quarta-feira, julho 22, 2020

'Closer', do Joy Division, faz 40 anos e ganha reedição remasterizada

Marcelo Moreira

Eram garotos como todos os outros que amavam o punk, mas que queriam ir além, ainda que seu genial e genioso vocalista fosse, de certa forma, um entrave. E, até certo ponto, conseguiram ir além, por mais que tivessem de mudar os planos e seguir por outros caminhos.

Faz mais de 40 anos que uns garotos que pareciam enfezados, mas que apenas era um pouco desnorteados, começaram a recolocar a cidade inglesa de Manchester no panorama do rock.

Meio que sem saber o tamanho do estrago que estavam fazendo, perceberam que o punk era um ataque, mas não o fim - exceto para o vocalista, que enxergava o fim em quase tudo.

Como grande legado, eles formaram o Joy Division e deixaram um disco importantíssimo, que influenciou ao menos duas gerações posteriores de bandas inglesas, além de ser o pontapé inicial para o surgimento de outra banda tão importante quanto, o New Order.

"Closer", o segundo e emblemático álbum do Joy Division - foi lançado postumamente, pois a banda tinha acabado e se transformado com a morte do vocalista Ian Curtis -, está fazendo 40 anos e ganhou uma reedição caprichada, com nova mixagem e remasterização, reacendendo a centelha que instigou tanta gente a ouvir músicas clássicas como "Isolation" e "Heart and Soul".

O álbum reforçava a veia anticomercial e totalmente gótica/melancólica. Colocava na mesa as cartas que dispunham, encantando o mundo com um som sombrio, soturno, melancólico e asfixiante, desesperador em certos momentos a angústia em arte e em meio de comunicação.

É uma dolorida sequência do magistral "Unknown Pleasure", de 1979, outra pérola de música de inspiração punk e gótica, explicitando o desespero e o sentimento de solidão - e que inclui o maior hit da banda, "Love Will Tears Us Apart".


Começo despretensioso

Em 1977, o Warsawa começava a se firmar depois do encontro do aspirante a cantor Ian Curtis com o baixista Bernard Sumner e com o baixista Peter Hook - logo em seguida chegaria o baterista Steve Morris.

No final do ano seguinte, já como Joy Disivion, a banda quase estouraria mundialmente, se não fosse pelo errático, excêntrico e doente Ian Curtis.

Essa história do quase estouro do Joy Division, uma das bandas cult mais cultuadas dentro do rock underground, é descrita com paixão, ressentimento e resignação por Deborah Curtis, a ex-mulher do vocalista, em uma obra interessante publicada pela editora Ideal em português, "Tocando a Distância - Ian Custis e Joy Division".

A edição brasileira da obra escrita em 1995 teve uma tradução excelente do jornalista José Julio do Espírito Santo e uma edição caprichada em português com todas as letras escritas por Ian Curtis (com suas respectivas traduções), além de composições inéditas e trechos de letras inacabadas. O livro foi editado em 2014 e foi reeditado em 2016.

Por um lado, a obra da Deborah Curtis é um pouco decepcionante porque não entrega o que promete no título - o Joy Division acaba sendo coadjuvante de uma história de amor adolescente mal resolvida, pois o que norteia a narrativa é a investigação da personalidade errática, difícil e fora do comum de Ian Curtis.

Deborah procura explicações para as dificuldades conjugais e de comunicação do vocalista em detalhes da vida em comum e na obsessão dele em se tornar um rockstar.

Corajosa e persistente, a autora resiste em atribuir à epilepsia, diagnosticada por volta 1977, como causa do comportamento instável do marido.

Joy Division: da esq. para a dir., Stephen Morris, Peter Hook, Ian Curtis e Bernard Sumner (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Vida instável

Juntos desde os 16 anos de idade, Deborah enumera diversos fatos que muito mais tarde identificaria como bipolaridade. De famílias de classe média baixa, o casal resolveu casar em 1975, aos 19 anos - ela seis meses mais nova.

Sempre em empregos mal remunerados, embora nunca desempregados, os dois tiveram ajuda preciosa dos pais, especialmente quando Natalie, a filha do casal, nasceu em 1979.

O problema é que a grana era pouca, a banda, já chamada de Joy Division, solicitava muito, mas pagava quase nada. Para temperar as coisas complicadas, viera os frequentes ataques epilépticos, muitos antes de shows - ou ao final deles.

Se entrega menos do que promete em relação ao Joy Division, a obra é um relato seco, corajoso e franco sobre a vida de Ian Curtis e sua escalada para virar uma estrela, interrompida pela total instabilidade emocional, pela depressão profunda e pela doença, com direito a um relacionamento extraconjugal com uma garota belga que aprofundou os problemas psicológicos do cantor.

Deborah não é condescendente e não busca culpados para o suicídio de Curtis em maio de 1980, dois dias antes da primeira turnê norte-americana. Ela é bem seca e sucinta ao narrar aquele final de semana em que o já ex-marido pediu para passar a noite vendo televisão no então ex-lar do casal.

Na manhã seguinte, um domingo, Deborah, que dormira na casa dos pais após uma noite de trabalho como garçonete em um clube noturno, encontrou Curtis enforcado na cozinha com um varal de roupas.



Morre o cantor, nasce mais um mito

Ian Curtis morreu aos 23 anos de idade e entrou, com sua morte, para o panteão dos ídolos cult que se foram cedo, mas não está no primeiro time dos gloriosos mortos do rock que viraram lendas, como Jim Morrison ou Kurt Cobain.

Letrista de qualidade acima da média com momentos muito inspirados, como a bela "Love Will Tears Us Apart", ajudou a apontar um caminho que avançava em relação ao punk que expirava no ano de 1980 - para muitos críticos, "Closer" já anunciava o que veio a ser chamado de pós-punk.

Deborah Curtis foi igualmente seca ao analisar a obra do Joy Division e sobre a importância da obra do ex-marido, mas reconheceu a importância e sua qualidade, tomando emprestadas várias expressões e análises de jornalistas amigos.



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