quinta-feira, agosto 27, 2020

A polícia apresenta as suas armas, e a reação 'resgata' uma canção emblemática

Marcelo Moreira

Vidas negras importam e devemos lutar encarniçadamente como cidadãos. Não poderia ser mais explícita a mensagem que os atletas negros do basquete norte-americano a respeito das ações assassinas da polícia racista de quase todos os Estados que compõem os Estados Unidos da América.

O atletas se recusaram a jogar nesta quarta-feira (26) por conta de mais uma tentativa de assassinato de cidadão negro inocente e desarmado, desta vez no Estado de Wisconsin.

É um protesto sem precedentes na história dos Estados Unidos. A milionária NBA, a liga norte-americana de basquete masculino, com ampla predominância de atletas negros, é um soco no estômago da América racista, supremacista, religiosa (no pior sentido) e dominada pela cultura branca.

Nos últimos dias, explodiram as procuras, nos meios digitais e virtuais, por músicas identificadas com o protesto negro e de afirmação das comunidades afro-americanas, indo desde os viscerais discursos dos nomes mais importantes do rap até artistas importantes desde sempre, como James Brown, Isaac Hayes, Otis Redding, Sly and Family Stone e muitos outros.

Surpreendentemente, uma canção polêmica foi resgatada para acirrar ainda mais os ânimos: "Cop Killer", o manifesto antirracista e violento da banda de heavy metal Body Count, um combo de músicos negros liderado pelo rapper e ator Ice-T.

A canção, lançada lá em 1992, coincidiu na época com os protestos violentos que assolaram Los Angeles por conta da agressão sofrida por um caminhoneiro negro chamado Rodney King.

Álbum de estreia do Body Count, uma banda formada por músicos engajados de rap mas que amam o heavy metal sob a liderança do ator e cantor Ice-T
Flagrados por câmeras, os policiais agressores foram temporariamente afastados, mas, inacreditavelmente, foram absolvidos em julgamento espúrio onde o júri era majoritariamente branco. A cidade ardeu em chamas por dias, assim como outras cidades norte-americanas.

Mais do que um manifesto, "Cop Killer" foi uma declaração de guerra diante de um morticínio deliberado e injustificado da população negra e pobre nas periferias miseráveis das metrópoles americanas.

A canção foi banida das rádios e das lojas, e a própria gravadora da banda sinalizou que enterraria o single. Nada disso, no entanto, foi o suficiente para estancar a disseminação da canção, que até hoje é um hino antivolência policial e antiestablishment.

O resgate da música belicista, mas que na verdade é um grande grito de basta à violência que parte dos agentes repressivos do Estado, é tudo o que o racista e mentiroso Donald Trump não queria em plena campanha eleitoral pela reeleição.

O atual presidente está bem atrás na corrida eleitoral, segundo as pesquisas. O democrata Joe Biden é o favorito para vencer as eleições de novembro.

Mesmo diante de um cenário pavoroso de distúrbios sociais e civis por conta dos seguidos casso de violência policial contra negros, Trump mantém seu estímulo a discursos racistas e intolerantes por parte de seus apoiadores, alguns deles negros.

Foi o caso de um deputado federal republicado e trumpista que, durante a convenção de seu partido, repudiou os protestos contra mais uma agressão policial.

Afirmou em discurso que os distúrbios são impulsionados por "comunistas", que os manifestantes são "terroristas e criminosos" e que querem "manchar o passado e enlamear as glórias americanas ao destruir símbolos da nação", referindo-se aos casos de de estátuas de escravocratas e líderes racistas. O detalhe é que tal deputado é negro.

Para os esquerdistas, as manifestações são um grito contra a violência e as constantes violações de direitos humanos. Para os direitistas extremados, os distúrbios são crimes que têm objetivos políticos e eleitorais, ignorando que há pessoas mortas no meio da crise.

A questão é que o lamentável governo Trump está esfarelando nesta eleição e guarda muitas semelhanças, em termos de aberrações e incompetência, com a administração do brasileiro Jair Bolsonaro.

São duas figuras nefastas e estúpidas, que apostam no ódio e nas divisões sociais e políticas para garantir punhados de votos e destruir anos de construções democráticas em todos os sentidos.

"Coincidentemente", são dois presidentes que repudiam "manifestações antifascistas", com constantes acenos a grupelhos extremistas e supremacistas que agem como milícias físicas e digitais cometendo toda a sorte de crimes.

Desafortunadamente, "Cop Killer" é uma música perfeita para ilustrar as diárias violações dos direitos civis de brasileiros que moram em periferias de grandes cidades e que, na esmagadora maioria, são negros.

O hediondo crime mais recente e que virou escândalo internacional foi o do policial militar paulistano que pisou em um pescoço de mulher negra durante uma ação na periferia da capital paulista.

Já debilitada e com uma perna quebrada, foi vítima da violência e do escárnio desse ser nojento que representa o que há de mais odioso no aparato repressivo oficial de inspiração autoritária e fascista.

Não há dúvidas de que "Cop Killer" é uma canção muito forte e com um conteúdo que certamente incita a violência - ou, dependendo do ponto de vista, a reação a uma violência sistemática e sistêmica do Estado dominado por uma elite branca contra a população periférica, pobre e negra.

Se tivesse sido composta por brasileiros, de qualquer gênero musical, teria sido banida mesmo em tempos democráticos e por determinação judicial.

Entretanto, a censura e a perseguição não mudariam a realidade: é um relato cru e pesado de um cotidiano que permeia as vidas de brasileiros e norte-americanos negros pobres há mais de um século.

Considero que é uma reação, violenta e dramática, ao permanente estado de tensão que vigora nas áreas mais pobres , como bem expressou um imigrante jamaicano agredo e preso legalmente em Londres em 2001 durante uma manifestação.

Em declaração à agência Reuters, reproduzida por sites de música, o músico e artesão Jimmy foi detido e espancado durante uma manifestação contra policiais que investiram contra manifestantes negros e indianos que reivindicavam, de forma pacífica, a regularização de seus vistos de permanência.

"Se alguém tinha dificuldades na Inglaterra de entender sobre o que 'Cop Killer' denunciava, então agora não restam dúvidas do que se trata e de como o poder trata minorias e os mais desfavorecidos", reclamou dias depois de ser preso.

A canção é bastante pertinente para servir de trilha sonora para uma juventude negra perseguida em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O que não quer dizer que devamos estimular o que a letra prega. É consenso nos Estados Unidos que, se o lançamento da música ocorreu em um "timing perfeito", por outro lado não ajudou me nada no combate à violência policial.

Em vez de apaziguar, acirrou os ânimos em todo o país, especialmente em Nova York, onde começava a vigorar diversas diretrizes do que se convencionou, tempos depois, no que veio a ser a política de "tolerância zero", implantada pelo prefeito Rudolph Giuliani, que visou principalmente a população negra, hispânica e pobre, identificada como "umbilicalmente ligada" aos pequenos delitos que, supostamente, levavam ao cometimento de crimes mais graves.

O acirramento das tensões, geralmente, ou desembocam em revoluções violentas e revanchistas ou em endurecimento do cotidiano das vidas precárias de sempre. Muitos pacifistas e teóricos da não violência acreditam que "Cop Killer" não só não ajudou como piorou as coisas em muitas circunstâncias.

Uma das formações do Body Count, com Ice-T à frente e no centro (FOTO:DIVULGAÇÃO)

É bem possível que isso tenha acontecido, mas não é possível e aceitável não reconhecer que a música foi um grito reativo necessário contra as constantes violações de direitos nos Estados Unidos. foi uma reação esperada e necessária.

Os gritos pacifistas contra essa letra e as mais duras ainda que forma lançadas no rap e no hip hop nos últimos 30 anos soam deslocados do mesmo modo que as declarações que condenaram as ações terroristas dos diversos grupos de resistência na Europa Ocidental e na Rússia na Segunda Guerra Mundial.

Os atos de sabotagem e de violência contra as tropas nazistas eram seguidos imediatamente de represálias, sempre com o fuzilamento de população civil inocente. Só que são cada vez menos os estudiosos que não reconhecem a importância dos grupos de resistência para a vitória contra os nazistas, dos franceses aos iugoslavos, dos gregos os noruegueses.

Com o tempo consegui perceber as nuances e o contexto da criação e divulgação da canção. Aqui no Brasil sempre houve algo semelhante desde sempre, no rap, mas de forma mais velada e dissimulada.

A contundência e a incitação escancarada incomodavam, o que me fez escutar a música com muitas reservas, assim como em relação a certas canções de Racionais MCs e Pavilhão 9. Quem não se lembra do título do CD "Se Deus Vier, Que Venha Armado", do Pavilhão, que tanto chocou incautos e fez a festa dos engajados?

Se percebi a importância e a necessidade de "Cop Killer" ao longo dos anos, isso não quer dizer que eu endosse a mensagem explícita, mesmo reconhecendo todo o contexto.

Portanto, por mais que reconheçamos a incitação à violência e a provocação temerária, que esbarra em contravenções e estímulos ao crime - passíveis até de punição, dependendo da legislação -, o fato é que "Cop Killer" se tornou um clássico do metal e do rock de protesto, queiram ou não os agentes da lei.

 E estes estão cada vez mais em dificuldades para reverter esse ódio por conta dos tantos e tantos assassinatos e agressões policiais contra negros e pessoas pobres inocentes em vários locais do mundo, mas principalmente no Brasil e nos Estados Unidos.


Cop Killer

Yeah!

I got my black shirt on
I got my black gloves on
I got my ski mask on
This shit's been too long
I got my twelve guage sawed off
I got my headlights turned off
I'm 'bout to bust some shots off
I'm 'bout to dust some cops off

I'm a

Cop killer, better you than me
Cop killer, fuck police brutality!
Cop killer, I know your family's grievin'... Fuck 'em!
Cop killer, but tonight we get even

I got my brain on hype
Tonight'll be your night
I got this long-assed knife
And your neck looks just right
My adrenaline's pumpin'
I got my stereo bumpin'
I'm 'bout to kill me somethin'
A pig stopped me for nuthin'!

Cop killer, it's better you than me
Cop killer, fuck police brutality!
Cop killer, I know your family's grievin'... Fuck 'em!
Cop killer, but tonight we get even

Die, die, die, pig, die!
Fuck the police!

Cop killer, it's better you than me
Cop killer, fuck police brutality!
Cop killer, I know your family's grievin'... Fuck 'em!
Cop killer, but tonight we get even

Fuck the police!

Fuck the police, for daryl gates
Fuck the police, for rodney king
Fuck the police, for my dead homies
Fuck the police, for your freedom
Fuck the police, don't be a pussy
Fuck the police, have some mothafuckin' courage
Fuck the police, sing along!

Cop killer!

I'm a motherfucker cop killer!

Cop killer!

Matador de Polícia
Yeah!

Eu ponho minha camisa preta
Eu ponho minhas luvas pretas
Eu ponho minha toca preta
Essa merda já durou demais
Eu pego minha doze de cano serrado
Eu desligo os faróis do carro
Estou prestes a dar uns tiros
Estou prestes a mandar uns tiras para a vala

Eu sou um

Matador de polícia, antes você do que eu
Matador de polícia, foda-se a brutalidade policial!
Matador de polícia, eu sei que a sua família está sofrendo... Fodam-se eles!
Matador de polícia, mas essa noite vamos acertar as contas

Eu estou loucão
Hoje à noite será sua noite
Eu tenho essa faca de cabo comprido
E seu pescoço parece no ponto certo
Minha adrenalina está aumentando
Meu som está estourando
Estou prestes a matar alguém
Um porco me parou por nada!

Matador de polícia, antes você do que eu
Matador de polícia, foda-se a brutalidade policial!
Matador de polícia, eu sei do luto da tua família... Foda-se eles!
Matador de polícia, mas hoje vamos acertar as contas

Morre, morre, morre, porco, morre!
Foda-se a polícia!

Matador de polícia, antes você do que eu
Matador de polícia, foda-se a brutalidade policial!
Matador de polícia, eu sei que a sua família está sofrendo... Fodam-se eles!
Matador de polícia, mas essa noite vamos acertar as contas

Foda-se a polícia!

Foda-se a polícia, em nome de Darryl Gates
Foda-se a polícia, em nome de Rodney King
Foda-se a polícia, em nome de todos os meus manos
Foda-se a polícia, em nome da sua liberdade
Foda-se a polícia, não seja uma bicha
Foda-se a polícia, tenha um pouco de coragem, porra
Foda-se a polícia, cante junto!

Matador de polícia!

Eu sou um puta de um assassino de policiais!

Matador de polícia!

(Reprodução do site Letras - https://www.letras.mus.br/)

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