sábado, janeiro 09, 2010

Invisíveis, mas nem tanto


A cena é mais uma entre tantas tragédias que ocorrem em dias de tempestades na Grande São Paulo. Trânsito parado na avenida Juntas Provisórias, na parte que divide o Ipiranga da Vila Carioca (zona sul da Capital), um Vectra tenta ultrapassar, em velocidade moderada, um ônibus que insiste em tomar duas faixas.

Mal humorado, o motorista do ônibus faz questão de atrapalhar todo mundo. Quando o Vectra consegue brecha pela direita e tenta ultrapassar o veículo maior, para dobrar uma rua à direita e fugir do congestionamento, o condutor do ônibus, de propósito, joga o veículo sobre o automóvel, para impedir manobra.

O Vectra tenta desviar, perde o controle e colide em cheio com a carrocinha de um catador de papel, perto de uma esquina. A carrocinha se desmancha, o carroceiro é jogado na calçada, e o automóvel se espatifa contra um muro.

O motorista do ônibus e o cobrador nem tiveram tempo de ver o que aconteceu: foram rapidamente retirados do veículos e brutalmente espancados, sendo salvos graças à intervenção de seguranças de uma fábrica.

O motorista do Vectra quebrou o braço apenas, mas o carroceiro teve fraturas múltiplas. Estava inconsciente, e foi poupado de ter de ouvir que “se esse vagabundo não existisse, não teria havido acidente e não atrapalharia o trânsito”.

Essa é apenas uma das facetas dos “combatentes da miséria”: seria melhor que esses seres que incomodam não existissem. Transparentes e ignorados, os carroceiros só são lembrados quando atrapalham o trânsito em grandes avenidas. Ou quando morrem atropelados quando estão “atrapalhando o fluxo de veículos”.

É impressionante a incapacidade de uma das maiores prefeituras do mundo e de uma sociedade como a paulistana para lidar com a miséria em termos civilizados.

A invisibilidade da miséria é uma forma de lidar com o “problema” sem ter de passar por “constrangimentos”. Esse é o estilo tucano de administrar cidades grandes.

Não acho que ser carroceiro é uma alternativa de renda para quem quer que seja. E abomino as ONGs que apoiam e tentam “incentivar” e “humanizar” a atividade dos carroceiros – é mais uma forma de perpetuar a miséria, em vez de realmente se discutir uma alternativa viável e digna de vida para essas pessoas.

Seja como for, está na hora de parar de achar que os carroceiros são invisíveis ou apenas “incômodos no trânsito”.

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