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sábado, março 24, 2012
Pirataria pode ‘matar a cultura’, diz MinC
Por Tatiana de Mello Dias
Em audiência pública na Câmara, Ana de Hollanda apresentou os planos do MinC para 2012 e mostrou ter ouvido queixas da indústria cultural
FOTO: Fabio Motta/AE
SÃO PAULO – A ministra da Cultura Ana de Hollanda está preocupada com a internet – para ela, a pirataria online pode “matar a cultura brasileira”.
A afirmação foi feita na manhã desta quarta-feira, 21, em audiência pública na Câmara dos Deputados. Ana de Hollanda se reuniu com os parlamentares da Comissão de Educação e Cultura para apresentar os projetos do MinC para 2012. A ministra falou por quase uma hora – mas a cultura digital e a reforma da lei de direitos autorais ficaram de fora dos principais tópicos do ministério.
O MinC destacou projetos como a reforma do Teatro Brasileiro de Comédia, PAC das cidades históricas, escritórios de economia criativa para as sedes da Copa e a restauração de prédios históricos do centro histórico de Salvador. Deixou claro, portanto, que adota uma linha diametralmente oposta à gestão anterior do MinC, cujas políticas para a internet e a atualização das leis para o ambiente digital eram a prioridade.
O assunto só apareceu após questionamento dos parlamentares. Sobre pirataria, Ana de Hollanda disse que essa não é uma atribuição do MinC, mas do Ministério da Justiça, embora essa seja uma preocupação de sua gestão. “Afeta demais a área cultural”, queixou-se.
“Hoje em dia a pirataria é feita assim. É copiado através da internet, e isso se multiplica, está sendo distribuído e vendido pela internet. Daí a preocupação do MinC com essas questões, que estão facilitando a pirataria”, disse Ana. “O MinC tem que ter uma preocupação com a preservação e com a condição de se produzir culturalmente sem que isso seja copiado como se não tivesse trabalho investido. Isso vai matar a produção cultural brasileira se não tomarmos cuidado”, declarou.
Ana disse que foi procurada no ano passado pela produtora de um filme, que se queixou de ter perdido R$ 4 milhões em seu último filme que “estava sendo copiado e vendido pela internet”. “Essa é uma queixa muito grande”, disse a ministra.
Ana de Hollanda disse que ouviu a indústria cultural para lançar a última versão do texto da Reforma da Lei de Direitos Autorais. “Consideramos a consulta pública, mas abrimos para contribuição”, explicou. “Havia uma demanda enorme dos meios culturais de que diziam que não tinham sido ouvidos ou contemplados no processo anterior”. Segundo ela, o MinC “mexeu muito pouco”. “O que foi mexido era uma demanda forte dos setores de todas as áreas, audiovisual, música, livros, que não se sentiam contemplados.”
A lei está agora na Casa Civil e será discutida pelos ministérios envolvidos e depois irá para o Congresso. O texto final, ao qual o ‘Link’ teve acesso, tem mecanismos como o de notificação e retirada, que permite que se elimine conteúdos da internet por infração de direitos autorais sem a necessidade de ordem judicial.
O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) questionou a ministra sobre o Ecad e suas recentes cobranças indevidas. Ana disse que “essa área não compete ao MinC”, embora esteja nas mãos do próprio MinC (com a reforma na lei de direitos autorais) a decisão sobre fiscalizar ou não a arrecadação de direitos autorais no País. “O Ecad e os sites é uma discussão de entes privados. O ministério não tem essa função de mediar por enquanto. Pretendemos ter a supervisão, isso está sendo resolvido na justiça”, disse Ana.
Em relação às queixas sobre falta de diálogo, a ministra afirmou várias vezes que o “diálogo é aberto”. “É uma questão de procurarem ‘os caminhos certos’”, disse a ministra.
quarta-feira, março 21, 2012
Lei que permite assassinatos causa revolta nos EUA
Por João Ozorio de Melo
Uma campanha no Facebook convoca os americanos para a "marcha de um milhão de encapuzados" ("Million Hoodies March"), que pretende ocupar praças e ruas de Nova York, nesta quarta-feira (21/3). A marcha é uma homenagem a Trayvon Martin, de 17 anos, um estudante negro que foi morto por um patrulheiro voluntário de um condomínio, por parecer um "suspeito". O estudante caminhava à noite pela calçada, "observando as casas", com a cabeça coberta pelo capuz de seu agasalho de moletom. George Zimmerman, de 28 anos e branco, matou Trayvon, que estava desarmado, mas não foi preso. Ele está protegido por uma lei estadual da Flórida.
O Departamento de Justiça e o FBI anunciaram, na terça-feira (21/3), que estudam uma maneira de interferir no caso, que se iniciou na noite de 26 de fevereiro. Zimmerman, que patrulhava as ruas de um condomínio de Sanford, Flórida, telefonou para a Polícia para denunciar a presença de um "suspeito" na área. Ele descreveu o "encapuzado" e comentou (conforme gravação liberada pela Polícia): "Esses filhos da puta sempre se safam". Ele ignorou a ordem do operador policial de não segui-lo, porque uma viatura policial já estava a caminho. Confrontou o garoto e lhe deu um tiro no peito. A Polícia sequer tentou prender Zimmerman. Declarou à imprensa que, se o prendesse, poderia ser processada, por infringir a lei estadual Stand Your Ground Law (Lei não ceda terreno).
Essa lei estadual, aprovada em 2005 pelo então governador Jeb Bush (irmão do ex-presidente George Bush) e subsequentemente copiada por mais 15 estados americanos, mudou o conceito de legítima defesa, seguindo os preceitos de uma outra lei, conhecida como Castle Doctrine (Doutrina do Castelo), e Defense of Habitation Law (Lei da Defesa da Habitação). A doutrina da legítima defesa previa que a pessoa tinha a obrigação de recuar antes de usar "força fatal", e só usá-la como último recurso. A Castle Doctrine estabeleceu que o cidadão, quando é ameaçado dentro de sua casa, não tem de recuar coisa alguma. Pode matar, com garantia da imunidade prevista no princípio da legítima defesa. A doutrina, com raízes na Common Law, prescreve que a casa é "o castelo do cidadão".
A Stand Your Ground Law absorveu esse conceito e o estendeu para virtualmente qualquer lugar no estado — a rua, a quadra de basquete, o bar, o restaurante, a calçada pela qual o estudante Trayvon caminhava com um lanche e um refrigerante, que comprara na loja, enquanto falava com a namorada pelo celular e usava o capuz da jaqueta sobre a cabeça, porque estava chovendo. Nos termos da lei, basta que a pessoa se sinta ameaçada ou que entenda que sua vida está em perigo para ter o direito de matar. Na conversa com a namorada, pelo celular, o estudante lhe contou que estava sendo seguido. Ela pediu para ele correr. Ele respondeu que só ia andar mais rápido. Zimmerman foi a seu encalço. Sua última informação ao operador da Polícia foi a de que o "suspeito" tinha alguma coisa na mão. Mais tarde, ao lado do corpo, a polícia encontrou o celular, o lanche e o refrigerante.
Depois de aprovada, a lei ganhou rapidamente um apelido: Make my Day Law (em tradução livre, "Lei Me Ajude a Ganhar Meu Dia"). O apelido foi emprestado do roteiro do filme Sudden Impact, em que o violento investigador policial Harry Callahan, representado pelo ator Clint Eastwood, diz a um suspeito que o ameaça em uma lanchonete: "Vá em frente, me ajude a ganhar meu dia". Ele sabia que se o suspeito tentasse agredi-lo, ele podia atirar nele e matá-lo (o que aconteceu), sem ter de se defender mais tarde. Bastava alegar legítima defesa. Pela lei da Flórida, basta que o autor do crime forneça à polícia uma argumentação plausível para sustentar a legítima defesa. A acusação não pode, obviamente, contestar com a versão da vítima.
O paradeiro de Zimmerman é desconhecido e ele sequer é procurado pela Polícia, segundo os jornais americanos. Mas sua impunidade está causando furor em todo o país. Manifestações foram feitas, por muitas centenas de pessoas, em igrejas e ruas de Sanford, Miami, Orlando e New York, noticia a CNN. Uma petição no site Change.org, exigindo a prisão de Zimmerman, já conta com mais de 700 mil assinaturas, entre as quais de várias celebridades, como o cineasta Spike Lee e o músico Wyclef Jean. As manifestações, a campanha no Facebook e a ampla cobertura da imprensa — e suas críticas — levaram as autoridades a anunciar que um júri de instrução será instalado, para avaliar o caso, em abril.
Para um grande número de americanos, essa lei da Flórida passou dos limites. E, recentemente, ganhou mais um apelido de seus oponentes, segundo o site da MSNBC: Shoot First Law (Lei Atire Primeiro) — apelido derivado da expressão "aitre primeiro, pergunte depois", que muitas vezes foi atribuída, nos filmes de "bangue-bangue", aos bandoleiros mexicanos. Para um colunista do jornal Orlando Sentinel, os habitantes da Flórida estão revivendo o Velho Oeste.
Ameaça presumida
Há outro caso que está incomodando a população. Em setembro de 2010, Trevor Dooley matou David James, que estava jogando basquetebol com sua filha de 8 anos, por causa de uma discussão. Dooley teria iniciado a briga, ao tentar proibir um garoto de usar sua prancha de skate na quadra. No mês passado, ele alegou em um tribunal que tinha o direito de matar James, de acordo com a Stand Your Ground Law, porque sentiu que sua vida estava ameaçada.
De acordo com o New York Times, um levantamento de 65 casos semelhantes ocorridos na Flórida que resultaram em mortes revelou que, em 57 deles, sequer houve indiciamento criminal. Em sete outros, a denúncia foi apresentada à Justiça, mas os réus foram absolvidos. A Suprema Corte da Flórida já decidiu que, com base nessa lei, os juízes podem rejeitar as denúncias, antes mesmo de iniciar o julgamento. Isso porque, segundo a Corte, a lei dá ao réu o que se chama de imunidade verdadeira.
A venda de armas cresceu substancialmente na Flórida, e nos outros estados que copiaram a lei, depois da aprovação da Stand Your Ground Law. A lei foi aprovada graças, em boa medida, ao forte lobby da National Rifle Association (NFA), a associação americana que reúne os fabricantes de armas dos EUA e entusiastas de todos os calibres: a NFA foi presidida, por vários anos, pelo ator e ativista Charlton Heston(Os Dez Mandamentos, Ben-Hur ). A organização, considerada o grupo mais influente de lobby por parlamentares e assessores do Congresso dos EUA, segundo uma pesquisa da revista Fortune, se declara defensora dos direitos de porte de arma, garantidos pela Segunda Emenda da Constituição do país, explica a Wikipédia.
O procurador geral do estado da Flórida, Willie Meggs, que lutou contra a aprovação dessa lei quando ela foi proposta, disse ao New York Times que as consequências da Stand Your Ground Law têm sido "devastadoras" em todo o estado. "O que estamos passando é quase uma loucura", afirmou. Ele contou que a lei tem sido usada por membros de gangues em guerra com outras gangues, traficantes em guerra com outros traficantes, bem como por namorados ciumentos em bares, que usam revólveres, facas e até mesmo um quebrador de gelo, como já aconteceu, para matar seus desafetos. E relatou que o estado perdeu um caso contra um homem que já estava em seu carro para ir para casa, mas, com muita raiva por causa de uma discussão com outro homem que havia sentado em seu veículo, pegou uma arma no porta-luvas, abriu a porta, desceu, caminhou até perto dele e o matou com um tiro.
Zimmerman tinha direito a porte de arma, porque não tem antecedentes criminais, embora a Polícia saiba que, há algum tempo, ele bateu em um policial. Mas o fato não rendeu denúncia criminal. As previsões são de que ela vai se safar mais uma vez. O Departamento de Justiça dos EUA e o FBI já disseram a jornalistas que um possível caso federal contra Zimmerman será muito fraco. Eles poderiam, por exemplo, fazer uma denúncia contra Zimmerman por crime de ódio, uma vez que ele é branco e a vítima era negra. No entanto, ele tem descendência hispânica, o que o colocaria na mesma situação de minoria racial. O pai de Zimmerman já enviou um comunicado ao jornal Orlando Sentinel, declarando que a família tem membros de descendência negra e que, portanto, esse não é um caso de discriminação racial.
O anúncio da programação de um Grand Jury, segundo algumas autoridades explicaram anonimamente a jornalistas, tem o objetivo principal de "acalmar as multidões". Para isso, uma equipe de profissionais de Relações Públicas foi despachada para a Flórida. E as autoridades estão pedindo calma à população, porque alguma coisa vai ser feita.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.