políticos, da eliminação de Celso Daniel e de Toninho de PT, prefeito de Campinas.
Como se compõe a mídia?
A esquerda não percebe a diversidade da mídia brasileira – que não se compõe apenas de jornais, revistas, rádios e TVs – aí incluídos os maiores veículos, como Folha de S. Paulo, Estadão, O Globo, Veja e Época, redes de TV, como Globo, Band, Record, SBT, RBS e outras – mas também revistas como posições muito diferentes, como Carta Capital, e revistas mais governistas como Carta Capital, ou independentes IstoÉ, como Piauí, Brasileiros, e veículos nanicos chapas-brancas, sustentados por partidos de esquerda ou publicidade estatal, como Vermelho, dois blogs famosos de coleguinhas nossos 22 emissoras públicas de TV, estatais, educativas e mais de 3.000 emissoras de rádio com as opiniões mais diversificadas, controladas majoritariamente, por políticos governistas, espalhadas pelo País. Que “pensamento único” poderá unir essa fauna tão diversa?
E notem que as 3.000 emissoras de rádio brasileiro (AM e FM) entram em rede nacional obrigatória toda noite, de segunda a sexta-feira, das 19 às 20 horas (horário de Brasília), no melhor estilo fascista do do Estado Novo, com um programa obrigatório de noticiário puramente chapa branca, governamental, criado em 1935.
Discordo de forma total mas com o maior respeito dos dois últimos parágrafos do artigo de Gabriel Priolli (http://gabrielpriolli.com.br/a-imprensa-de-lado/). Ele diz que “são reais, completamente reais, as bases da cobrança ao “partidarismo” da imprensa.” E nega que se trate “da doença infantil do esquerdismo manifestando-se contra uma valorosa ferramenta da democracia, senão da ressurgência e agravamento da doença crônica do sectarismo na mídia, comprometendo a própria saúde da democracia”.
Quem tem sido mais sectário do que os críticos da mídia, inconformados com a denúncia de corrupção dominante nos governos petistas? Isso é, sim, a doença infantil do esquerdismo, que fecha os olhos a tudo que a mídia diz contra o governo. Prefiro dar mais crédito ao que dizem a ex-petistas, como Hélio Bicudo – o advogado que enfrentou o Esquadrão da Morte. Ou o próprio Eugênio Bucci, que conheceu por dentro os critérios políticos e éticos do governo Lula, na área da comunicação.
Priolli diz que “o Brasil não vai às mil maravilhas, certamente, embora haja muito do que ufanar-se, nas conquistas de anos recentes”. Essa é toda a avaliação do Brasil depois de 12 anos de governos petistas?
Eu gostaria que meu colega e jornalista dissesse que temos os muita corrupção, uma política tributária escorchante que nos leva quase 40% do PIB (equivalente às da Escandinávia) e nos devolve serviços públicos de padrão africano. Uma educação das piores do mundo. Saúde pública que desespera milhões. Transportes públicos que degradam e rebaixam o ser humano ao nível de animais. Segurança pública que apavora o cidadão honesto e trabalhador. Uma burocracia que destrói a competitividade nacional. Precisa mais?
Por que não estudar, não ler, não analisar os dois lados da história, não dizer toda a verdade? Dessa forma, não ficaremos nas mãos da imprensa que “relativiza ou esconde os malfeitos dos opositores dos petistas” – como diz Priolli.
Um de meus desafios a petistas e tucanos é simplesmente este: Vamos apurar a fortuna pessoal de todos os ex-presidentes e ex-governadores? A começar de Collor, Sarney, FHC e Lula. Mas é preciso ir a fundo nessa apuração, inclusive em parentes até terceiro grau e “laranjas” conhecidos?
Vamos exigir a apuração rigorosa de todos os escândalos dos trens paulistas, da fortuna do Lulinha, dos donos do Friboi, do mensalão tucano. Tudo isso para que ninguém contraponha sentenças do STF decididas por maioria, numa corte com 9 ministros escolhidos por governos petistas.
Que tal, amigos. Vamos acabar com essa eterna desculpa de dizer que a culpa é da imprensa, aliás, como todos os governos corruptos fazem? Ou que “eles também fazem o mesmo”. Ou “não roubamos para nosso bolso, mas fizemos apenas caixa-2 para nosso partido, nosso projeto de poder”.
segunda-feira, dezembro 30, 2013
Dos que tanto amam odiar a imprensa
EUGÊNIO BUCCI - O Estado de S.Paulo
Primeiro, eles acusavam a imprensa de ser um "partido de oposição" e pouca gente se incomodou. A acusação era tão absurda que não poderia colar. Numa sociedade democrática, relativamente estável e minimamente livre, os jornais vão bem quando são capazes de fiscalizar, vigiar e criticar o poder. O protocolo é esse. A normalidade é essa. Logo, o bom jornalismo pende mais para a oposição do que para a situação; a imprensa que se recusa a ser vista como situacionista nunca deveria ser atacada. Enfrentar e tentar desmontar a retórica do poder, irritando as autoridades, é um mérito jornalístico. Sendo assim, quando eles, que se julgavam aguerridos defensores do governo Lula, brandiam a tese de que a imprensa era um "partido de oposição", parecia simplesmente que os jornalistas estavam cumprindo o seu dever - e que os apoiadores do poder estavam simplesmente passando recibo. Não havia com o que se preocupar.
Depois, as autoridades subiram o tom. Falavam com agressividade, com rancor. A expressão "partido de oposição" virou um xingamento. Outra vez, quase ninguém de fora da base de apoio ao governo levou a sério. Afinal, os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão não se articulavam nos moldes de um partido: não seguiam um comando centralizado, não se submetiam a uma disciplina tipicamente partidária, não tinham renunciado à função de informar para abraçar o proselitismo panfletário. Portanto, acreditava-se, o xingamento podia ser renitente, mas continuava sendo absurdo.
Se os meios de comunicação tivessem passado a operar como partido unificado, com o intento de sabotar a administração pública, o que nós teríamos no Brasil seria um abalo semelhante ao que se viu na Venezuela em 2002. Ali, houve um conluio escandalosamente golpista dos meios de comunicação que, por meio de informações falsificadas, tentou derrubar o presidente Hugo Chávez, eleito democraticamente havia pouco tempo. Por fortuna, a quartelada mediática malogrou ridiculamente. Por escassez de virtú, Chávez passaria todo(s) o(s) seu(s) governo(s) se vingando das emissoras que atentaram contra ele.
No Brasil, não tivemos nada parecido. Nossa imprensa, convenhamos, é preponderantemente de direita e, muitas vezes, apresenta falhas de caráter, algumas inomináveis, mas nunca se perfilou com a organicidade de um partido político. Por todos os motivos, a acusação continuava sem pé nem cabeça.
Mas o fato é que começou a colar e o cenário começou a ficar esquisito. Agora, as inspirações até então submersas daquela campanha anti-imprensa afloram com mais nitidez. Era um recurso para dar tônus à disposição dos cabos eleitorais (de muitos níveis), para inflar o ânimo dos militantes de baixo e para inflar o ego dos militantes de cima. Agora, chegamos ao ponto de dizerem que os repórteres deram de ombros para a cocaína encontrada no helicóptero da família do senador Zezé Perrella (PDT-MG) porque ele, embora esteja filiado a um partido da base governista, teria lá suas inclinações consideradas pouco fiéis. Difícil saber. As mesmas vozes acusam os mesmos repórteres de terem exagerado na cobertura do julgamento do mensalão. Na falta de uma oposição de verdade que pudesse servir de vilã cruel, na falta de um satanás mais ameaçador para odiar (a "herança maldita" de FHC não funciona mais como antagonista imaginária), querem fazer valer essa ficção ufanista de que o País vai às mil maravilhas, só o que atrapalha a felicidade geral é esse maldito partidarismo da imprensa. A tese pode ser doidona, mas está funcionando. Alguns quase festejam: "Viva! Achamos um inimigo para combater! Vamos derrotar os editores de política deste país!".
Deu-se, então, um fenômeno estranhíssimo: as forças instaladas no governo, como que enfadadas do ofício de governar, começaram a fazer oposição à imprensa. Dilma Rousseff jamais embarcou na cantilena, o que deve ser reconhecido e elogiado, mas está cercada de profetas que veem em cada redator, em cada fotojornalista, uma ameaça ao equilíbrio institucional.
A oratória petista depende de ter um antagonista imaginário. Sem isso, parece que não para mais de pé. Sim, temos aí um traço de discurso autoritário. Em todo regime autoritário ou totalitário, a figura mais essencial é a do inimigo. Para os nazistas, esse inimigo estruturante foram os judeus. Para o chavismo, foi o imperialismo, encarnado por Bush, que teria cheiro de enxofre. E mesmo Bush só conseguiu salvar seu mandato do fiasco porque lhe caiu no colo o inimigo chamado terrorismo. É claro que não se pode dizer que o PT atualmente se reduza a um discurso tropegamente autoritário, mas as feições autoritárias e fanatizantes desse discurso vão ganhando densidade a cada dia. Não obstante, está assentado em bases fictícias, completamente fictícias.
Vale frisar este ponto: sem um inimigo para chamar de seu, esse tipo de ossatura ideológica se liquefaz. O que seria dos punhos cerrados dando soquinhos no ar sem o auxílio luxuoso do inimigo imaginário? O que seria dos sonhos de martírio em nome da causa? O que seria das fantasias heroicas e do projeto ambicioso de virar estátua de bronze em praça pública?
Foi aí que a imprensa entrou no credo. Na falta de outra instituição disposta a não se dobrar ao poder, disposta a desconstruir os cenários grandiloquentes armados pelas autoridades, eles encontraram na imprensa a sua razão de viver e de guerrear. Só assim, só com seu inimigo imaginário bem definido, esse discurso encontra seu ponto de equilíbrio: ficar no poder e ao mesmo tempo acreditar - e fazer acreditar - que está na oposição, que combate um mal maior. Seus adeptos, que imaginam odiar a imprensa sem se dar conta de que a temem, agarram-se à luta com sofreguidão. Estão em ponto de bala para o ano eleitoral de 2014.
Mesmo assim, feliz ano-novo.
JORNALISTA, PROFESSOR DA USP
E DA ESPM