sexta-feira, julho 31, 2020

O cinema de Alan Parker fez parte de nossas vidas roqueiras

Marcelo Moreira



O velho Cine Star, em Guarulhos, um dia foi o lugar mais nobre co centro daquela cidade. Suas cadeiras em almofadadas, um luxo para o começo do anos 80 nas cidades da Grande São Paulo. Era praticamente o único decente naquele que se tornaria o segundo maior município do Estado,coladinho à capital.

Como em todos os cinemas do tipo, ficava às moscas no começo da semana, mas compensava com filas gigantes nos sábados e domingos. Um comércio parasita se formou rapidamente no entorno por conta do sucesso do empreendimento - lanchonetes e botecos roqueiros surgiram rápido nas ruas João Gonçalves e Luiz Faccini.

Quando o filme "The Wall", do Pink Floyd, entrou em cartaz, imaginava-se que teria vida curta por ali. O longa-metragem de Alan Parker era considerado pesado e ininteligível para o público não roqueiro. 

E não é que os "malucos" esticaram a exibição do filme por inacreditáveis cinco semanas, principalmente às segundas e terças-feiras, quando o cinema lotava de moleques durante à tarde.

Até hoje ninguém entende como foi possível tornar "The Wall" um sucesso de público infantil e juvenil nas tardes frias de 1982 em Guarulhos - fenômeno que se repetiu em Sorocaba, Jundiaí, Campinas e Santo André.

Nem todos os moleques gostavam de rock. A questão é que o boca a boca fez com que o filme pesado e intenso se transformasse em um campeão de vendas ao estilo "Superman", então estrelado por Christopher Reeve. 

Era "cult" assistir à fita e cantar cada verso de cada musica, e louvar a atuação inspirada do irlandês Bob Geldof como Pink, um astro da música com severos traumas e problemas psicológicos.

E daí que ninguém sabia quem era Geldof ou que ele era um cantor de uma obscura, mas boa, banda de rock chamada Boomtown Rats? E daí que poucos sabiam de fato quem era Pink Floyd e que menos moleques ainda sabiam o que era "The Wall" - e muito menos ainda tinha ouvido na integra o LP duplo homônimo?

Alan Parker, o visionário diretor do filme baseado no LP duplo de 1979, brigou demais com a banda e com o baixista Roger Waters, o mentor da obra. Ainda assim conseguiu entregar um filme mítico e extraordinário, repleto de simbolismos e que até hoje ér sinônimo de filme engajado de rock,

O dinheiro que gastei em dois dias no Cine Star foi muito bem empregado. O sucesso do filme impressionou o gerente, chamado Jorge, que fez vistas grossas aos roqueiros empedernidos que emendavam as sessões nas tardes de segunda e terça ao preço de um único ingresso.

Catártico, "The Wall" fez a cabeça de uma geração de garotos que imaginavam um futuro diferente em um país periférico e eternamente em crise econômica. 



O rock foi importante para que pudéssemos entender um pouco mais do mundo em que estávamos prestes a ingressar - meros adolescentes de 13, 14 anos, achando que estávamos entendendo alguma coisa do que acontecia. Alan Parker nos ajudou a buscar respostas. Ainda continuamos atrás delas, quase 40 anos depois.

Morto aos 76 anos nesta semana, Parker foi um diretor de cinema que se interessava demais pela história de seus filmes, a ponto de querer interferir nelas. 

Os confrontos com Waters na realização de "The Wall" moldaram, de certa forma, o seu caráter e a sua forma de fazer cinema. 

Ávido consumidor de informação e apreciador do mundo da cultura pop, estabeleceu as bases de uma narrativa ágil e informativa em filmes tão diferentes como "Birdy" e "The Commitments", que também retratam o mundo pop da música.

Parker ajudou a juventude de um tempo esquisito e diferente a sonhar e a se interessar por arte, principalmente em países como Brasil e Argentina, onde a realidade insistia em colidir com os sonhos e com as aspirações de uma molecada queria bem mais, sempre ao som de guitarras altas e pesadas e de literatura engajada e reflexiva.

O cinema de Alan Parker fez parte de nossas vidas e se tornou parte indissociável da cultura pop dofinal do século XX.


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