segunda-feira, julho 20, 2020

Mercado se mobiliza para aprimorar e salvar lei de auxílio a artistas e profissionais da cultura

Marcelo Moreira

Um importante movimento tomou conta do mundo da música neste mês de julho assim que a chamada Lei Aldyr Blanc foi assinada e publicada pelo governo federal. 

A medida provisória que destina R$ 3 bilhões em auxílio a músicos e artistas, bem como a profissionais de todos os segmentos da cultura e das artes, foi comemorada, mas durou pouco a alegria por conta de várias inconsistências no texto, com brechas que permitem questionamentos na Justiça e não deixam claros os critérios de quem tem direito ao benefício.

Outra preocupação dos especialistas no assunto é sobre a responsabilidade de quem irá distribuir esses recursos. Estados e municípios terão condições de fazer isso sem que haja as costumeiras denúncias de favorecimento político, e justamente em ano de eleição municipal?

O setor conseguiu uma audiência no dia de 10 julho com Daniel Diniz Nepomuceno, secretário-executivo do Ministério do Turismo, a quem está subordinada a Secretaria Especial de Cultura, para apresentar sugestões de melhoramentos à Lei Aldyr Blanc e pedir esclarecimentos sobre os critérios que serão adotados na liberação do dinheiro. As entidades representadas receberam a promessa de que as sugestões seriam analisadas.

"A pandemia escancarou o tamanho da informalidade no campo artístico brasileiro. Estados e municípios agora têm que correr para realizar a distribuição dos recursos da Lei de Emergência Cultura de forma correta e em tempo hábil", diz Daniel Neves, presidente do Conselho da Frente Parlamentar em Defesa da Música (Fremúsica).

Para ele, "é extremamente necessário que a sociedade civil se organize para fiscalizar o acesso dos recursos da Lei de Emergência Cultural para quem é devido".

Um problema urgente é definir quem terá direito ao dinheiro. Há questionamentos a respeito da eventual falta de cadastros de músicos e profissionais da cultura ligados à música, fato alegado por muita gente. Mas existem listas de entidades de classes, como a OMB (Ordem dos Músicos do Brasil), de sindicatos de categorias como iluminadores, cenógrafos e outras.

Há a necessidade de conciliar essas informações divergentes e saber se esses cadastros contemplam as categorias. Como fazer uma triagem e um cadastramento que tenha o mínimo de riscos de fraude?

Existem artistas e entidades que representam algumas categorias que defendem que os eventuais beneficiários façam uma autodeclaração informando sua condição favorável a receber o dinheiro, o que causa espanto e acende a luz vermelha em relação a interesses que fogem do escopo da questão.

O principal documento é um estudo encabeçado pelo cientista político Manoel J. de Souza Neto, ex-conselheiro nacional da cultura e uma das maiores autoridades acadêmicas do país no estudo dos mercados da música e da cultura.

Ele apontou que o texto enseja questionamentos legais que podem travar a chegada dos recursos a quem mais precisa - envio que já está muito atrasado, se observarmos que o auxílio emergencial do governo para vários tipos de categorias profissionais, de R$ 600, já está chegando ao fim. 

Souza Neto aponta outro problema que pode atrapalhar os planos da distribuição do dinheiro para os artistas e profissionais do setor necessitados: a falta de criação pelos municípios, por força de lei, de fundos e mecanismos de fomento à cultura, como está no texto da Lei Aldyr Blanc.

"Essa é uma questão que pode embolar a coisa. Pouco mais de 10% dos municípios, no geral, se adequaram à exigência de criar, por meio de lei, fundos de fomento. Isso pode impedir ou mesmo forçar a devolução da verba recebida, quando não gerar questionamentos pelos tribunais de contas estaduais e municipais", observa Souza Neto.

Antes de voltarmos aos espetáculos, os profissionais do setor de artes precisará se reerguer (FOTO: DIVULGAÇÃO/SESC D. PEDRO)

Para ele, não haverá tempo hábil para que os trâmites necessários para que municípios se adequem às exigências legais em até 60 dias. Como estamos em um contexto de crise social, agilidade é fundamental para que o dinheiro tenha alguma serventia para os beneficiados. 

Uma dificuldade adicional será o procedimento para chegar e detectar quem conseguiu o benefício de R$ 600 e que, eventualmente, venha a se inscrever no cadastro da cultura. "É crucial que as eventuais sobreposições sejam identificadas para que tenhamos a maior abrangência possível."

O documento enviado ao governo federal é uma peça bem fundamentada que mostra as contradições do texto da lei e a consequências graves para a efetividade de sua proposta.

"As contradições da lei ocorrem especialmente da ausência de critérios claros de seleção de quem seriam os beneficiários, excluindo a ampla maioria dos fazedores da cultura. Mas também, devido aos prazos, a origem dos fundos, das regras para seu repasse e quem serão os atendidos, posto que a lei fala em atendimento emergencial, portanto visando às vítimas da pandemia, mas mantem aberta a possibilidade de critérios de distribuição por editais, com normas do mundo da arte, o que implica em dizer, que podem ser feitas seleções, excluindo necessitados em nome da qualidade artística", diz um trecho do documento do setor musical.

"Uma aberração que pode gerar injustiças e assimetrias, típicas do que já vem sendo explicado em estudos sobre o assunto ao tratar por exemplo dos efeitos excludentes das leis de incentivo à cultura (artigos citados nas referências bibliográficas)", continua. "A tendência na atual situação é que os recursos não cheguem em quem mais precisa e mesmo que sejam distribuídos, estão de tal forma dentro de uma insegurança jurídica, de que mesmo após distribuídos, não sejam aplicados, ou pior, tenham que ser devolvidos."

Sobre a situação dos municípios, os apontamentos são preocupantes. "A parca atuação dos municípios no SNC – Sistema Nacional de Cultura, através da falta de assinaturas do pacto federativo, se dá devido aos movimentos tensos entre grupos de interesses, artistas instituídos historicamente beneficiados pelos gestores, com movimentos sociais, partidos, agentes culturais, intelectuais e até mesmo internamente dentro de gestões em diferentes pastas de secretarias municipais e estaduais, devido a disputa pelos recursos públicos. Na medida que a instalação desses planos demandaria esforço, trabalho, comprometimento de recursos e atendimento de políticas públicas efetivas, diversos agentes optaram por dificultar o avanço desse processo de construção nacional de institucionalização das políticas culturais estruturantes. Infelizmente a maioria dos municípios não está preparada neste sentido."

A preocupação do setor também recai sobre questões orçamentárias do próprio governo federal, que pode não dispor dos até R$ 3 bilhões prometidos. "Esse montante parece improvável, posto que o FNC (Fundo Nacional de Cultura) vem passando por fortes cortes e contingenciamentos, flutuando com valores muito menores do que anunciado. Esses contingenciamentos que vem se agravando na última década, tiveram forte redução após a aprovação da Emenda Constitucional 95, que criou o teto de gastos e cortes de investimentos no governo de Michel Temer."

O texto destaca a questão de estarmos em ano eleitoral e suas implicações. "É claro que estamos também em ano eleitoral, ao qual não pode a administração pública empenhar recursos, pois o art. 73, § 10, da Lei Eleitoral foi inserido pela Lei nº 11.300/2006, reforçar a proibição ao impedir a distribuição de bens ou serviços e veda qualquer distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública. A exceção dada pelo Estado de calamidade não fica evidente neste caso, ainda que seja, posto que as verbas da lei Aldir Blanc não foram liberadas a título emergencial para assistência social pelos órgãos competentes, mas sim, pelos organismos de cultura, podendo ser usadas para atividades de fomento à cultura, inclusive pelos métodos de exclusão chamados editais, que não atendem aos necessitados."

O Combate Rock procurou o Ministério do Turismo para saber a repercussão do documento, mas até o momento não recebeu resposta. Extraoficialmente, recebemos a informação de que o documento está "em análise".

Listamos abaixo algumas das sugestões de aprimoramento imediato da Lei Aldyr Blanc feit
as pelo setor musical:

- Que sejam apresentadas como critério de seleção o cadastros e comprovantes de atividade artística e cultural interrompida e atingida pela pandemia para recebimento do auxílio em oposição aos modelos de editais que são excludentes. Os critérios devem ser de inclusão social e não de exclusão na aplicação dos recursos. ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL CONSELHO FEDERAL SCS – Quadra 04 – Ed. Israel Pinheiro – 3º Andar – TEL: (61) 3226 – 0499. Brasília – DF 13 

- Que sejam abolidos os fundos de atividades de fomento, sendo aplicados os recursos para subsistência básica do todos os artistas, bem como manutenção de espaços culturais em todo território nacional atingidos pela pandemia. A vida é prioritária neste momento. 

- Que sejam revistos os critérios de pagamento de auxílio emergencial, podendo abranger 100% dos artistas e técnicos envolvidos na cadeia produtiva da economia da cultura, afim, de que todos que estejam precisando de auxílio possam ter proteção social. 

- A necessidade de comprometimento social dos recursos, portanto, para fins de enfrentamento da calamidade pública exclusivamente. 

- O fomento aos espaços culturais ocorra com valores divididos entre pequenos espaços culturais, médios e grandes, baseado em custas, oportunizando no entanto valores de subsidio básico mínimo a todos, nem que sejam valores menores, para amenizar as contas, mas para que existam recursos suficientes para apoiar o máximo de espaços culturais nesse tempo de crise. 

- Da liberação do SNC, para cadastro de auto declaração dos municípios que assumam em caráter emergencial de que irão aprovar em dois anos toda legislação de plano, sistema, fundo e conselho, para que possam acessar os recursos do Fundo Nacional de Cultura agora, mas em contrapartida, tenham que devolver esses recursos, se em dois anos não aprovarem as respectivas leis que são requisitos básicos para que acessem o SNC e o FNC. 

- Que sejam aceitos para efeito de cadastro de reconhecimento de trabalhadores com direito ao acesso dos recursos, a apresentação de carteira profissional das profissões regulamentadas, como exemplo cênicas e música: LEI Nº 6.533, DE 24 DE MAIO DE 1978. Dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões. LEI No 3.857, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1960. Cria a Ordem dos Músicos do Brasil. 

- Tornar permanente a Lei Aldir Blanc, para que em casos semelhantes de calamidade pública que exija o fechamento de espaços culturais, devido a pandemias, e outros motivos de força maior, em que sejam proibidas aglomerações e exigido pelo Estado distanciamento social, de que os recursos do Fundo por via do SNC possam ser requisitados pelos Estados e municípios afetados à qualquer tempo.

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