O repórter que morou nas ruas de São Paulo conta o que viu e o que viveu - parte 7 - continuação da saga de Rubens Marujo
Eduardo Ribeiro(*)
da coluna Jornalistas e Cia, do site Comunique-se
Monopólio da Igreja – Depois disso tudo, cheguei à conclusão de que deve existir "uma indústria da miséria". Em São Paulo, o monopólio dos moradores de rua está nas mãos da Igreja. Ela usa a verba da Prefeitura, mas gasta muito pouco na melhoria dos serviços do albergue.
Na época em que se chamava Cireneu (nome de um empresário ligado ao grupo Copagaz) a coisa era ruim, mas só aceitavam pessoas com mais de 40 anos. Depois que a Igreja assumiu o albergue, abriu as portas para todo mundo. Então, jovens, líderes de facções criminosas, assaltantes e até traficantes passaram a almoçar e morar lá. Eram comuns os princípios de tumulto.
"Muquiranas" – Para se conseguir almoçar era preciso esperar, em média, 3 horas, debaixo de chuva ou de sol. Os padres se recusavam a abrir os portões para que pudéssemos entrar e nos abrigar. Um papel colado na parede interna do dormitório indicava que a dedetização estava vencida havia 3 meses. Os dormitórios ficavam infestados de baratas e de outros insetos, principalmente de "muquiranas", uma espécie de piolho que dá no corpo de quem não toma banho, produzindo uma coceira insuportável. É muito fácil ficar infestado. São os moradores de rua que os trazem.
Com auto-estima muito baixa, mas com alguma dignidade, suportávamos todo tipo de humilhação que nos era imposta, com medo de sofrer represálias: ser cortado e ir para rua. Era fila para entrar, fila para pegar alguma roupa no bagageiro, fila para tomar banho (quando os chuveiros funcionavam) e fila para jantar. Não adiantava muito tomar banho, porque éramos obrigados a vestir a mesma roupa, que cheirava mal.
Vícios – Pude constatar que a maioria dos albergados já está, de alguma forma, mentalmente comprometida com os vícios adquiridos e não existe uma política específica para tratar dessa questão social. Não há tratamento diferenciado para cada tipo de problema, curso técnico, suporte jurídico, assistência médica. Enfim, não há nada. Entra-se no final da tarde, só toma banho quem quer, dorme-se e, às 5h da manhã, todo mundo acorda.
No café da manhã é servido um pão (de hot-dog) com manteiga e café com leite de soja (mais dor de barriga em todo mundo). Depois, dez horas passadas na rua. Essa é a rotina. Do jeito que funcionam, esses albergues não contribuem para nada. Dali, a maioria sai e passa o dia bebendo e se drogando até a hora de voltar. Poucos trabalham ou fazem bicos. Estão todos abaixo da linha da pobreza. Dificilmente conseguem se reintegrar à sociedade.
Chá com política – Quem mora em albergue ou pelas ruas da cidade conhece muito bem o que é uma "boca de rango". É aquele lugar que oferece comida de graça aos pobres. Em São Paulo existem várias delas e uma das mais conhecidas, e bastante freqüentada, é a do "chá do padre". De segunda a sexta-feira, as 14h, a igreja de São Francisco, com entrada pela rua Riachuelo, oferece chá com dois pãezinhos com manteiga. O salão fica lotado e é nessa hora que os religiosos aproveitam para fazer suas pregações políticas, incitando os moradores de rua e albergados a se organizarem em movimentos políticos para reivindicar seus direitos junto ao governo. Até um terceiro mandato do Lula já foi questionado lá.
Quando não é no chá, essa doutrinação política é feita nos albergues, por meio das assistentes sociais. Mas os albergados são avessos a esses movimentos. As assistentes sociais também convocaram todo mundo para protestar no dia 1º de Maio, a pedido da Igreja. Disseram que era importante a presença dos albergados nessas manifestações. A Igreja mandou confeccionar vários cartazes e distribuíram farto material para que fossem feitas faixas e cartazes. Todos deveriam estar reunidos na praça da Sé. Mas ninguém deu a menor importância a isso.
A Prefeitura, por sua vez, faz propaganda enganosa, espalhando pelas principais praças da cidade peruas Kombi azuladas, com os dizeres "São Paulo Protege". Existem cerca de 13 mil moradores de rua em São Paulo, mas só a metade deles mora em albergue. Essas peruas só recolhem as pessoas da rua no final da tarde. E nem sempre existem vagas nos albergues. Cheguei a ver gente entrando às 2h da manhã para sair logo depois, às 5 horas."
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