Metal nacional: mais uma campanha, mas cadê o público?
O programa de TV Stay Heavy é um oásis de inteligência e bom gosto dentro das pouquíssimas opções de para quem gosta de rock no rádio e nas emissoras de televisão. Com um grande respaldo da revista Roadie Crew, faz entrevistas ao vivo com bandas nacionais e internacionais e tem dois apresentadores que entendem do assunto, Vinícius Neves e Cíntia diniz, que escrevem uma página mensal na citada revista.
Na última edição da Roadie Crew, a do mês de fevereiro de 2011, Cíntia e Neves defendem a volta de uma campanha lançada em 2006. “Eu Apoio o Metal Nacional” , iniciada pela magnífica banda Scars (por onde anda?) virou um adesivo que teve grande adesão naquela época, muita gente colou nos carros – eu inclusive -, mas a alegria durou pouco. Hoje a pasmaceira é pior do que há cinco anos.
Pois a dupla prega a volta da campanha, em apoio velado a Thiago Bianchi, vocalista do Shaman e produtor, que divulgou recentemente duas cartas abertas reclamando da falta de apoio às bandas nacionais. Critiquei o conteúdo das cartas e chamei os textos de choradeira.
A iniciativa do Stay Heavy tem o mérito de ser uma iniciativa em uma área em que pouca coisa acontece em comparação aos anos 80 e 90. Pelo menos alguém está se mexendo e procurando alternativas para melhorar a cena. A direção, no entanto, me parece equivocada, assim como Bianchi.
Culpar o público (ou a falta de) não vai levar a nada. É transferir a responsabilidade. E infelizmente o Stay Heavy ca nessa armadilha – ou parece não querer enxergar o que está acontecendo.
Por que o público prefere as bandas internacionais, qe estão vindo às pencas desde 2005 ao Brasil, aos shows de bandas nacionais? Essa é a resposta que precisa ser obtida. O que o público quer? Por que o público não assiste a um show do Shaman, mas gasta R$ 300 para ver Iron Maiden.
Ora, o Shaman toca com muita frequência no Brasil, o que não ocorre na mesma proporção do Iron Maiden. Logo, é uma questão lógica, a atração internacional é realmente um evento esperado e celebrado. Mas isso não explica totalmente a questão.
Por que o Hangar consegue um público bom com seus workshows? Por que o Holiness tem conseguido levar om público nos shows em São Paulo? Tudo bem, a vocalista Stéfanie Schirmbeck é muito bonita, mas isso nã sistenta uma banda de heavy metal se não for boa.
As bandas precisam trabalhar e melhorar. Se já trabalham muito, como por exemplo o Korzus, precisam trabalhar mais, correr mais, ralar mais. O Korzus, aliás, é exemplo desde que surgiu, há mais de 25 anos. Talvez seja a banda brasileira de metal que mais trabalhe.
E há recompensas, pois o novo álbum, “Discipline of Hate”, é maravilhoso e está repercutindo muito bem no Brasil e no exterior. O Korzus não tem o tamanho do Krisiun, infelizmente, mas tem uma trajetória digna e respeitosa.
Portanto, a cena metaleira brasileira precisa de muito mais do que adesivos de campanha para conquistar as mentes e as almas dos amantes do rock atual e reconquistar os metaleiros de sempre.
Vou apoiar a campanha “Eu Apoio o Metal Nacional”, vou arranjar o adesivo e colar no carro e abrir espaço no Combate Rock. Mas isso é só o começo. Bandas e profissionais do segmento precisam reavaliar seus trabalhos. Porém, antes de mais nada, têm de descobrir porque o público sumiu dos shows.
P.S.: O Stay Heavy é transmitido por TV aberta, por TV a cabo e pela internet. O programa teve seu início em outubro de 2003 pela webTV allTV. Em outubro de 2005 fez sua estreia em TV aberta, na Rede NGT. Desde então o programa está formando sua própria rede de transmissão na TV a cabo e em emissoras abertas em outras regiões do país, por meio de acordos com emissoras locais para retransmissão do programa. Também pode ser assistido a qualquer momento na internet pelo portal de conteúdo musical www.ShowLivre.com. Há também o canal do Stay Heavy no YouTube www.youtube.com) onde são disponibilizados os programas que vão ao ar na TV. Mais informações em www.stayheavy.com.
Espaço coordenado pelo jornalista paulistano Marcelo Moreira para trocas de idéias, de preferência estapafúrdias, e preferencialmente sobre música, esportes, política e economia, com muita pretensão e indignação.
sexta-feira, abril 29, 2011
quinta-feira, abril 28, 2011
Angra x axé: a polêmica em cima do nada
A imprensa pouco afeita a assuntos relativos a rock e heavy metal fez um carnaval na última quarta-feira com a informação de que Kiko Loureiro um dos guitarristas da banda Angra, acusou uma banda baiana de axé, o Parangolé, de plágio. Muita espuma e pouco conteúdo.
Na verdade não houve acusação alguma, tanto que nada vai acontecer, como o próprio Loureiro afirmou ao Jornal da Globo, daquele mesmo dia, em entrevista corrida em um saguão de aeroporto.
“É uma coisa chata, nem é por nada, nem vamos levar isso para a frente. Mas não custava nada ter dado uma ligada, dado uma satisfação, ou até mesmo pedido autorização. Encararíamos numa boa e, de certa forma, seria até uma cortesia de nossa parte”, afirmou o guitarrista.
Então, cadê a acusação? Não existiu. Loureiro apenas fez um desabafo, revelou uma chateação, mais nada. Ação judicial? Até agora não se falou do assunto. Até onde o Combate Rock pôde se aprofundar, Loureiro e a banda Angra devem deixar o assunto de lado, pelo menos até o momento.
A atual formação do Angra: Loureiro é o último da esq. para a dir.
Entretanto, Kiko Loureiro foi menos polido em suas mensagens na rede social Twitter, reproduzidas pelo portal G1: “Temos que nos conformar com a nova era do creative commons e tals. Eu concordo, mas só não queria que começasse pelo Parangolé… Os caras querem zoar geral… Que vergonha! ‘Tomba ae Tomba’. Absurdo! Cara de pau! Que feio os parangolés roubando músicas dos outros.”
Na mesma reportagem do Jornal da Globo, da última quarta-feira, André Merenda, diretor musical da banda Parangolé, confirmou que realmente houve uma “inspiração” dos compositores do grupo, que estavam compondo em um estúdio quando escutaram um outro músico, no mesmo estabelecimento, executando partes da música “Nova Era”, que está no CD “Rebirth”, do Angra. Portanto, os músicos do Parangolé usaram sim um trecho da música metal na faixa “Azevixe”, lançada pelos baianos em 2007.
Seja como for, é um caso chato de apropriação de contepudo musical sem a menor preocupação de pedir autorização ou ao menos de dar crédito aos verdadeiros autores – não que seja o caso, pois provavelmente o Angra dispensaria ter seu nome associado a tamanha porcaria musical/cultural.
Mas é importante que a questão seja discutida e venha à tona para que a questão dos direitos autorais, do plágio e da prirataria voltem a ser discutidas de forma série e ampla.
Sobre a questão em si, não é de se surpreender que gente de segmentos musicais mais populares não se preocupem com esse tipo de circunstâncias e recorram a expedientes desagradáveis sem ao menos corar de vergonha. A pouca ou nenhuma qualidade de seus trabalhos falam por si.
A imprensa pouco afeita a assuntos relativos a rock e heavy metal fez um carnaval na última quarta-feira com a informação de que Kiko Loureiro um dos guitarristas da banda Angra, acusou uma banda baiana de axé, o Parangolé, de plágio. Muita espuma e pouco conteúdo.
Na verdade não houve acusação alguma, tanto que nada vai acontecer, como o próprio Loureiro afirmou ao Jornal da Globo, daquele mesmo dia, em entrevista corrida em um saguão de aeroporto.
“É uma coisa chata, nem é por nada, nem vamos levar isso para a frente. Mas não custava nada ter dado uma ligada, dado uma satisfação, ou até mesmo pedido autorização. Encararíamos numa boa e, de certa forma, seria até uma cortesia de nossa parte”, afirmou o guitarrista.
Então, cadê a acusação? Não existiu. Loureiro apenas fez um desabafo, revelou uma chateação, mais nada. Ação judicial? Até agora não se falou do assunto. Até onde o Combate Rock pôde se aprofundar, Loureiro e a banda Angra devem deixar o assunto de lado, pelo menos até o momento.
A atual formação do Angra: Loureiro é o último da esq. para a dir.
Entretanto, Kiko Loureiro foi menos polido em suas mensagens na rede social Twitter, reproduzidas pelo portal G1: “Temos que nos conformar com a nova era do creative commons e tals. Eu concordo, mas só não queria que começasse pelo Parangolé… Os caras querem zoar geral… Que vergonha! ‘Tomba ae Tomba’. Absurdo! Cara de pau! Que feio os parangolés roubando músicas dos outros.”
Na mesma reportagem do Jornal da Globo, da última quarta-feira, André Merenda, diretor musical da banda Parangolé, confirmou que realmente houve uma “inspiração” dos compositores do grupo, que estavam compondo em um estúdio quando escutaram um outro músico, no mesmo estabelecimento, executando partes da música “Nova Era”, que está no CD “Rebirth”, do Angra. Portanto, os músicos do Parangolé usaram sim um trecho da música metal na faixa “Azevixe”, lançada pelos baianos em 2007.
Seja como for, é um caso chato de apropriação de contepudo musical sem a menor preocupação de pedir autorização ou ao menos de dar crédito aos verdadeiros autores – não que seja o caso, pois provavelmente o Angra dispensaria ter seu nome associado a tamanha porcaria musical/cultural.
Mas é importante que a questão seja discutida e venha à tona para que a questão dos direitos autorais, do plágio e da prirataria voltem a ser discutidas de forma série e ampla.
Sobre a questão em si, não é de se surpreender que gente de segmentos musicais mais populares não se preocupem com esse tipo de circunstâncias e recorram a expedientes desagradáveis sem ao menos corar de vergonha. A pouca ou nenhuma qualidade de seus trabalhos falam por si.
terça-feira, abril 26, 2011
‘Born Again’: por que o álbum do Black Sabbath é venerado no Brasil?
“O pior disco da minha vida é o mais cultuado no Brasil. Não consigo entender isso.” A declaração é de um surpreendentemente bem humorado Ian Gillan em 1997, na entrevista coletiva em um hotel de São Paulo, às vésperas de mais um show do Deep Purple na cidade. Ele não se estendeu muito, pois a pergunta foi feita por um fã quando ele ia para o seu quarto.
Dois dias mais tarde, após a apresentação no antigo Olympia, em um bar rock que já não existe mais, ainda mais bem humorado, que era quase inacreditável, Gillan resolveu soltar os cachorros contra “Born Again”, seu único trabalho com o Black Sabbath, em 1983.
”Tudo estava meio confuso, estava bagunçado, e sei que Tony (Iommi) não trabalhava daquela forma. Mas as coisas estavam esquistas, Bill (Ward) estava com seus problemas crônicos de saúde, Geezer (Butler) estava muito preocupado com coisas fora da banda. Algumas músicas eram realmente boas, mas a produção é muito ruim, há sons que não faço ideia do que são. Não sei se é o piode de minha carreira, mas não gosto dele. O tempo que passei no Sabbath foi maravilhoso, amo Tony e Geezer, mas o resultado não foi bom. Não consigo porque brasileiros, argentinos, mexicanos e gregos amam esse trabalho”, disse o vocalista.
Ian Gillan resumiu com sua perplexidade um fato que ninuém explica. “Born Again”, o disco que ganhou quase todas as eleições de capa mais feia e horrenda do rock, vendeu pouco, teve uma turnê complicada pela América do Norte e Europa e não pôde contar com Bill Ward nos shows, mais uma vez doente, substituído pelo apenas correto Bev Bevan (ex-Electric Light Orchestra).
A produção realmente ficou aquém do que se poderia esperar de um álbum com a grife Black Sabbath. Abafada, a mixagem ressaltou demais o baixo, tornou a voz de Gillan estridente e soterrou, em algumas faixas, a guitarra de Iommi. Mas assim mesmo é considerado uma obra-prima do heavy metal.
Nem a banda sabe ao certo o que produtor Robin Black, amigo de Iommi, conseguiu fazer. Embora no primeiro mês de lançamento o álbum tenha chegado à posição nº 4 das paradas inglesas, teve desempenho muito discreto nos Estados Unidos no mesmo período, e depois acabou decepcionando os empresários do grupo.
Seja como for, o álbum causou um choque assim que chegu às lojas, em 1983. A expectativa era enorme. Dois gigantes se unindo em uma nova superbanda, uma espécie de Deep Sabbath. O estranhamento foi imediato na primeira audição, mas depois os fãs foram se acostumando com o peso absurdo e a sonoridade bem sombria.
Gillan (esq.), Geezer e Iommi em estúdio no País de Gales
O resultado é que no Brasil o álbum ficou por um breve período fora de catálogo em LP entre os anos de 1983 e 1993. Em CD sempre esteve nas lojas, até mesmo nas grandes lojas. Virou objeto de culto, e foram poucas as vozes que criticaram ou detestaram o álbum.
Mas o culto e a veneração fazem algum sentido? Totalmente. Apesar do processo caótico da gravação e da aparente informalidade e bagunça que dominavam o Black Sabbath, o grupo cometeu uma obra-prima. Por muitos anos foi sinônimo de heavy metal no Brasil. Se alguém qeria saber o que era som pesado, era só mostrar álbum e afirmar: “Isso é heavy metal.”
“Trashed” é uma paulada na abertura, um heavy poderoso e acelerado, com Ian Gillan cantandom muito. “Born Again” tem mesmo astral de “Black Sabbath”, com seu andamento lento e sombrio, riffs pesados e cortantes e uma dramaticidade assustadora. “Disturbing the Priest” é outra faixa assustadora, que não faria feio na trilha sonora do inferno, de tão pesada. “Keep It Warm” traz um excelente trabalho de guit antigas darras. “Zero the Hero” e “Digital Bitch” foram os hits, faixas pesadas e curtas.
A turnê que se seguiu teve bons momentos, mas não foi aquilo que todos esperavam. Gillan não cantou tudo o parecia poder cantar no Black Sabbath, as canções antigas da banda evidenciaram o desconforto do vocalista em interpretá-las – fato que ele confirmounaquele boteco em 1997: “São clássicos, é lógico, mas não eram minhas músicas, não gostava dos temas, era algo totalmente fora da minha realidade. Mesmo as músicas da época de Ronnie (Dio) me causavam desconforto.”
O Black Sabbath nos Estados Unidos em 1983: Bevan (esq.), Gillan, Iommi e Butler
Uma curiosidade, e que acabou virando raridade para colecionadores, foi a inclusão de “Smoke on the Water”, do Deep Purple, no repertório da turnê. Iommi desconversa sempre e diz que foi uma gentileza da banda para Gillan, que gostaria de cantar a música. Butler disse uma vez que não gostou muito, mas que acabou sendo divertido. Nos bastidores, entretanto, a historinha era outra: teria sido uma exigência do vocalista.
Seja como for, nas gravações mais audíveis da turnê, escutar “Smoke on the Water” com o Black Sabbathé maravilhoso, com o timbre gordo e pesado da guitarra de Iommi e o baixo extremamente pesado de Butler. Não poderia haver coroamento para um período curto, mas vibrante do heavy mtal, onde foi produzidauma verdadeira obra-prima.
Apesar de ter adorado aquele período, Gillan não via muito futuro no Black Sabbath. O convite apareceu em um momento crucial, quando ele convalescia de uma cirurgia feita na garganta no final de 1982.
“Mas o fato é que eu não tinha certeza se queria continuar e se a banda comigo nos vocais teria condições de melhorar. Enquanto eu pensava, surgiram as negociações para a volta da formação clássica do Deep Purple, algo que eu não botava muita fé. Mas depois que vi que a reunião do Purple era para valer, no começo de 1984, ao final de nossa turnê pela Europa, nem pensei duas vezes. Agradeci a Geezer e Tony e voltei para minha banda de verdade”, disse Gillan em 1997.
O que pouca gente sabe é que Butler também estava louco para sair, mas não tinha coragem de decepcionar o amigo Iommi. A saída de Gillan foi o que Butler precisava para deixar a banda – embora ainda tenha permanecido, segundo uma entrevista de Iommi em 2003, nas audições para um novo vocalista em 1985 – primeiro Dave Donato, depois Jeff Fenholt.
Foto rara: Jeff Fenholt (esq.) ao lado de Iommi em 1985, quando parecia que realmente seria o vocalista do Black Sabbath
A história após isso todo mundo sabe: o Black Sabbath praticamente acabou, Iommi tirou férias e decidiu gravar um álbum solo tendo o amigo Glenn Hughes (ex-Deep Purple) ns vocais e eventualmente no baixo. As músicas tinham como base as demos de “Star of India”, aquele seria um disco do Sabbath de 1985.
“Seventh Star” chegou às lojas em 1986, mas sob o nome Black Sabbath. A mudança de última hora, segundo Iommi, foi uma exigência da gravadora: ou vira um álbum do Sabbath, ou não sai – fato que irritou muito Glenn Hughes.
Para encerrar, nas palavras de Gillan, como ocorreu a sua “contratação”, indicando que a coisa não poderia dar muito certo: “Ainda estava me recuperando da cirurgia em 1983 e não tinha mais banda solo. Sempre fui amigo de Tony e Geezer, nos falávamos sempre desde 1972. Um dia estava cansado de ficar em casa e fui tomar umas cervejas e jogar bilhar com Tony e o empresário do Sabbath na época em um pub – acho que Geoff (Nicholls, tecladista de apoio do Black Sabbath) estava também. Ficamos a noite inteira bebendo, rindo e jogando, e alguém falou que eu poderia substituir Ronnie Dio no Sabbath. Todo mundo riu da ‘piada’, menos Tony, que parou de falar por uns dez minutos. Ninguém entendeu. Aí, do nada, ele mandou, ‘Por que não?’. Todo mundo ficou cara de interrogação e ele insistiu, ‘Por que não Ian no Black Sabbath?’ Ninguém levou a sério. Só sei que, de manhã, com todos muito bêbados, eu já tinha aceitado, não sei como, ser o vocalista do Black Sabbath.Tinha até assinado uma espécie de ‘contrato’ no bar. E foi assim.”
“O pior disco da minha vida é o mais cultuado no Brasil. Não consigo entender isso.” A declaração é de um surpreendentemente bem humorado Ian Gillan em 1997, na entrevista coletiva em um hotel de São Paulo, às vésperas de mais um show do Deep Purple na cidade. Ele não se estendeu muito, pois a pergunta foi feita por um fã quando ele ia para o seu quarto.
Dois dias mais tarde, após a apresentação no antigo Olympia, em um bar rock que já não existe mais, ainda mais bem humorado, que era quase inacreditável, Gillan resolveu soltar os cachorros contra “Born Again”, seu único trabalho com o Black Sabbath, em 1983.
”Tudo estava meio confuso, estava bagunçado, e sei que Tony (Iommi) não trabalhava daquela forma. Mas as coisas estavam esquistas, Bill (Ward) estava com seus problemas crônicos de saúde, Geezer (Butler) estava muito preocupado com coisas fora da banda. Algumas músicas eram realmente boas, mas a produção é muito ruim, há sons que não faço ideia do que são. Não sei se é o piode de minha carreira, mas não gosto dele. O tempo que passei no Sabbath foi maravilhoso, amo Tony e Geezer, mas o resultado não foi bom. Não consigo porque brasileiros, argentinos, mexicanos e gregos amam esse trabalho”, disse o vocalista.
Ian Gillan resumiu com sua perplexidade um fato que ninuém explica. “Born Again”, o disco que ganhou quase todas as eleições de capa mais feia e horrenda do rock, vendeu pouco, teve uma turnê complicada pela América do Norte e Europa e não pôde contar com Bill Ward nos shows, mais uma vez doente, substituído pelo apenas correto Bev Bevan (ex-Electric Light Orchestra).
A produção realmente ficou aquém do que se poderia esperar de um álbum com a grife Black Sabbath. Abafada, a mixagem ressaltou demais o baixo, tornou a voz de Gillan estridente e soterrou, em algumas faixas, a guitarra de Iommi. Mas assim mesmo é considerado uma obra-prima do heavy metal.
Nem a banda sabe ao certo o que produtor Robin Black, amigo de Iommi, conseguiu fazer. Embora no primeiro mês de lançamento o álbum tenha chegado à posição nº 4 das paradas inglesas, teve desempenho muito discreto nos Estados Unidos no mesmo período, e depois acabou decepcionando os empresários do grupo.
Seja como for, o álbum causou um choque assim que chegu às lojas, em 1983. A expectativa era enorme. Dois gigantes se unindo em uma nova superbanda, uma espécie de Deep Sabbath. O estranhamento foi imediato na primeira audição, mas depois os fãs foram se acostumando com o peso absurdo e a sonoridade bem sombria.
Gillan (esq.), Geezer e Iommi em estúdio no País de Gales
O resultado é que no Brasil o álbum ficou por um breve período fora de catálogo em LP entre os anos de 1983 e 1993. Em CD sempre esteve nas lojas, até mesmo nas grandes lojas. Virou objeto de culto, e foram poucas as vozes que criticaram ou detestaram o álbum.
Mas o culto e a veneração fazem algum sentido? Totalmente. Apesar do processo caótico da gravação e da aparente informalidade e bagunça que dominavam o Black Sabbath, o grupo cometeu uma obra-prima. Por muitos anos foi sinônimo de heavy metal no Brasil. Se alguém qeria saber o que era som pesado, era só mostrar álbum e afirmar: “Isso é heavy metal.”
“Trashed” é uma paulada na abertura, um heavy poderoso e acelerado, com Ian Gillan cantandom muito. “Born Again” tem mesmo astral de “Black Sabbath”, com seu andamento lento e sombrio, riffs pesados e cortantes e uma dramaticidade assustadora. “Disturbing the Priest” é outra faixa assustadora, que não faria feio na trilha sonora do inferno, de tão pesada. “Keep It Warm” traz um excelente trabalho de guit antigas darras. “Zero the Hero” e “Digital Bitch” foram os hits, faixas pesadas e curtas.
A turnê que se seguiu teve bons momentos, mas não foi aquilo que todos esperavam. Gillan não cantou tudo o parecia poder cantar no Black Sabbath, as canções antigas da banda evidenciaram o desconforto do vocalista em interpretá-las – fato que ele confirmounaquele boteco em 1997: “São clássicos, é lógico, mas não eram minhas músicas, não gostava dos temas, era algo totalmente fora da minha realidade. Mesmo as músicas da época de Ronnie (Dio) me causavam desconforto.”
O Black Sabbath nos Estados Unidos em 1983: Bevan (esq.), Gillan, Iommi e Butler
Uma curiosidade, e que acabou virando raridade para colecionadores, foi a inclusão de “Smoke on the Water”, do Deep Purple, no repertório da turnê. Iommi desconversa sempre e diz que foi uma gentileza da banda para Gillan, que gostaria de cantar a música. Butler disse uma vez que não gostou muito, mas que acabou sendo divertido. Nos bastidores, entretanto, a historinha era outra: teria sido uma exigência do vocalista.
Seja como for, nas gravações mais audíveis da turnê, escutar “Smoke on the Water” com o Black Sabbathé maravilhoso, com o timbre gordo e pesado da guitarra de Iommi e o baixo extremamente pesado de Butler. Não poderia haver coroamento para um período curto, mas vibrante do heavy mtal, onde foi produzidauma verdadeira obra-prima.
Apesar de ter adorado aquele período, Gillan não via muito futuro no Black Sabbath. O convite apareceu em um momento crucial, quando ele convalescia de uma cirurgia feita na garganta no final de 1982.
“Mas o fato é que eu não tinha certeza se queria continuar e se a banda comigo nos vocais teria condições de melhorar. Enquanto eu pensava, surgiram as negociações para a volta da formação clássica do Deep Purple, algo que eu não botava muita fé. Mas depois que vi que a reunião do Purple era para valer, no começo de 1984, ao final de nossa turnê pela Europa, nem pensei duas vezes. Agradeci a Geezer e Tony e voltei para minha banda de verdade”, disse Gillan em 1997.
O que pouca gente sabe é que Butler também estava louco para sair, mas não tinha coragem de decepcionar o amigo Iommi. A saída de Gillan foi o que Butler precisava para deixar a banda – embora ainda tenha permanecido, segundo uma entrevista de Iommi em 2003, nas audições para um novo vocalista em 1985 – primeiro Dave Donato, depois Jeff Fenholt.
Foto rara: Jeff Fenholt (esq.) ao lado de Iommi em 1985, quando parecia que realmente seria o vocalista do Black Sabbath
A história após isso todo mundo sabe: o Black Sabbath praticamente acabou, Iommi tirou férias e decidiu gravar um álbum solo tendo o amigo Glenn Hughes (ex-Deep Purple) ns vocais e eventualmente no baixo. As músicas tinham como base as demos de “Star of India”, aquele seria um disco do Sabbath de 1985.
“Seventh Star” chegou às lojas em 1986, mas sob o nome Black Sabbath. A mudança de última hora, segundo Iommi, foi uma exigência da gravadora: ou vira um álbum do Sabbath, ou não sai – fato que irritou muito Glenn Hughes.
Para encerrar, nas palavras de Gillan, como ocorreu a sua “contratação”, indicando que a coisa não poderia dar muito certo: “Ainda estava me recuperando da cirurgia em 1983 e não tinha mais banda solo. Sempre fui amigo de Tony e Geezer, nos falávamos sempre desde 1972. Um dia estava cansado de ficar em casa e fui tomar umas cervejas e jogar bilhar com Tony e o empresário do Sabbath na época em um pub – acho que Geoff (Nicholls, tecladista de apoio do Black Sabbath) estava também. Ficamos a noite inteira bebendo, rindo e jogando, e alguém falou que eu poderia substituir Ronnie Dio no Sabbath. Todo mundo riu da ‘piada’, menos Tony, que parou de falar por uns dez minutos. Ninguém entendeu. Aí, do nada, ele mandou, ‘Por que não?’. Todo mundo ficou cara de interrogação e ele insistiu, ‘Por que não Ian no Black Sabbath?’ Ninguém levou a sério. Só sei que, de manhã, com todos muito bêbados, eu já tinha aceitado, não sei como, ser o vocalista do Black Sabbath.Tinha até assinado uma espécie de ‘contrato’ no bar. E foi assim.”
domingo, abril 24, 2011
No lugar errado, na hora errada. Será que vale a pena?
Bar novo e frequentado por roqueiros e apreciadores do blues. Nas telas de plasma, só o pior do soft rock nacional. Mas eis que surge Nando Reis, ex-Titãs, em algum programa da MTV nacional, na praia, para incomodar os presentes.
Acústico, anódino, insípido e incolor, sua música soa como ruído chato, até que alguém resolve prestar a atenção, na mesa ao lado, e consegue ver Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, fazendo uma “participação especial”, assim como viria depois outro chato do politicamente correto, Samuel Rosa, do Skank.
Os comentários radicais foram instantâneos: “Vendido”, “traíra”, “traidor”, “oportunista” foram os mais leves impropérios. Merecidos? Depende do nível de radicalismo. Seja como for, o fato de Kisser brincar de tocar violão em um “especial” de TV de Nando Reis incomodou, e ainda incomoda.
A conversa está fora de moda, em tempos nojentos e asquerosos do politicamente correto. De certa forma, o radicalismo é coisa do passado – e é bom que seja mesmo, principalmente na política brasileira, onde ainda existem remotas ameaças de grupelhos atrasados e medievais de extrema-esquerda de conseguirem passar suas “plataformas” estapafúrdias no governo Dilma Roussef.
No rock, o radicalismo, ao contrário, sempre foi saudável, pois é fundamental para manter certas coisas em seus devidos lugares e para chutar as cabeças de gente mimada que não tolera críticas aos seus artistas amados e insuportáveis – para não dizer péssimos. Talvez esse tenha sido o maior legado do movimento punk, especialmente o da vertente 1977.
O guitarrista Andreas Kisser
Que Andreas Kisser é um arroz de festa em São Paulo não resta dúvida. Além de Nando Reis, já teve algum contato musical com seres tão díspares como Arnaldo Antunes e Júnior, o irmão da Sandy. Para os mais radicais, houve ainda a participação no CD solo de Hudson Cadorini, da dupla sertaneja horrenda Edson e Hudson – neste caso, críticas injustas, pois o CD solo do cidadão é totalmente hard e heavy.
Chamar o guitarrista do Sepultura de oportunista, no entanto, não é correto, já que ele nunca escondeu suas influências e jamais negou que gostaria de tocar com outros artistas. Seu primeiro álbum solo, “Hubris I and II”, é um exemplo claro de sua versatilidade, fazendo experimentações e passeando por estilos completamente opostos ao thrash metal de qualidade que sempre fez no Sepultura.
A questão que fica para fãs e críticos é a seguinte: o que acrescenta à carreira de Kisser tocar violão na praia com Nando Reis? Ou eventualmente tocar em algum show ou participar de álbum de algum artista de MPB?
Kisser integra um time de ponta do heavy metal internacional, ainda que não esteja mais no auge. Assim sendo, se a deia é ampliar horizontes, então que seja com gente do mesmo patamar técnico e criativo, que realmente possa acrescentar algo, como os amigos do Metallica e do Megadeth, como Lemmy, do Motorhead, ou o pessoal do cast da gravadora Roadrunner, que já se reuniu para várias jams e covers e eventos da empresa.
Kisser se rebaixa ao fazer concessões e participações inusitadas? Não usaria esse termo, até em respeito a ele e aos artistas que o convidam. Mas não dá para deixar o estranhamento de lado quando vejo alguém do porte de Andreas Kisser fazendo música pop insossa em um DVD de um músico que já foi roqueiro dos bons e que hoje prefere a MPB.
O guitarrista perde tempo com essas participações? Talvez sim, talvez não. Mas não consigo evitar a sensação de que há algo sendo despediçado. Não acho que chega ao ponto de macular a carreira de um dos instrumentistas mais respeitados do heavy metal internacional, ou de abalroar sua credibilidade.
Quando se fala de um artista deste porte, de qualidade inquestionável, é preciso se levar em conta suas ambições artísticas, por mais esquisitas que sejam – quem não se lembra de Kirk Hammett, guitarrista do Metallica, tocando e produzindo álbuns para artistas pop estapafúrdios nos anos 90?
Quem sabe se todo mundo não lucrasse mais com um “Hubris III” ou “Hubris IV”? Se a ideia é buscar horizontes e experiências diferentes, então seu trabalho solo está no caminho correto. Seria um “tropeço” ou um “deslize” quando Kisser resolve aceitar um convite como o de Nando Reis?
O radicalismo no rock continua sendo saudável, especialmente no metal. É um subgênero que faz questão de preservar a memória e as tradições. Certas intolerâncias são necessárias para que artistas consagrados jamais esqueçam seu legado.
Andreas Kisser jamais esquecerá o seu legado e a sua origem. O duro é er de ouvir os tais impropérios na mesa ao lado e, mesmo se eu quisesse, não ter argumentos para rebater depois de ver o guitarrista do Sepultura fazendo base no violão para as canções esquecíveis de Nando Reis…
Bar novo e frequentado por roqueiros e apreciadores do blues. Nas telas de plasma, só o pior do soft rock nacional. Mas eis que surge Nando Reis, ex-Titãs, em algum programa da MTV nacional, na praia, para incomodar os presentes.
Acústico, anódino, insípido e incolor, sua música soa como ruído chato, até que alguém resolve prestar a atenção, na mesa ao lado, e consegue ver Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, fazendo uma “participação especial”, assim como viria depois outro chato do politicamente correto, Samuel Rosa, do Skank.
Os comentários radicais foram instantâneos: “Vendido”, “traíra”, “traidor”, “oportunista” foram os mais leves impropérios. Merecidos? Depende do nível de radicalismo. Seja como for, o fato de Kisser brincar de tocar violão em um “especial” de TV de Nando Reis incomodou, e ainda incomoda.
A conversa está fora de moda, em tempos nojentos e asquerosos do politicamente correto. De certa forma, o radicalismo é coisa do passado – e é bom que seja mesmo, principalmente na política brasileira, onde ainda existem remotas ameaças de grupelhos atrasados e medievais de extrema-esquerda de conseguirem passar suas “plataformas” estapafúrdias no governo Dilma Roussef.
No rock, o radicalismo, ao contrário, sempre foi saudável, pois é fundamental para manter certas coisas em seus devidos lugares e para chutar as cabeças de gente mimada que não tolera críticas aos seus artistas amados e insuportáveis – para não dizer péssimos. Talvez esse tenha sido o maior legado do movimento punk, especialmente o da vertente 1977.
O guitarrista Andreas Kisser
Que Andreas Kisser é um arroz de festa em São Paulo não resta dúvida. Além de Nando Reis, já teve algum contato musical com seres tão díspares como Arnaldo Antunes e Júnior, o irmão da Sandy. Para os mais radicais, houve ainda a participação no CD solo de Hudson Cadorini, da dupla sertaneja horrenda Edson e Hudson – neste caso, críticas injustas, pois o CD solo do cidadão é totalmente hard e heavy.
Chamar o guitarrista do Sepultura de oportunista, no entanto, não é correto, já que ele nunca escondeu suas influências e jamais negou que gostaria de tocar com outros artistas. Seu primeiro álbum solo, “Hubris I and II”, é um exemplo claro de sua versatilidade, fazendo experimentações e passeando por estilos completamente opostos ao thrash metal de qualidade que sempre fez no Sepultura.
A questão que fica para fãs e críticos é a seguinte: o que acrescenta à carreira de Kisser tocar violão na praia com Nando Reis? Ou eventualmente tocar em algum show ou participar de álbum de algum artista de MPB?
Kisser integra um time de ponta do heavy metal internacional, ainda que não esteja mais no auge. Assim sendo, se a deia é ampliar horizontes, então que seja com gente do mesmo patamar técnico e criativo, que realmente possa acrescentar algo, como os amigos do Metallica e do Megadeth, como Lemmy, do Motorhead, ou o pessoal do cast da gravadora Roadrunner, que já se reuniu para várias jams e covers e eventos da empresa.
Kisser se rebaixa ao fazer concessões e participações inusitadas? Não usaria esse termo, até em respeito a ele e aos artistas que o convidam. Mas não dá para deixar o estranhamento de lado quando vejo alguém do porte de Andreas Kisser fazendo música pop insossa em um DVD de um músico que já foi roqueiro dos bons e que hoje prefere a MPB.
O guitarrista perde tempo com essas participações? Talvez sim, talvez não. Mas não consigo evitar a sensação de que há algo sendo despediçado. Não acho que chega ao ponto de macular a carreira de um dos instrumentistas mais respeitados do heavy metal internacional, ou de abalroar sua credibilidade.
Quando se fala de um artista deste porte, de qualidade inquestionável, é preciso se levar em conta suas ambições artísticas, por mais esquisitas que sejam – quem não se lembra de Kirk Hammett, guitarrista do Metallica, tocando e produzindo álbuns para artistas pop estapafúrdios nos anos 90?
Quem sabe se todo mundo não lucrasse mais com um “Hubris III” ou “Hubris IV”? Se a ideia é buscar horizontes e experiências diferentes, então seu trabalho solo está no caminho correto. Seria um “tropeço” ou um “deslize” quando Kisser resolve aceitar um convite como o de Nando Reis?
O radicalismo no rock continua sendo saudável, especialmente no metal. É um subgênero que faz questão de preservar a memória e as tradições. Certas intolerâncias são necessárias para que artistas consagrados jamais esqueçam seu legado.
Andreas Kisser jamais esquecerá o seu legado e a sua origem. O duro é er de ouvir os tais impropérios na mesa ao lado e, mesmo se eu quisesse, não ter argumentos para rebater depois de ver o guitarrista do Sepultura fazendo base no violão para as canções esquecíveis de Nando Reis…