quinta-feira, agosto 14, 2008

O repórter que morou nas ruas de São Paulo conta o que viu e o que viveu - parte 9 - continuação da saga de Rubens Marujo

Eduardo Ribeiro(*)
da coluna Jornalistas e Cia, do site Comunique-se


As bocas de rango são muito concorridas. Uma das principais é a Casa Dom Orione, que fica na rua 13 de Maio, no Bexiga. É mantida por voluntários que frequentam a igreja N.S. de Achiropita (Xeropita, para os moradores de rua).

O roteiro é o seguinte: os albergados saem lá pelas 7h da manhã e vão tomar café lá, que é mais reforçado que o do albergue. Depois, esperam até cinco horas para almoçar, às 12h. Na Dom Orione é tudo muito bem organizado.

Ninguém fica na rua. Todos esperam num amplo saguão, com cadeiras e televisão. Do lado de fora há tanques para lavar roupa e banheiros com chuveiros. Tudo limpinho, bastante higiênico. Para se almoçar ali é preciso pegar uma senha. Os responsáveis pela casa atendem 180 pessoas.

Outro lugar famoso é o Refeitório Comunitário Penaforte Mendes, que fica na rua de mesmo nome, também no Bexiga. Lá é preciso se cadastrar e são atendidas cerca de 300 pessoas por dia. Ontem fui lá entrevistar alguns freqüentadores. Eles não gostam de fotografias. Têm vergonha ou medo. Apesar da insistência, não obtivemos muito sucesso para fotografá-los almoçando.

Maloqueiro e corintiano – Denilson de Oliveira, 26 anos, havia acabado de almoçar. Mora na rua e, para sobreviver, vende pastilhas. Trabalhou durante oito anos como palhaço no circo Orlando Orfei, viajou por toda a América Latina e fala muito bem o castelhano.

Ontem ele estava com pressa. Queria vender tudo rápido para assistir o jogo do Corinthians, à noite, no Pacaembu. Disse a ele que já havia morado num albergue e também era corintiano. Nem poderia ser diferente - disse a ele - maloqueiro é maioria na torcida do Corinthians. Ele riu.

É verdade: jornalista, maloqueiro e corintiano. Conversamos também com Roberto Gomes, 30 anos, auxiliar de pintura. Está sobrevivendo com a venda de algodão-doce e mora no albergue Pedroso, localizado no viaduto do mesmo nome, sobre a avenida 23 de Maio.

Mantido pela Igreja Metodista, esse albergue é bem conceituado em todos os sentidos. Por isso mesmo, conseguir uma vaga ali é difícil. "Tive sorte e me sinto bem lá", disse, enquanto aguardava a ordem para entrar na boca de rango.

Fiz questão de passar na Casa Irmão Faria, que fica na rua Jaceguai, uma ruazinha paralela ao viaduto Jacareí. Lá, eles servem sopa, todos os dias, às 14h. Ali não é necessário pegar senha nem se cadastrar.

Junto com o pessoal que mora na rua até o cachorro entra. E dá para repetir a sopa de legumes, doada pelo Sacolão do bairro quantas vezes for possível. Um dia, assoei o nariz com meu lenço e os meus companheiros me chamaram a atenção: "Isso não se faz à mesa", me disseram.

O albergue mais conceituado, em todos os sentidos, é o Arsenal da Esperança. Fica no bairro da Mooca, perto da estação Bresser do metrô. Aos domingos e feriados abre as suas portas às 14h, impedindo que os moradores passem o dia inteiro na rua. O mesmo ocorre quando chove. Está equipado com duas ou três ambulâncias, tem médico e enfermeiras. Oferece vários cursos para os albergados, entre eles, de teatro. Mantém convênios com empresas que oferecem trabalhos temporários, oferece emprego para os albergados que lá residem, remunerando e fazendo registro na Carteira de Trabalho.

O sistema de identificação digital evita a formação de enormes filas e conta ainda com quadras de futebol de salão. Todos os albergados que por lá já passaram falam muito bem dele. Eu mesmo estava pensando em me transferir para lá, caso continuasse por mais tempo tendo de morar num albergue. Era administrado por pessoas da comunidade italiana, com verbas do governo do Estado. Agora, esse albergue passou para as mãos da Prefeitura e seus moradores temem que a qualidade dos serviços oferecidos caia.

O albergue São Camilo, administrado por religiosos que também cuidam de um hospital com o mesmo nome é menor, mas o tratamento oferecido é mais humano. O pior de todos era o São Francisco, onde fiquei. Ele foi desativado depois de 8 anos (nunca se tomou uma providência antes para tirá-lo debaixo do viaduto Jacareí). Era uma pocilga. Lembrava muito Auschwitz. Agora, funciona na Baixada do Glicério, mas continua superlotado e muito criticado por seus moradores. Encontrei com alguns deles ontem na Praça da Sé. Eles não gostam de ser identificados, com medo de serem cortados e irem de vez para a rua. Mas ainda reclamando das humilhações a que continuam sendo submetidos.

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