Corte do fornecimento de água é legal, mas será que é legítimo?
A companhia de água pode cortar o fornecimento por atraso no pagamento? Pode. A exemplo da luz e do telefone, que também podem sofrer interrupção por falta de pagamento, a empresa de água está, legalmente, autorizada a secar as torneiras de quem não pagar a conta. Essa é uma das dúvidas mais comuns que atingem os consumidores.
E a questão, apesar de constar em lei, ainda é controversa. Afinal, é legítimo e mortalmente aceitável o corte do fornecimento de serviços que fazem parte das necessidades básicas dos consumidores? Afinal, as empresas concessionárias e operadoras dispõem de meios diversos para efetuar a cobrança e punir inadimplentes, seja enviando o nome do cliente para os cadastros de inadimplência, seja processando-o na Justiça.
Foram os investidores, na época das privatizações, que exigiram a suspensão implacável dos serviços essenciais aos inadimplentes. O Congresso Nacional não hesitou em atender à “exigência”, e o governo federal não se importou em contestar ou mesmo defender o consumidor.
As estatais que gerenciavam esses serviços essenciais não deixaram saudade, é fato, já que nunca respeitaram consumidor, prestavam um péssimo serviço, atendiam ainda pior as reclamações e ignoravam as noções básicas de meritocracia – muitas delas eram meros cabides de emprego para apaniguados políticos, o que significava que eram antros de corrupção.
Quando as privatizações vieram – desejáveis, mas que foram implementadas de forma pouco transparente, com suspeitas graves em cada documento assinado -, o corte dos serviços essenciais por inadimplência foi implementado de forma inflexível e contrabandeado por meio da Lei 8.987/95, que autorizou o corte “por inadimplemento do usuário”.
A lei citada apenas criou um requisito para a suspensão do serviço, seja de água, luz ou telefone, a saber: a empresa deve avisar previamente o consumidor, com antecedência de 15 dias, que o serviço essencial será interrompido.
A questão é muito polêmica em se tratando de corte por atraso ou falta de pagamento, uma vez que a interrupção dos serviços essenciais retira o bem-estar mínimo, e muitas vezes colocam em risco a própria saúde (caso da água e luz) do devedor. Durante muito tempo, os tribunais estaduais não aceitavam o corte por inadimplemento. Mas o Superior de Tribunal de Justiça (STJ) acabou com a polêmica e consolidou a regra da suspensão para os inadimplentes.
“O corte por atraso, mesmo que admitido, poderia ser regulamentado de forma a preservar o mínimo da dignidade da pessoa humana. Por exemplo, poderia haver um tratamento diferenciado para desempregados de baixa renda ou pessoas carentes – assim como poderia haver regras mais flexíveis e mais seguras para os consumidores em geral”, diz o advogado Josué Rios, especialista em direito do consumidor e colunista do Jornal da Tarde.
Pelo menos a mesma Justiça que autorizou as concessionárias a suspender o serviço por atraso no pagamento proibiu que as empresas cortassem a água ou a luz no caso de débito passado. E aqui não estamos falando de decisões judiciais isoladas, mas de entendimento pacífico dos tribunais.
Um exemplo comum de débito passado que impede o corte é o que ocorre com o novo comprador de um imóvel, cujo antigo dono não pagou a conta da Sabesp. Neste caso, conforme repetidas decisões dos tribunais, o comprador da casa ou apartamento não pode ser impedido de obter a religação da água em razão da dívida do antigo proprietário.
“Da mesma forma, uma vez que esteja utilizando normalmente o serviço, o novo comprador do imóvel não pode sofrer o corte, se a empresa descobre que tem débito em aberto do antigo vendedor. Mais: se o inquilino abandonou o imóvel devendo a companhia de água, esta deve seguir os rastros deste para cobrar o débito, em vez de impedir o dono imóvel de religar o serviço”, conclui Rios.
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