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sexta-feira, janeiro 03, 2014
Pesquisa investiga mudanças no jornalismo e no perfil do jornalista
Jussara Mangini
Agência FAPESP – As transformações ocorridas nos meios de comunicação, por meio das novas tecnologias e da cultura de convergência midiática, impactaram profundamente os processos de produção do jornalismo e, consequentemente, o perfil do jornalista. A conclusão é de uma pesquisa que avaliou o perfil do jornalista e as mudanças em trabalho.
“Os produtos jornalísticos impressos, televisivos ou radiofônicos são feitos de maneira completamente diferente do que há cerca de 20 anos”, disse Roseli Fígaro, coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
Responsável pela pesquisa “O perfil do jornalista e os discursos sobre o jornalismo: um estudo das mudanças no mundo do trabalho do jornalista profissional em São Paulo”, que teve apoio da FAPESP, Fígaro destaca que uma série de funções desapareceu da rotina do métier do jornalista.
“O tempo e o espaço, comprimidos pelas possibilidades das tecnologias de comunicação e de informação, foram assimilados nos processos de produção de modo a reduzir o tempo para a reflexão, a apuração e a pesquisa no trabalho jornalístico. O espaço de trabalho encolheu e ao mesmo tempo diversificou-se, transformando as grandes redações em células de produção que podem ser instaladas em qualquer lugar com internet e computador. O jornalismo on-line, em tempo real, os blogs e as ferramentas das redes sociais são inovações nas rotinas profissionais”, disse à Agência FAPESP.
No estudo, concluído em 2013, um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho, orientado por Fígaro, buscou saber o que essas transformações representam em termos de mudanças no perfil do profissional e o que o jornalista pensa sobre o próprio trabalho e sobre o jornalismo. O trabalho é resultado da análise das respostas de 538 jornalistas. Os dados também estão no e-book As mudanças no mundo do trabalho do jornalista (Editora Salta), lançado no segundo semestre de 2013.
Os 538 jornalistas pesquisados são de São Paulo – estado que abriga mais de 30% dos profissionais brasileiros da categoria – e foram consultados em duas fases metodológicas: a quantitativa, com o uso de um questionário fechado de múltipla escolha, e a qualitativa, com entrevista face a face com roteiro de perguntas abertas, e grupo de discussão, com roteiro dos temas mais polêmicos encontrados pelos instrumentos anteriores.
Quatro grupos amostrais responderam os questionários em diferentes períodos: dois grupos em 2009 – um formado com 30 jornalistas de diferentes mídias e vínculos empregatícios, selecionados de maneira aleatória via rede social, e outro constituído por 340 associados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, também de diferentes mídias, vínculos e funções.
Um grupo de 90 jornalistas freelancers (sem vínculo empregatício), trabalhando em diferentes mídias, foi consultado em 2010. E um outro grupo de 82 jornalistas de uma grande empresa editorial da capital paulista também compôs a amostra, como fruto de uma pesquisa anterior, realizada em 2007.
Para a fase qualitativa – com entrevista individual de 20 jornalistas e discussão em focus groups, em duas sessões, com 16 jornalistas no total – foram selecionados 36 dos 538 jornalistas que responderam os questionários na fase quantitativa.
De forma geral, a maioria dos jornalistas tem um perfil socioeconômico de classe média, é jovem (até 30 anos), branca, do sexo feminino, não tem filho, atua em multiplataformas e tem curso superior completo e especialização em nível de pós-graduação. Outras características comuns são a carga horária de trabalho – de oito a dez horas por dia – e a faixa salarial de R$ 2 mil a R$ 6 mil.
O predomínio feminino coincide com os dados divulgados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que, no fim de 2012, registrou que os jornalistas brasileiros eram majoritariamente mulheres brancas, solteiras, com até 30 anos. Apenas no grupo dos sindicalizados, que reúne os profissionais com a faixa etária mais elevada e maior tempo de profissão, observou-se predomínio masculino.
Precarização dos vínculos empregatícios
A reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho, principalmente a partir dos anos 1990, transformou as relações de trabalho, afirma a pesquisadora na introdução de seu livro. Foi a partir dessa década que aumentou o número de jornalistas contratados sem registro em carteira profissional, abrindo caminho para novas formas de contratação, como a terceirização, contratos de trabalho por tempo determinado, contrato de pessoa jurídica (PJ), cooperados e freelancers, entre outros.
A chamada “flexibilidade” acaba por transferir aos trabalhadores o peso das incertezas do mercado. “Como mão de obra maleável seja em termos de horário, de jornada de trabalho ou de um vínculo empregatício, esses profissionais não podem planejar suas vidas em termos econômicos nem em termos afetivos”, disse Fígaro.
Os freelancers trabalham em período integral, para vários lugares, sozinhos em casa. Começam a pensar como empreendedores, aplicam os conhecimentos do jornalismo em outras atividades, como na revisão de trabalho acadêmico ou até na venda de pacotes de assessoria de comunicação para políticos.
Os mais jovens e os freelancers são os que menos conseguem planejar sua vida pessoal em relação à profissional fora do curto prazo, de acordo com a pesquisadora. “Trabalham hoje, para consumir hoje e não sabem como será seu trabalho no ano seguinte. Imagino que isso cause grande parte do estresse na vida do indivíduo”, afirmou Fígaro.
A pesquisa também verificou que as novas gerações se sindicalizam menos. Uma possível explicação para isso, segundo Fígaro, é que os profissionais que vivem instabilidade financeira e têm dificuldade em se relacionar com o mundo do trabalho não vislumbram soluções coletivas – como sindicalizar-se ou organizar-se para pleitear melhores condições de trabalho –, mas sempre em saídas individuais como, por exemplo, arrumar mais um emprego.
“Possuem um perfil profissional deslocado de valores coletivos, são individualistas e muito preocupados com o negócio. Vão em busca do cliente e consideram a informação um produto.” Ela ressalta, no entanto, que isso não quer dizer que o jornalista não esteja preocupado com causas da coletividade ou da sociedade, mas que há uma busca individual de soluções.
Os profissionais da área sabem que uma característica comum é a alta rotatividade de emprego: muda-se muito de uma empresa ou veículo de comunicação para outro. Na avaliação de Fígaro, “se por um lado, a experiência pode enriquecer o profissional, por outro é sempre um começar de novo, um novo que não é tão novo, porque se fica no mesmo nível hierárquico”.
De acordo com ela, é exigida hoje do jornalista atualização constante no uso de ferramentas digitais de prospecção, apuração e edição de informações. É fundamental ter habilidades e competências que permitam a atuação em diversas plataformas – impressa, tevê, rádio, internet – e em diferentes linguagens – verbal, escrita, sonora, fotográfica, audiovisual, hipertextual. “Exigem-se ainda noções de marketing e de administração, visto que se prioriza a visão de negócio/mercadoria já inserida no produto cultural, por meio do tratamento dado às pautas e à segmentação de públicos”, disse Fígaro.
Diferenças entre gerações
Enquanto os mais jovens estão fora das redações, em trabalhos precarizados, os mais velhos migram para a coordenação das assessorias de comunicação.
A coordenadora do estudo comentou que há casos muito conflituosos de desrespeito e intolerância tanto em relação ao profissional mais velho, quanto em relação ao jovem muito tecnológico, sem experiência. “As empresas, no afã de mudar sua cultura e dinamizar os interesses de seu negócio, quebram uma regra muito importante no mundo do trabalho: a transferência de saberes profissionais de uma geração para outra. Isso traz danos não só para a empresa, mas para toda a sociedade. Há um custo social a pagar por isso”, avaliou Fígaro.
Há diferença entre o que significa ser um bom jornalista hoje em relação a 20 anos atrás? “Jornalistas trabalham com os discursos da sociedade. Devem, portanto, compreender as implicações disso: discurso é produção de sentido; e produção de sentido é tomar posição, é editar o mundo e disponibilizar essa edição para quem estiver interessado nela.”
De acordo com a pesquisadora, hoje é preciso maior destreza com tecnologias que não existiam. Os jornalistas tinham menor destreza anteriormente? Não, na opinião de Fígaro. “Ser multitarefa e multiplataforma são exigências que colocam em ação habilidades humanas diferentes; e trazem implicações profissionais diferentes.”
Sob esse aspecto, os profissionais apresentam no discurso preocupação com a ética jornalística, com a apuração, com o texto, com a qualidade e a idoneidade das fontes. “Mas eles também têm claro que o tempo da racionalidade produtiva da mídia é o algoz do bom jornalismo. Destaco que esse tempo não é o tempo da vida cotidiana. É o tempo da produção comercial do produto notícia”, ressaltou Fígaro.
Formação profissional
Da amostra total, cerca de 5% não têm ou não concluíram o ensino superior. A absoluta maioria possui nível superior e, em média, 65% deles têm curso de especialização em nível de pós-graduação.
A mudança operacional é tão evidente que os cursos de jornalismo ganharam na última década teor ainda mais técnico-prático e operacional; fato que, na opinião da pesquisadora, não deveria se contrapor à preocupação com a ampla formação cultural e humanística do futuro profissional. “No entanto, é isso que vem acontecendo, inclusive com o aval do cliente/aluno, visto que a maioria dos jornalistas da pesquisa se formou em faculdades privadas.”
Outra característica marcante é que o jornalista começa a trabalhar muito cedo. Antes mesmo de concluir a faculdade, é incentivado a conquistar logo um posto de trabalho na área. Fígaro percebeu que há até um certo desprezo pela faculdade, como se o necessário fosse somente a formação técnica conquistada no âmbito do trabalho. “Essa discussão é complexa. O trabalho nunca é só técnica, norma, prescrição de uma empresa para a produção de determinado produto. Para o trabalho mobiliza-se um conjunto de saberes amplos que vão da gestão de si próprio e suas habilidades, à gestão das normas, dos relacionamentos, das linguagens etc.”
Na avaliação dos pesquisadores, parte dos profissionais da amostra teve uma formação “débil” no que diz respeito à capacidade de inter-relacionar fatos, dados e acontecimentos de maneira contextualizada política, social e historicamente. “Na verdade, é essa capacidade que considero como conhecimento fundamental para o desempenho da profissão”, disse Fígaro.
Produção de conteúdo
Os autores da pesquisa destacam o quanto o processo de seleção, análise e interpretação das informações, que são de fácil acesso hoje, ficou mais complexo e exige maturidade intelectual, profundo compromisso com a ética jornalística e com os fundamentos da produção do discurso jornalístico. Porém, lamentam que “o limite e a separação entre as orientações da redação de um veículo de comunicação e a área comercial da empresa, antes tão fundamentais para a credibilidade do exercício profissional, hoje sequer fazem parte do repertório das novas gerações”.
Os jornalistas da empresa editorial pesquisada consideram os meios de comunicação o negócio mais promissor do mundo globalizado e um negócio como outro qualquer. O grupo de jornalistas selecionado nas redes sociais se divide sobre o papel dos meios de comunicação – para uns, é um instrumento de fazer política, cultura e educação e, para outros, trata-se de um negócio como outro qualquer. Os sindicalizados e os freelancers consideram os meios de comunicação um instrumento de informação, cultura e educação.
No que diz respeito à opinião dos jornalistas sobre o “valor” da informação, apenas os profissionais do grupo dos sindicalizados a veem como um direito do cidadão. Os demais a consideram um produto fundamental da sociedade.
Dessas questões derivam outras em relação ao tipo de jornalismo que o cidadão deseja e daí qual o engajamento profissional necessário. “Está em jogo que tipo de democracia se quer construir, pois o direito à informação é o alicerce de uma sociedade democrática”, disse Fígaro.
Para a pesquisadora, falta a compreensão de que o jornalista é o profissional que trabalha com os discursos das diferentes instituições e agentes sociais para devolvê-los aos cidadãos, de maneira compreensível. “A informação é um direito humano, consagrado pela nossa Constituição e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Hoje, grande parte dos jornalistas encara a informação como uma mercadoria como outra qualquer e, em minha opinião, aí está o problema.”
Consumo cultural
A maioria dos jornalistas pesquisados lê jornais todos os dias; quem menos lê, no entanto, são os freelancers. Todos os grupos afirmam assistir à televisão todos os dias. Parte da mostra também ouve rádio todos os dias. A internet, mais do que outros meios de comunicação ou de comunicação interpessoal, é o meio pelo qual todos ficam sabendo das notícias mais importantes, fazem compras, estudam, trabalham e pesquisam.
Ainda assim, o que o jornalista mais segue nas mídias sociais é a mídia tradicional e grandes veículos de comunicação e a busca, geralmente, está mais ligada ao trabalho do que à obtenção de informação em si.
Todos os grupos gostam de ler, ir ao cinema, boa parte vai ao teatro. Nas horas vagas, alguns vão à academia de ginástica e outros não vão a lugar algum.
Para os autores da pesquisa, o maior crédito que atribuem ao estudo e ao e-book, além dos dados levantados, é provocar nos jornalistas um debate sobre a profissão.
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