quarta-feira, agosto 12, 2020

Direitos autorais: urgência em votação de projetos assusta mercado musical

Marcelo Moreira

Em plena pandemia de coronavírus mais ativa do que nunca, a indústria da cultura está sofrendo novos ataques, desta vez na área financeira e com origem no governo federal e no Congresso.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, do alto de sua incompetência e ignorância, decidiu que o livro é um artigo de luxo, um mimo das elites, e que teve ser taxado ainda mais - ou sofrer sobretaxa - como forma de "amenizar" a queda de arrecadação de impostos. 

É claro que não será o único produto a ser taxado, mas qualificar livro como produto "de elite, supérfluo e taxável", com aumento de imposto ou retirada de isenções, não é apenas um caso grave de insensibilidade: é uma preocupante deformação de caráter, que trata a cultura e as artes como coisas descartáveis e marginais, sem falar na ignorância da crise profunda que o setor vive.

Aparentemente alinhada a certos interesses anticultura e antiarte, parlamentares se unem para erodir os direitos autorais de compositores de música na tentativa de garantir a urgência de votação, na Câmara dos Deputados, de um projeto que visa dar isenção a setores da sociedade no pagamento de tais direitos. Essa votação pode ocorrer ainda nesta semana, ou máximo, na semana que vem.

Os Projetos de Lei 3.968/1997 ( de autoria de Serafim Verzon, do PDT-SC) e 3.992/2020 (de autoria de Geninho Zualini, do DEM-SP), que estão previstos para entrar na pauta em caráter de urgência nesta semana, preveem a isenção do pagamento de direitos autorais por órgãos públicos, hotéis e outras entidades. O rombo na arrecadação de direitos autorais para artistas pode ultrapassar R$ 100 milhões, segundo as entidades do setor.

É mais um golpe baixo contra uma área que sempre foi vista como inimiga pelo governo federal e que mexe em um assunto sensível que é a arrecadação de direitos autorais, que sofre críticas milenares de todos os lados. 

O mais odioso é que o assunto retorna em meio à pandemia que atingiu em cheio a indústria da música e do entretenimento, com o cancelamento de shows, produções culturais, eventos e festivais zerando a fonte de renda de milhares de profissionais. 

Com mais de 100 mil mortos e a doença ainda longe do controle, será que os parlamentares não têm coisa mais importante para se preocupar?

Assunto delicado

Por mais polêmica que seja a questão, é um assunto que, sem a devida análise e sem o necessário debate com a classe artística e a sociedade, pode agravar ainda mais a crise do setor musical. 

Em carta aberta enviada aos 513 deputados federais, um grupo de mais de 30 entidades setores Musical, Audiovisual, Editorial, bem como entidades de representação de classe, como a Comissão Federal de Direitos Autorais da Ordem dos Advogados do Brasil, manifestaram discordância sobre a tramitação dos PLs em caráter de urgência. 

O texto defende que alterações na Lei de Direitos Autorais só deveriam ocorrer após amplo debate e consulta em tempo hábil às entidades que dependem da regulação de direitos autorais. 

 A União Brasileira de Compositores (UBC), é uma das signatárias da carta endereçada aos parlamentares. Represente de mais de 35 mil associados, entre autores, intérpretes, músicos, editoras e gravadoras, e responsável pela distribuição de cerca de 60% dos direitos autorais de execução pública musical no país.

"Em caso de aprovação, a lei provocará um baque de arrecadação superior a R﹩ 100 milhões por ano, sendo R$ 50 milhões provenientes de hotéis", diz Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC.

Segundo ele, ps autores têm o direito de defender seus direitos, mas sem este falso e oportunista clima de urgência. "O direito autoral é constitucional, reflete acordos internacionais e não pode ser vitimizado justamente pelo setor que mais contribui, que é o do turismo. É uma punhalada nas costas num momento em que ambos setores, o cultural e o de turismo, deveriam, mais do que nunca estar trabalhando juntos numa retomada de atividades."

A Associação Brasileira de Hotéis (ABIH), em nota, afirma que o valor pago pela hotelaria anualmente ao Ecad é de R$ 22,5 milhões, sendo que o pleito não é deixar de pagar, mas excluir apenas o referente aos apartamentos.
“Apoiamos os artistas, tanto que eles fazem muitos shows nos nossos hotéis. Por isso, concordamos e achamos justo pagar o Ecad referente as áreas comuns. Os apartamentos, porém, conforme entendimento da Lei Geral do Turismo, são extensões da residência dos hóspedes e o que ouvem ou assistem, não é de nossa responsabilidade”, explicou Manoel Linhares, presidente da ABIH Nacional, em declaração ao portal Mercado e Eventos.
Linhares revelou que segue na articulação para a aprovação da emenda. O dirigente prometeu divulgar amplamente o nome daqueles que votarem contra a proposta. “A hotelaria gera 1,1 milhão de empregos e os deputados precisam ter esta consciência”, finalizou.

O texto enviado aos parlamentares diz que "alterações na legislação de direito autoral não devem ser analisadas de afogadilho, em especial alterações que tenham por finalidade modificar o Capítulo IV - Das limitações aos direitos autorais. Alterações na legislação de direito autoral não devem ser analisadas de afogadilho, em especial alterações que tenham por finalidade modificar o Capítulo IV - Das limitações aos direitos autorais".

Entre as entidades que assinam a carta estão OAB, Ecad, Cisac, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), União Brasileira de Compositores, (UBC) Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), entre outras.

Crise prolongada

O projeto é um desdobramento da Medida Provisória 948/20, editada no primeiro semestre e que usa a crise causada pelo coronavírus para mudar a forma de remuneração dos direitos autorais em eventos públicos ou privados, dando obrigatoriedade de pagamento apenas a intérpretes das canções.

Essa posição é defendida, por exemplo, por um deputado federal do PSB-PE, Felipe Carreras, que chegou a debater o assunto na internet com a cantora Anitta.

Na conversa, meio sem convicção, Carreras afirmou que afirmou que "fez uma emenda e apoia a MP pelo artista que pede transparência do Ecad". O Escritório de Arrecadação é responsável pela cobrança dos direitos autorais que devem ser repassados a artistas e compositores.

O deputado afirma ainda que o Ecad não trabalha de forma transparente e diz que a instituição precisa ser reformulada. "Você sabe para onde foi o dinheiro que você pagou para o Ecad dos seus últimos shows?"

A entidade rebateu os argumentos do deputado e informa que todos os seus procedimentos são transparentes e que os artistas sempre tiveram acesso às informações.

Falta de diálogo

Não é de hoje que a classe artística, independente do matiz ideológico, cobra uma reformulação do sistema de arrecadação de direitos autorais no Brasil e questiona a forma de atuação do Ecad.

Já houve denúncias de que supostos fiscais do órgão teriam tentado fazer cobranças in loco de festas de casamento e de aniversário em condomínios por conta do som ambiente.

Por outro lado, músicos e compositores afirmam que há falhas e omissões enormes na abordagem pra cobrar quem de fato tem que pagar, para não mencionar outros questionamentos a respeito da distribuição e pagamentos. 

A entidade sempre rebateu as acusações e informa que mantém suas informações e seus dados à disposição e que há transparência em suas atividades.

O fato é que a urgência na análise e votação de dois projetos de lei não se justifica sem um amplo debate, ainda mais quando existem alegações de prejuíos grandes parte de um dos lados, ainda mais em tempos de pandemia. 

Se já passou da hora de haver uma discussão séria a respeito da reformação do Ecad, não é de uma hora para outra, com um forte lobby da indústria hoteleira, que isso deva acontecer de forma célere e sem uma participação maior da sociedade.






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