De um lado, o veterano astro, já milionário (ou nem tanto), brada contra o "roubo" de sua arte e se nega a fazer novo trabalho autoral, preferindo a comodidade dos royalties de hits antigos, rotos e desgastados - mas ainda lucrativos.
Do outro, o moleque sonhador que junta os trocados suados ganhos em botecos aqui e ali, louco para entrar em um estúdio "meia boca", mas barato, para gravar três músicas próprias para um EP, que será divulgado gratuitamente nas rede sociais, ou distribuídos em pen drives de bar em bar ou na rua, quem sabe no metrô.
No meio dos dois mundos a anos-luz de distância um do outro está um vácuo que a modernidade e a tecnologia ainda não conseguem preencher em um tempo em que a arte e a cultura perderam o status de "bens intangíveis". Arte e cultura ficaram muito baratas e, por consequência, descartáveis e menosprezadas. Existe futuro nessas atividades? Essa é a pergunta que muitos artistas vêm fazendo há alguns anos, especialmente os músicos: se a arte ficou de graça, existe algum sentido artístico em produzi-la de forma diletante? Por incrível que pareça, os roqueiros brasileiros recorrem a um chavão invertido de John Lennon para responder e ir em frente: "O sonho não acabou e vamos em frente". Boa parte dos que ainda empunham guitarras, baixos e baterias questionam se há alguma coisa a comemorar neste 13 de julho, Dia Internacional do Rock. À crise do mercado musical se juntou uma crise brava no Brasil e uma monstruosa pandemia. Vale a pena investir dinheiro em estúdio, produção, ensaios, mídia física e distribuição para ver seu trabalho consumido de graça e sem a devida valorização? "Eu sou músico, vivo disso e tudo o que consegui veio por meio da música", disse certa vez o baterista Ivan Busic, do Dr. Sin. "As coisas estão difíceis? Na verdade, nunca foram fáceis no rock, e não sei se serão algum dia. Mas eu aposto em mim, na minha banda e na minha música. Ainda tem gente que valoriza bastante o que faço e a arte em geral. Só tenho que agradecer e seguir em frente. Adoro tudo isso." Vale a pena compor música para um público que se relaciona de modo diferente com o rock hoje em dia, tratando os trabalhos de forma descartável e sem apreço? "Fui criado ouvindo música e sonhando com os palcos, vendo meus ídolos transformarem música em paixão, em algo quase indescritível", afirma outro baterista, Amílcar Christófaro, da banda de metal Torture Squad. Para ele, o ato de criar é indissociável do artista e do ser humano. "Minha banda gravou oito CDs, quase todos lançados no exterior também. As coisas já foram melhores, mas também já foram piores. Compor músicas é a motivação maior de um músico de ver o seu trabalho apreciado de alguma maneira. Não se trata só de legado, mas de necessidade interna de produzir e de admirar o próprio trabalho." Os dois fazem parte de um time recheado de idealistas e abnegados que acreditam que a arte ainda faz diferença na vida das pessoas e que ajuda a melhorar o dia de cada um de nós - e o rock é a ponta de lança dessa atividade. Também penso dessa forma, mas admiro quem mergulha de cabeça neste sonho e ainda consegue viver dele. Fazer rock hoje é um ato de rebeldia, assim como fazer arte. De volta ao gueto e com uma áurea cada vez mais reforçada de atividade marginal, o rock chega à meia-idade em busca de novos horizontes e outras perspectivas. Em 1967 surgiu o psicodelismo como tábua de salvação; dez anos depois, veio o punk para quebrar tudo, chacoalhar e dar início a uma nova dinâmica; em 1987 foi a vez do thrash metal e da música extrema levarem o rock a romper limites e outras barreiras e disseminar o lado obscuro e sombrio da música; dez anos depois e o chamado new metal criou uma nova estética para atrair novos ouvintes e resgatar o espírito rebelde e jovem do gênero; já em 2007 o rock parecia esgotado, exaurido, clamando por um novo movimento que pudesse revitalizar e rejuvenescer o combalido sessentão. O ciclo vem se repetindo com frequência, e o rock continua aí, menos vigoroso, mas com muito fôlego, apesar de muitos continuarem a decretar a morte do gênero. Sendo assim, cabe a pergunta de sempre: quem é que vai "salvar" o rock dessa vez, se é que ele realmente precisa ser salvo?
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