Há um sentimento geral, desde que o mundo da música mudou, lá no começo deste século, que nem tudo está perdido. Muita gente ainda acredita que arte ainda é algo viável financeiramente e que pode gerar bons lucros.
Os sonhadores levaram um baita tombo com a absurda e esdrúxula declaração do CEO mundial do Spotify, a plataforma de streaming mais importante.
Nesta semana, Daniel Ek desdenhou das constantes reclamações sobre as parcas remunerações que os artistas recebem. "Em vez de reclamar, os músicos precisam trabalhar mais e criar novas músicas. É assim que as coisas funcionam."
Ou seja, chamou os artistas de preguiçosos porque estão reclamando de receberem US$ 0,0034 por cada execução nas plataformas de streaming.
É dessa forma que essa gente, que ajudou a destruir a indústria da música, vê o trabalho artístico: um mero produto, cujo valor é muito baixo - a não ser, é claro, na hora de remunerar as próprias empresas.
As reações foram imediatas, com artistas de todos os cantos xingando e retaliando Ek, que não se importou. Sua plataforma fatura bilhões e tem valor de mercado que ultrapassa zilhões de qualquer moeda. Os artistas estão reclamando? Então que criem suas próprias plataformas, ora...
Muitos estão pensando nessa possibilidade, enquanto outros já colocaram no ar seus projetos, mas o fato é que o quase oligopólio de gigantes de streaming sufoca as principais tentativas.
Ainda persiste o falso dilema: péssimo com o Spotify, mas muito pior estar fora dele. Será mesmo? Que artistas novos, do underground, pensem desse jeito em busca de alguma visibilidade até pode fazer algum sentido, por mais que continue sendo uma imensa arapuca. Mas o que dizer a respeito dos grandes nomes do pop e do rock?
Por uma questão de conveniência, e só por isso, muitos medalhões capitularam e aderiram ao streaming, em jogo de soma negativa para os músicos e compositores.
A questão é que faz tempo que se busca uma forma de criar um novo mercado da música que consiga ao menos em parte remunerar quem cria e produz de uma forma um pouco mais decente.
São várias tentativas diárias, mas nada vira - seja por um predomínio forte de grandes corporações associadas, entre elas quase todas de streaming, seja por divergências quase irreversíveis entre os próprios músicos e agentes de produção/promoção.
O mercado está tão degradado e os artistas, aviltados de tal forma, que uma declaração nojenta como a de Ek não causa mais comoção - apenas meia dúzia de músicos famosos decidiu rebater o empresário.
Twisted Sister, do vocalista Dee Snider (ao centro): palavras duras contra o CEO do Spotify (FOTO: DIVULGAÇÃO) |
Se antes esses empresários ainda disfarçavam o seu desprezo pela arte e ela música, agora não mais. Dizem abertamente o que pensam e menosprezam músicos e artistas.
Um boicote será uma alternativa para os artistas? diante da falta de união em todos os níveis, é pouco provável. As plataformas de streaming estão tão integradas nas estratégias atuais de marketing divulgação que qualquer tentativa nesse sentido não surtiria efeito.
Depois do que sobrou das gravadoras e das editoras ter feito acordos de "sobrevivência" com esse novo mundo do das empresas de streaming, pouco espaço de manobra restou para confrontar essa gente nefasta que tomou conta das músicas e dos espaços de disseminação de música.
Os arautos da modernidade adoram dizer que os músicos nunca tiveram tanta liberdade para produzir e gerenciar as próprias carreiras como neste século, depois da implosão do mercado fonográfico.
O que não dizem é que nunca se ganhou tão pouco com o próprio trabalho como agora, em que os rendimentos de turnês estão sendo, de forma obrigatória, divididos por mais gente, inclusive com o que restou das gravadoras.
A interatividade com os fãs e ouvintes aumentou, o que quase não significa nada, pois o apreciador de música do século XXI se acostumou com o fato destruidor e degenerativo de que tudo ficou de graça. Esse pessoal não se dispõe mais a pagar por música e por arte e ainda tem a fata de consideração de dizer que as mensalidades dos pacotes de streaming são altas.
Se os estúdios de cinema e empresas produtoras ainda conseguem manter um nível de combatividade e negociação com as plataformas de streaming, músicos e produtores jamais tiveram essa possibilidade desde que o mercado fonográfico desapareceu. Desde sempre foram a parte mais e não tiveram outra alternativa a não cer ceder aos "encantos" da nova tecnologia.
A reclamação é geral e mundial. Em junho, o cantor e compositor Ivan Lins ridicularizou a remuneração que recebe das plataformas de streaming em entrevista à rádio CBN SP, em um programa de variedades.
Com quase 50 anos de carreira e canções mundialmente famosas de sua autoria, não chega a receber R$ 100 em alguns meses mesmo com toda a sua obra disponível de forma digital.
Para ele, a pandemia de coronavírus só tende a agravar a penúria que atinge a imensa maioria do mercado, enquanto as empresas de streaming são as que conseguem faturam bem com os trabalhos alheios.
Daniel Ek chamar os músicos de preguiçosos e exigir mais música para que possa explorá-los ainda mais é uma vergonha gigantesca, que merece repúdio total e irrestrito.
No entanto, infelizmente, de mãos atadas e sem perspectivas de rentabilizar o próprio negócio, os músicos mostram fragilidade e pouca disposição para combater essa ignomínia.
Na verdade, não conseguem nem mesmo rebater as acusações de que "merecem o que está acontecendo pela desunião e desinteresse em batalhar pelo todo, e não só pelo seu bolso."
Um comentário:
Adoro os serviços de streaming de música, mas o que estão pagando para os músicos é uma vergonha.
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