Marcelo Moreira
Na onda de resgate de tesouros dos arquivos do classic rock, é inexplicável que The Who tenha ignorado por tanto tempo coisas bem interessantes relativas ao período entre 1968 e 1971, quando a banda deixou de ser um expoente do rock psicodélico para investir no rock pesado ao vivo, ao mesmo tempo em que ousava e inovava ao criar a ópera-rock "Tommy", de 1969.
O último grande lançamento de peso havia sido "Live at Fillmore East 1968", a famosa apresentação do domingo, 6 de abril, em Nova York, em plena convulsão social pelos Estados Unidos por conta do assassinato do ativista negro Martin Luther King, ocorrido dois dias antes. Em CD duplo, o lançamento ocorreu em 2018.
Coube à pequena Juno Records, da Inglaterra, a edição de um CD duplo com a um dos shows mais pirateados da banda, ocorrido em 29 de setembro de 1969 em Amsterdam, na Holanda.
O show é considerado histórico porque foi o primeiro a ter um áudio de qualidade razoável registrado no início da primeira turnê do álbum duplo "Tommy", lançado no mês anterior.
É também a primeira vez que o quarteto inglês tocou o disco novo, algo ocorrido muito poucas vezes naquele período.
"Loud Vibration Land - Live 1969" finalmente conseguiu uma qualidade de som decente, audível e de padrão aceitável, e o melhor, sem corrigir nada, com erros dos músicos, diálogos com a plateia na íntegra e mantendo a timbragem mais pesada da guitarra de Pete Townshend e do baixo de John Entwistle.
O material de "Tommy" tinha sido bastante ensaiado, mas era de difícil execução ao vivo, o que explica o vocal meio vacilante de Roger Daltrey em algumas passagens e as atravessadas de Keith Moon no inicio do set com as músicas do disco.
Atravessadas que, por sinal, se transformam em algo definitivamente novo e diferente quando se trata de Moon, que consertava tudo com uma facilidade estonteante, além de virar o jogo quando preciso e de se vingar dos companheiros quando estava bravo, detonando o andamento e fazendo viradas impossíveis.
É um show histórico e necessário para os colecionadores, mas é importante também para os historiadores: é um dos mais ricos registros da evolução do Who para o que viria ser a sua década de ouro e da transição para o rock pesado e de arena.
Em termos de qualidade sonora e de performance, é mais valioso do que o áudio do show do Woodstock Festival, nos Estados Unidos, ocorrido quase um mês antes.
A importância história entre as duas gravações é incomparável, tanto que a de Woodstock finalmente foi editada em 2019, oficialmente, por conta do cinquentenário do festival, com uma restauração completa do áudio.
Entretanto, os bastidores e o contexto de Woodstock não favoreceram a qualidade, por mais que hoje muita gente adore a explosiva apresentação ocorrida ali.
Em Amsterdam, um mês depois, vê-se uma banda mais relaxada e mais em ensaiada, e sedenta por experimentar um pouco mais a timbragem dos instrumentos, coisa que ficaria mais definida e muito melhor seis meses depois, quando a banda tocou nas universidades de Leeds e Hull City, nos dias 14 e 15 de fevereiro de 1970.
Os dois shows, gravados e lançados posteriormente, mostram The Who afiadíssimo e pesadíssimo, com domínio total de repertório e palco, antecipando experimentos e ousadia que seriam observados em "Who's Next" (maravilhoso álbum surgido das sobras do projeto fracassado "Lifehouse") e da outra obra-prima em formato ópera-rock, "Quadrophenia".
"Loud Vibration Land - Live 1969" é fundamental para fãs do Who e para apreciadores de música que se importam com a história e a evolução do rock.
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