segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Empresário quer intimidar a imprensa

Editorial - O Estado de S. Paulo - 18 de fevereiro de 2008



Numa ação orquestrada para intimidar jornalistas e empresas de comunicação, fiéis e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus ajuizaram dezenas de processos por dano moral contra os jornais Folha de S.Paulo e Extra. O primeiro jornal publicou em dezembro uma extensa reportagem mostrando como o fundador da seita, "bispo" Edir Macedo, usou o dinheiro do dízimo para montar um poderoso grupo empresarial, com o braço financeiro registrado no paraíso fiscal de Jersey. O segundo jornal noticiou a agressão a uma imagem de São Benedito - um santo católico - por um seguidor da Igreja, na Bahia.

Segundo a reportagem da Folha, o complexo empresarial de Edir Macedo é constituído por 23 emissoras de TV e 40 emissoras de rádio, o que o torna o maior proprietário de concessões do País. Além disso, o "bispo" evangélico é proprietário de 19 outras empresas, dentre as quais 2 gráficas, 1 imobiliária, 1 agência de turismo e 1 firma de táxi aéreo, todas registradas em nome de seus "pastores". A reportagem revelou ainda que a Universal arrenda as emissoras que integram a Rede Aleluia, que Macedo detém 99% das ações da TV Capital, geradora da Rede Record, e que ele tem à sua disposição um avião adquirido por US$ 28 milhões.

Nas dezenas de processos ajuizados contra a Folha, "pastores e fiéis" da Universal reivindicam indenizações de R$ 1 mil a R$ 10 mil, sob a justificativa de que a reportagem lhes causou prejuízos morais. Nas ações contra o Extra, os autores alegam que o objetivo do jornal não foi informar, mas provocar a "ira" dos católicos e criar um clima de "perseguição religiosa", submetendo os seguidores da seita ao "risco diário de sofrer agressões físicas e discriminações".

O que chama a atenção nessas ações de dano moral não é o baixo valor das indenizações pleiteadas nem a falta de fundamento nas justificativas, mas, sim, a estratégia utilizada pelo empresário para intimidar jornais e jornalistas. As ações contra o Extra foram ajuizadas não na cidade onde está a sede da empresa, mas em distintas comarcas no interior do Estado do Rio de Janeiro. Os processos contra a Folha foram protocolados em lugares ainda mais distantes - quase todos situados a cerca de 200 quilômetros da capital de diferentes unidades da Federação. E, embora as ações sejam individuais, quase todas as petições apresentam textos idênticos, deixando clara a existência de uma ação orquestrada.

Como os dois jornais têm de se defender em cada uma dessas comarcas, o expediente da Igreja os obrigou a contratar advogados nas cinco regiões do País, elevando significativamente os gastos das empresas que os editam. Além disso, como várias audiências foram marcadas no mesmo dia e em algumas cidades da Região Norte, cujo acesso somente se faz por barco, o departamento jurídico da Folha teve de montar uma logística especial para defender a empresa e a jornalista que assinou a reportagem. Muitos processos foram abertos em juizados especiais cíveis, o que, por lei, exige a presença do réu e aumenta os gastos das empresas com viagens e deslocamentos de advogados e jornalistas. E em vários processos os autores citam não somente os repórteres, mas também os diretores de redação - e todos são obrigados a comparecer às audiências, sob o risco de serem condenados à revelia.

Em nota de protesto, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) qualificou a estratégia da Universal como "intimidação ao livre exercício do jornalismo". Para a entidade, os "pastores" e fiéis que acionaram a Folha e o Extra não têm por objetivo "restabelecer a honra ou a verdade, mas apenas constranger empresas jornalísticas no seu dever de livremente informar a sociedade". "É uma tentativa espúria de usar o Poder Judiciário contra a imprensa e privar o cidadão do direito de ser informado", conclui a nota.

Felizmente, os magistrados encarregados de julgar esses processos já perceberam a má-fé dos reclamantes. Alguns juízes nem sequer acolheram as ações. E pelo menos um deles, Alessandro Pereira, da comarca de Bataguaçu, Mato Grosso do Sul, não só rejeitou sumariamente o pedido de indenização, como condenou o autor por litigância de má-fé. Com decisões como essa, a Justiça está tratando o querelante como o que ele realmente é - um ganancioso empresário bem-sucedido - e não como o pastor evangélico caluniado pelos inimigos da sua igreja, que é como ele se apresenta.

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