Cidadania x democracia
Exigir respeito à cidadania requer uma boa dose de indignação - coisa rara em determinadas circunstâncias em nossa sociedade, coisa em excesso e de forma desproporcional em outras áreas. Tenho feito deste espaço com frequência uma ponta de lança em defesa dos bons costumes e da defesa do bom senso e do discernimento, mesmo que para isso use o excesso para dar vazão à indignação.
E os atentados à cidadania e ao bom senso são diários, desde as flagrantes violações das mais básicas regras de trânsito até a supressão do direito de ir e vir de qualquer cidadão que deseja passar ao largo de qualquer manifestação, seja lá qual for o motivo do protesto.
Alguns leitores e até mesmo o timoneiro deste ABCD Maior, Celso Horta – uma das pessoas que mais respeito – sugeriram um interessante debate a partir dos recentes acontecimentos na Grande São Paulo: até onde a defesa de certa forma intransigente da cidadania se choca com os direitos democráticos de manifestação, protesto e reivindicação de setores organizados da sociedade?
A menção aos métodos recentes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em recente artigo não foi fortuito. Um dos movimentos sociais mais importantes do mundo surgido nos últimos 25 anos ganhou legitimidade na base do tranco a partir do momento em que teve seus pleitos tratados com leniência pelo Estado.
Os ataques que o MST sempre sofreu por parte de governos e de elites rurais criminosas só fortaleceu a crença da importância de seu surgimento e da legitimidade de suas reivindicações – mesmo que, para isso, fosse necessário (e justificável) apelar para a força nos anos mais duros de enfrentamento com os agentes do Estado dominado por políticos conservadores.
Neste século XXI, no entanto, métodos que envolvem ações violentas contra empresas e mesmo contra a propriedade, em pleno governo Lula, significam, na imensa maioria dos casos, um retrocesso na disputa por espaço político.
A defesa da cidadania ganhou visibilidade no governo federal petista, o que tornam anacrônicos algumas atitudes do MST, especialmente aquelas que ferem a própria cidadania. O que era legítimo e justificável na década passada pode se reverter contra o próprio movimento, que cresceu e se tornou indissociável da vida brasileira.
Se o MST penou bastante para finalmente conseguir um lugar decente na sociedade brasileira, o mesmo aconteceu com o avanço da cidadania.
O processo democrático que possibilitou as necessárias vitórias do MST é o mesmo que não tolera que os direitos básicos dos cidadãos sejam cerceados e torpedeados, ainda mais em tempos de governo Luiz Inácio Lula da Silva – e não se faz aqui juízo de valor entre a importância ou a distância entre as ações de movimentos organizados e o que ocorre no dia a dia.
Também não se trata de relativizar os motivos que levam manifestantes e grevistas a bloquearem rodovias, avenidas ou a ocupar prédios públicos. O direito de manifestação e protesto é sagrado e não pode ser violado.
Assim como não pode ser violada o direito de ir e vir dos cidadãos, e assim como a manifestação de grupos não pode prejudicar milhões de pessoas. Ninguém pode ser refém da raiva de ninguém.
Por isso bloquear rodovias e avenidas e impedir à força quem quer trabalhar são violações da cidadania, independente das razões que originaram as manifestações.
E o mínimo que se espera de um Estado responsável é que garanta a preservação da cidadania – coisa que o atual governo do Estado de São Paulo, nas mãos do PSDB, não faz. E não se trata de defender o uso da força e da ações da Polícia Militar. É uma questão de defender os direitos do cidadão.
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