Flavio Leonel - do site Roque Reverso
Há bandas, como o AC/DC, que navegam durante a sua história completa praticamente sem alterações sonoras ou mudanças de estilo. Outras, porém, decidem modificar o curso da carreira radicalmente, tendo ou não o sucesso desejado. No caso do Pantera, a sábia decisão da mudança resultou no álbum “Cowboys from Hell”, que completa 30 anos de existência neste dia 24 de julho de 2020 e virou um clássico do rock pesado, mudando a carreira do grupo norte-americano para sempre.
O Ano era 1990. E o heavy metal vivia uma onda mágica das bandas de thrash metal, que marcou a segunda metade dos Anos 80 e a primeira metade dos Anos 90.
Grupos fundamentais para o estilo, como o Metallica, o Slayer, Megadeth, Anthrax, Testament,
Sepultura, Death Angel, Kreator e outros tantos viviam
uma fase criativa gigante
Estas bandas haviam lançado ou lançariam até o fim de 1990 uma sequência de discos clássicos do thrash.
Criado em 1981, muito perto do nascimento do thrash, o Pantera seguiu em seus primeiros álbuns por um caminho do hard rock e do glam metal, com um som que nada tinha a ver com a pegada forte e rápida das demais bandas que estouravam e bombavam no thrash.
Até 1986, os fundadores da banda, os irmãos Dimebag Darrell (guitarra) e Vinnie Paul (bateria), além do baixista Rex Brown, tinham Terry Glaze como vocalista do Pantera. Neste período, o grupo lançou três discos que tiveram a linha do metal farofa e que, apesar do talento já reconhecido de Dimebag Darrell, não conseguia decolar, justamente pela fama e visual do grupo, que pesavam muito naquela época de efervescência do thrash.
Com a entrada do vocalista Phil Anselmo, em 1986, o som e a pegada do Pantera já começou a mudar no disco “Power Metal”, de 1988. Desprezado também pela crítica e boa parte dos fãs, o álbum traz uma pegada diferente dos 3 primeiros discos e traz um heavy metal mais maduro, com muita influência de Judas Priest e algumas pitadas de metal mais acelerado em algumas faixas.
A chegada do jovem Phil Anselmo para os vocais trouxe um ar novo para a banda. E essa nova vibe geraria frutos dois anos depois com “Comboys From Hell”.
A cena no Brasil
Mais precisamente no Brasil, quem circulava pela cena do heavy metal, praticamente ignorava o Pantera até 1990, ou simplesmente não conhecia o grupo. A internet ainda era um sonho e a MTV Brasil seria inaugurada no País apenas em outubro daquele ano.
Com isso, era muito mais difícil a chegada de informações sobre bandas novas. Restava aos fãs de heavy metal seguir revistas clássicas, como a Rock Brigade, ou trocar informações sobre novas bandas nos pontos de encontro dos headbangers.
Em São Paulo, havia a tradicional loja Woodstock e a Galeria do Rock, que sobrevivem até os dias de hoje. Outra fonte de informação importante era o rádio, que tinha, por exemplo, os excelente programas “Comando Metal” (da 89FM e apresentado por Walcir Chalas) e “Backstage” (então na 97FM e apresentado por Vitão Bonesso), como divulgadores do metal.
Pode ser dito que o Pantera começou a bombar pra valer no Brasil justamente quando as músicas do “Cowboys From Hell” começaram a tocar nestes programas de rádio, que já haviam sido muito responsáveis pela formação de um público sólido de heavy metal em São Paulo.
A virada do Pantera
“Cowboys From Hell” é uma verdadeira revolução na história do Pantera. Ignorada até então, a banda explodiu no mundo do heavy metal com um som muito mais pesado, vocais caprichados e com menor número de agudos de Phil Anselmo e com o trio Dimebag Darrell, Vinnie Paul e Rex Brown numa sintonia impressionante.
O álbum começa a trazer para o público o groove metal que seria consolidado no álbum seguinte: o excelente “Vulgar Display of Power”, de 1992 . Com a pegada do thrash, mas com um balanço um pouco diferente e mais cadenciado, o estilo daria uma roupagem diferente dentro do heavy metal e teria também no Sepultura, no White Zombie e no Machine Head representantes de peso naquela década.
Até a capa do disco traz um Pantera diferente e mais simples, em vez do que se via anteriormente, quando o grupo chegou a ser ridicularizado pelo meio heavy metal pela horrível capa do disco “Metal Magic”. O visual farofa dá lugar a algo mais com cara de thrash metal e sem frescuras. Sai o laquê de cabelo e entram as roupas surradas.
Numa época em que os LPs em vinil ainda tinham relevância e que até as fitas cassete ainda sobreviviam à chegada avassaladora do CD, as bandas ainda usavam a estratégia de divisão dos Lados A e B, muitas vezes deixando os maiores sucessos ou candidatos a hit para o primeiro lado.
Essa estratégia foi usada brilhantemente pelo Pantera em “Cowboys From Hell”, com 6 petardos sonoros abrigando o Lado A.
A faixa-título foi o novo cartão perfeito de visitas. Com o riff matador de Dimebag Darrell, a introdução marcante da música já mostrou que aquela era uma banda completamente diferente do que se conhecia antes.
Os vocais de Phil Anselmo estavam mais agressivos e já mostravam uma maturidade em relação ao disco anterior. A “cozinha” Vinnie Paul-Rex Brown também dava o tal “groove” que marcaria a partir dali o Pantera.
Vale lembrar que o nome “Cowboys from Hell” se refere ao Estado norte-americano onde surgiu a banda, o Texas, lugar pouco tradicional para o surgimento de bandas de heavy metal.
Na sequência do disco, a paulada sonora “Primal Concrete Sledge” traz a banda numa velocidade ainda maior e um show particular de Vinnie Paul na bateria.
“Psycho Holiday” é a terceira e, apesar de trazer velocidade menor que “Primal Concrete Sledge” parece ser até mais pesada, com o tal “groove” se apresentando, forçando o pescoço e a cabeça do fã de heavy metal se movimentarem inevitavelmente.
Vale lembrar que “Psycho Holiday” e “Cowboys from Hell” tiveram clipes veiculado na MTV e que isso ajudou muito a difundir o Pantera mundialmente. O vídeo com cenas de show da banda, com direito a rodas de mosh e stage diving, era como o sonho de consumo de qualquer amante do rock pesado.
Alguém aí falou em roda de mosh? E em bate-cabeça? A faixa seguinte “Heresy” é a candidata certeira do disco a fazer o fã a bater a cabeça à exaustão ou a iniciar um mosh pelo quarto ou pela sala de casa. Tente ouvi-la sem reação alguma. É quase impossível não haver algum reflexo do ouvinte nesta música, que não virou hit, mas que é uma das melhores do álbum.
Depois de tanta porrada consecutiva, o Pantera abre a próxima de maneira calma. “Cemetery Gates”, que foi um dos singles do álbum e também ganhou clipe, é uma espécie de “balada do Pantera”, mas não se engane, pois ela muda. Com performances brilhantes de Phil Anselmo num vocal excepcional e de Dimebag Darrell com um talento magistral, ela alterna momentos mais calmos e acelerados, sendo bastante melodiosa e de fácil aceitação por fãs que vão além do heavy metal.
“Domination” fecha o Lado A com mais som pesado e rápido. Tal qual “Heresy”, ela não ganhou o status das demais faixas do primeiro lado do disco, mas caiu nas graças dos fãs pela intensidade e rapidez. E ainda traz momentos de Anselmo com vocais quase guturais.
Lado B
O Lado B de “Cowboys From Hell” é bem menos poderoso do que o Lado A, mas não deixa de ter canções interessantes. “Shattered” começa o lado poderosa, mas com um Pantera mais parecido com o disco anterior. Anselmo vem num vocal agudo mais parecido com o heavy metal tradicional. Para quem não conhecia a banda nos discos anteriores, serve para mostrar, sobretudo, a capacidade impressionante de alternância do vocalista.
“Clash with Reality” tem mais a pegada do “Cowboys From Hell” e é uma porrada sonora que reforça a qualidade de Dimebag Darrell, sem deixar de mostrar os atributos dos demais integrantes.
Na sequência, em “Medicine Man”, a dupla Dimebag-Anselmo dá um show à parte, com riffs e solos matadores do primeiro e vocais agudos e surpreendentes do segundo.
Um detalhe, por sinal, que passou a chamar a atenção no Pantera a partir deste disco é justamente a capacidade de Dimebag Darrell trazer sozinho um som coeso de guitarra que muitas bandas com dois guitarristas jamais conseguiram. “Message in Blood” e “The Sleep” são amostras neste sentido, com o guitarrista criando algo bem forte estando sozinho. Claro que o baixo de Rex Brown também tem sua participação importante, mas a performance de Dimebag é algo fora do comum.
Rex Brown, por sinal, aparece de maneira mais relevante na última do disco. “The Art of Shredding” traz uma introdução matadora do baixista que abre o terreno para algo mais pesado feito por Dimebag. Apesar de não ter ganho os louros das faixas do Lado A, “The Art of Shredding”, talvez, seja um das músicas do álbum que traz o Pantera mais coeso.
Diferença drástica
Terminada a audição do disco, é quase impossível não virar fã deste trabalho do Pantera. As mudanças em relação aos demais álbuns são impressionantes e, para muitos, é difícil acreditar que é a mesma banda antes e depois de 1990.
O auge do Pantera viria com o excepcional “Vulgar Display of Power”, que chegaria aos fãs em 1992 e levaria o grupo para o topo do heavy metal.
Em 1993, a banda ainda viria pela primeira vez ao Brasil e faria 2 shows lotados em São Paulo, no saudoso Olympia, justamente e apenas com músicas destes dois discos matadores, reforçando a imagem de querer esquecer o que veio antes de 1990.
Seria uma das estreais mais avassaladoras (veja texto especial aqui) de uma banda em solo brasileiro. E quem testemunhou jamais esquecerá.
Toda esta mudança drástica na carreira do Pantera teve papel fundamental do álbum “Cowboys From Hell”, que gerou pela primeira vez sucesso comercial para o grupo e rompeu barreiras do heavy metal.
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