quinta-feira, julho 23, 2020

Há 35 anos, Dee Snider se tornava o patrono da liberdade de expressão no rock

Marcelo Moreira

A situação era hilária, em todos s sentidos, por mais que ninguém achasse graça - nem músicos, nem executivos de gravadoras, nem parlamentares.

O heavy metal e o hard rock tinham se tornado o alvo dos conservadores norte-americanos em pleno governo Ronald Reagan, que achavam o rock "decadente" e "má influência" para os jovens, e isso em 1985 - reeditando os discursos estúpidos e medievais dos primórdios do rock, 30 anos antes.

A "defesa da juventude" uniu deputados e senadores democratas e republicanos - e suas esposas imbecis - contra o rock e o nascente rap/hip hop.

Há 35 anos, a humanidade vivia provavelmente a sua época de maior vexame cultural e artístico ao colocar o rock no banco dos réus e propiciar uma investigação parlamentar sobre o conteúdo das obras - como se os políticos nada tivesse mais importante para fazer.

E coube a um cantor de hard rock falastrão, mas muito bem preparado intelectualmente, fazer a defesa mais importante do rock, das artes e da liberdade de expressão, ao lado do extraordinário Frank Zappa.

Aliás, Dee Snider, então vocalista do Twisted Sister, ofuscou o venerável Zappa ao destruir e desconstruir o discurso conservador dos conservadores idiotas loucos para castrar a criatividade e tutelar a juventude.

Twisted Sister: Dee Snider está no centro (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Instigados por suas imbecis esposas, deputados federais e senadores criaram uma comissão de investigação para investigar o conteúdo das letras de música pop, reeditando os tempos do macarthismo - movimento político liderado pelo senador republicano Joseph McCarthy que visava identificar, banir e processar "comunistas" na indústria cinematográfica e na literatura dos anos 50.

Babando de ódio e sedentos de sangue, os parlamentares foram trucidados pelos argumentos pelo sarcasmo de Snider e Zappa, além de um banho de tolerância e de fundamentos democráticos por parte do cantor folk John Denver.

 Vestido como estivesse na iminência de subir ao palco, Dee Snider deu um depoimento contundente e certeiro sobre como funcionava a indústria fonográfica e o processo de composição musical. Deu uma aula de liberdade de expressão e de comportamento político tolerante, além de demonstrar o ridículo de todo aquele circo.

Com base em post nas redes sociais de Sergio Collin Júnior, reproduzimos alguns trechos traduzidos da fala de Dee Snider em seu depoimento no Congresso norte-americano em 1985:

"Não sei se é manhã ou tarde. Eu vou dizer duas coisas. Bom dia e boa tarde. Mu nome é Dee Snider. S-n-i-d-e-r. Eu gostaria de falar ao comite um pouco sobre mim mesmo. Tenho 30 anos, sou casado, tenho um filho de 3 anos de idade. Eu nasci e cresci como um cristão e eu ainda creio nos mesmos princípios básicos. Acredite ou não, eu não fumo, não bebo, e eu não uso drogas.

Eu toco e componho as canções para uma banda de rock and roll chamado Twisted Sister que é classificada como heavy metal, e eu me orgulho de escrever canções que sejam consistentes, seguindo assim minhas mencionadas crenças.

Desde que eu pareço ser a única pessoa a ser abordado a esta comissão de hoje, da qual eu tenho sido alvo direto de acusações, presumivelmente responsável, gostaria de aproveitar esta ocasião para falar sobre uma nota mais pessoal e mostrar o quão injusto todo o conceito de lírica interpretação e julgamento pode ser, e quantas vezes isso pode chegar a pouco mais de assassinato de caráter.

Sinto que acusações deste tipo são irresponsáveis, prejudiciais à nossa reputação, e caluniosas.
A beleza da literatura, poesia e música é que eles deixam espaço para o público a colocar a sua própria imaginação, experiências e sonhos em palavras."

Uma esposa de senador (senhora Al Gore) disse que a música 'Under to Blade' (Sob a Lâmina) faz apologia ao sadomasoquismo. A música mexe com a imaginação das pessoas e as faz pensar o que quiserem. Essa música fala sobre uma cirurgia na garganta de um integrante da banda, o meu guitarrista Eddie Ojeda e o medo que ele tinha dela. A Sra. Gore procurou sadomasoquismo na música e o encontrou. Quem procurar referências cirúrgicas também irá encontrá-las."

Seguiram-se discussões inócuas e inúteis depois da aula de Snider, com parlamentares espumando de raiva por terem sido ridicularizados.

A única consequência digna de nota foi a invenção de um "selo" a ser colocado nos LPs avisando sobre o "conteúdo" explícito nas letras de rap e rock. Um tiro no pé, pois isso só aumentou a curiosidade sobre tais obras e explodiu as vendas de tais produtos. Clique aqui e saiba mais sobre a questão.



O selo tinha a chancela do PMRC (Parents Music Resource Center), o comitê extraparlamentar criado pelas esposas dos senadores e deputados para tentar censurar músicas e outras manifestações culturais.

Os depoimentos dos artistas e o discurso de Dee Snider se tornaram um marco na defesa da liberdade de expressão por parte dos artistas e estimulou o surgimento de um ramo jurídico em várias partes do mundo que especializou em atentados conservadores contra as artes. 

De alguma forma, essas iniciativas ajudaram nas defesas de Ozzy Osbourne e Judas Priest ainda nos anos 80, quando foram acusados absurdamente, nos tribunais, de terem contribuído para o suicídio de jovens por conta de letras de algumas músicas. Depois de alguns anos de sofrimento, os artistas foram absolvidos.

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