Espaço coordenado pelo jornalista paulistano Marcelo Moreira para trocas de idéias, de preferência estapafúrdias, e preferencialmente sobre música, esportes, política e economia, com muita pretensão e indignação.
sábado, janeiro 14, 2012
Deep Purple lança obras com orquestra em Montreux
Na recente passagem pelo Brasil, neste mês de outubro, o vocalista do Deep Purple, Ian Gillan, disse mais de uma vez que não havia nada programado nos próximos anos em relação a um novo álbum da banda, mas que o próximo projeto seria o lançamento de (mais) um CD ao vivo, acompanhado por um DVD.
Pois a banda acaba de colocar no mercado dois grandes lançamentos. O primeiro é “Deep Purple and Orchestra – Live in Montreux 2011”, em CD duplo e DVD, com o registro deste ano no famoso festival suíço – que ainda preserva o jazz no nome, mas aceita de tudo faz muito tempo.
Será o quarto álbum ao vivo gravado em Montreux pelo Deep Purple. Segundo o próprio Gillan declarou ao jornal o Estado de S. Paulo, este concerto de 2011 difere daquele de 2000, quando a banda reeditou o clássico álbum “Concert for Group and Orchestra”. “Rodamos pela América do Norte e alguns países da Europa com uma orquestra mais enxuta, com outro conceito de arranjos e outra dinâmica. Acho que o resultado foi bem interessante.”
Para Gillan, o ponto alto da turnê foi justamente a apresentação em Montreux, onde Deep Purple e a orquestra mostraram-se mais entrosados e afiados, “em um palco que é praticamente nosso, é a nossa casa”.
O resultado é soberbo. Os arranjos elaborados de forma primorosa e a atuação irrepreensível da banda mostram que o Deep Purple ainda está longe de pendurar as chuteiras. Se Ian Gillan não tem mais a grande voz que o tornou um ídolo do rock – e infelizmente isso fica claro que clássicos como “Strange Kind of Woman” e “Perfect Strangers” -, se tornou um bom crooner e mestre de cerimônias, sem que isso soe pejorativo. Afinal, o mestre tem 66 anos e usou sua voz das melhor forma que podia em 47 anos de carreira.
O pacote ainda traz no DVD entrevistas com integrantes e os organizadores do festival, bastidores de shows e um pequeno documentário sobre as participações do Deep Purple em Montreux.
O segundo lançamento é “BBC Sessions – 1968-1970”, trazendo gravações de shows e de apresentações nos estúdios da famosa emissora de rádio e TV da Inglaterra. As gravações são interessantes porque mostram finalmente a primeira formação do grupo ao vivo. Fundado em 1967 por Ritchie Blackmore (guitarra), Jon Lord (teclados) e Ian Paice (bateria), o Deep Purple ficou completo no final daquele ano com Rod Evans (vocal) e Nick Simper (baixo).
Esta formação registrou três bons álbuns entre 1968 e 1969 - que tomam todo o CD 1 - mas as gravações ao vivo que sobraram desta época eram muito ruins, apesar de terem virado alguns disputados discos piratas na década de 1970. Outras acabaram sendo editadas em edições limitadas pela própria banda, em produtos direcionados a fanáticos e colecionadores. As gravações da BBC finalmente trazem ao mercado registros ao vivo de boa qualidade daquela época.
Simper e Evans foram demitidos no segundo semestre de 1969 e deram lugar a Ian Gillan (vocal) e Roger Glover (baixo), em um momento no qual o Deep Purple abraça o som pesado e abandona as influências psicodélicas e progressivas dos três primeiros álbuns, que tinham o nítido comando de Lord. Essa fase domina o segundo CD, já trazendo o embrião dos sucessos que estariam nos aclamados álbuns “Fireball” e “In Rock”.
São duas obras essenciais para quem gosta de classic rock da mais alta qualidade – e de música muito, mas muito bem feita.
terça-feira, janeiro 10, 2012
George Harrison, o gênio injustiçado dos anos 60
George Harrison foi um artista discreto, mas jamais ingênuo, como às vezes alguns biógrafos dos Beatles tentam passar. Tímido sim, mas silencioso não. Nunca reclamou por ser o músico injustiçado enquanto os Beatles existiram, mas sempre se posicionou firmemente quando questionado sobre sua contribuição para a banda e sobre a qualidade de suas músicas.
Se o marketing não era o seu forte, por outro lado tinha a convicção forte de que sua obra falava por si. Desde o primeiro álbum solo, o triplo “All Things Must Pass”, de 1971, até as músicas mais pop, como “When We Was Fab”, “All Those Years Ago” e “Got My Mind Set On You”, o guitarrista sempre deixou que o som ressaltasse a sua genialidade e a sua técnica incomum de execução do instrumento.
Ao mesmo tempo, desde o início se mostrou bem mais atento à cena musical do que os colegas de Beatles. Enquanto Paul McCartney se deslumbrava com a cena multicultural de Londres nos anos 60 e John Lennon flertava com o cinema, pelas mãos do diretor Richard Lester (que dirigiu “A Hard Day’s Night” e “Help”), George preferia ficar à espreita do que tocava no rádio.
Não teve dúvidas em indicar os Rolling Stones para a Decca Records no comecinho de 1963 – a mesma gravadora que recusara os Beatles no ano anterior; foi o primeiro a falar publicamente das qualidades das canções dos Kinks e da fúria dos Who, ainda em 1965; ficou muito amigo de Eric Clapton, amizade que durou até o fim de sua vida; seguia todos os passos de Jimi Hendrix, ajudado pelos relatos do amigo Clapton; se não se entusiasmou com o que viu e ouviu, pelo menos teve o interesse de conferir os trabalhos de Steve Winwood na época de Spencer Davis Group e o Pink Floyd; e já na década de 80 não se importou em ser apenas mais um nos Travelling Wilburys, supergrupo que formou ao lado de Roy Orbison, Jeff Lynne (Electric Light Orcgestra), Tom Petty e Bob Dylan.
Era evidente a sua desvantagem na competição interna para impor suas músicas e suas ideias dentro dos Beatles. Mesmo quando as evidências apontavam para que tivesse mais espaço, pouco fez ou poucas oportunidades teve para mostrar que era tão prolífico e competente na composição quanto Lennon e McCartney. “All Things Must Pass” é a maior prova disso. Perderas os Beatles, perdemos nós.
Harrison morreu há exatos dez anos em Los Angeles, vítima de câncer. Seu legado é estupendo em qualquer aspecto que for analisado.