sexta-feira, agosto 07, 2020

Reverenciemos o Sepultura pelo que é, não pelo que queremos que seja

Marcelo Moreira

Sepultura (FOTO: DIVULGAÇÃO)

De tempos em tempos alguém resgata alguma "pensata" sobre um suposto menosprezo sobre a importância do Sepultura para a cultura brasileira. A tese de sempre é a de que o povo e a sociedade brasileira não valorizam a banda de metal como deviam.

Assunto velho, mas que volta a merecer algum tipo de atenção indevida - e pior, incentivada por declarações dos integrantes da banda que reforçam a percepção de desvalorização.

O Sepultura precisa ser reverenciado pelo que que é, uma das maiores banda de heavy metal dos últimos 30 anos, e uma das maiores de todos os tempos no metal extremo. Internacionalmente, é uma banda gigante, amada e supervalorizada. Por que essa obsessão por um reconhecimento dentro do Brasil que nunca virá?

Não se trata de se contentar com o pouco. Trata-se de observar a realidade e enxergá-la como de fato é. O rock, ainda que em sua versão mais pop e acessível, sempre foi um corpo estranho na nossa cultura. O que dizer então do metal extremo, o death, thrash e black metal, vertentes que as bandas brasileiras importavam e copiavam lá nos anos 80?

O Sepultura foi a banda extrema mais bem-sucedida no Brasil desde sempre, e provavelmente sempre foi a melhor, mas jamais foi um sucesso de público por aqui justamente pela violência sonora e pelo idioma, o inglês. Sempre fez música de gueto, de nicho por mais que tenha levado multidão em shows gratuitos pelo Brasil afora.

Foram raríssimas as vezes em que alguém ouviu uma música do Sepultura tocando em algum boteco da vida, em alguma praça qualquer - a não ser no entorno da Galeria do Rock, no centro de São Paulo.

Nem entre os roqueiros o Sepultura é unanimidade, o que é uma boa coisa, já unanimidade é sempre motivo de desconfiança.

O Sepultura é o que é e louvemos que seja assim - gigante no rock mundial, uma lenda no Brasil, mas jamais será popular e raramente merecerá alguma homenagem fora do normal.

Há pobreza de espírito na avaliação geral do legado da banda no Brasil? Certamente. A obtusidade da intelligentsia cultural brasileira é incapaz de analisar criticamente e reconhecer a importância do Sepultura dentro do contexto roqueiro-cultural brasileiro.

Para a maioria, será um sacrilégio colocar os integrantes da banda no mesmo panteão de Caetano Veloso, Chico Buarque, Ivan Lins, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e outros artistas brasileiros bem cotados.

E daí? Muda alguma coisa? O Sepultura precisa disso? Claro que não. Obsessões à parte, a glória já foi atingida.

No país que venera duplas sertanejas desprovidas de qualidade e talento e artistas pop midiáticos com base no pior tipo de funk que existe, é quase consenso que o Sepultura está bem demais na atual circunstância: é reconhecido e reverenciado pelas pessoas que sabem identificar o que é bom e o que é ruim.

Sepultura no Domingão do Faustão? A banda realmente precisa disso? Tem o tamanho que tem que ter e o reconhecimento necessário em uma terra que jamais valorizou o que quer que seja fora do que o senso comum "mandou".

É quase um atestado de genialidade e de qualidade não receber a reverência tão esperada em um terra que despreza a educação e a literatura e que não hesitou em abraçar ideologias violentas e nefastas, como atestamos com a eleição de Jair Bolsonaro, um presidente incompetente e incapaz que se inspira em ideias fascistas.

O Sepultura está bem acompanhado no quesito "grandes nomes subestimados" justamente em um momento em que intelectuais como o educador Paulo Freire são atacados, compositores como Villa-Lobo são escanteados e escritores de vários calibres são esquecidos e menosprezados. Ou seja, nada de novo fronte.

Vamos reverenciar o Sepultura pelo tamanho que ele tem, que é enorme, e deixar de lado as imensas expectativas que termos. A banda é eterna e está inserida em um contexto maior, que identifica e valoriza o que de melhor a cultura brasileira brasileira já produziu.


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