Dizem que o diploma é uma reserva de mercado. Não é. Jornalista vocacionado e com energia para enfrentar profissão tão estressante acaba achando emprego, seja qual for a forma de ingresso na profissão. Jornal sem jornalista nunca vai ter.
Assim, para o profissional, tanto faz ter lei de diploma ou não ter. Já para a nação...
É bom que jornalista tenha sólida formação --sim, com curso superior-- tanto quanto é bom que, para toda profissão, de funileiro a dentista, haja a melhor qualificação possível. Um país se faz com bons profissionais em todas as áreas. Malandragem e jeitinho podem ser engraçados, mas não levam a nada.
Quase 70% da população adulta no Brasil não consegue entender um texto de dez linhas. A universidade brasileira, que devia estar entre as dez melhores do mundo --coerente com nossa posição de 6ª ou 7ª maior economia-- não aparece nem entre as cem. Num país assim, tão atrasado e carente, ser contra escola de jornalismo, qualquer escola, é cinismo ou má intenção.
Argumento muito usado: o decreto que regulamentou a profissão é de 1969, no governo militar, sendo assim "entulho autoritário". Primeiro: a luta pela formação superior do jornalista vinha desde os anos 1930. Segundo: gato que nasce no forno é biscoito ou é gato? Seria o caso então de dinamitar Itaipu, a ponte Rio-Niterói e acabar com a fluoretação da água potável das cidades?
Existe um axioma no jornalismo: notícia deve ser feita com isenção, não envolve opinião de quem escreveu. Opinião o leitor encontra nos editoriais, nos colunistas, nos colaboradores (não jornalistas).
Em 2009, o STF acabou com o diploma --após 40 anos, com resultados tão bons que até mudaram a "paisagem" das redações, com a chegada (hoje hegêmonica) das mulheres, antes excluídas. A sentença foi tão inapropriada que, de certa forma, não "pegou": estudantes, professores, entidades, intelectuais e políticos iniciaram movimento para restabelecer a regulamentação pelo Congresso. Já passou pelo Senado, com mais de 90% dos votos dos presentes. Agora vai para a Câmara, onde deve também ser aprovada.
O STF confundiu liberdade de expressão com regras para exercício de uma profissão. Liberdade de expressão tem a ver com partidos políticos livres, as pessoas poderem se unir em sindicatos e associações, com a porta da Justiça aberta a todos. Nada a ver com requisitos para ingresso numa profissão, como de advogado, jornalista ou médico.
Antes do diploma, os integrantes de uma redação tinham origem em frustrados de outras profissões, estudantes sem rumo, boêmios, poetas (alguns finíssimos) e... braçais das empresas jornalísticas. O jovem entrava no jornal (ou TV) como faxineiro, boy, porteiro. Ia se enturmando, acabava jornalista --principalmente pela porta da fotografia, reportagem policial e esportiva.
Pesquisa de 1997 do Sindicato de São Paulo revelou a existência, a três anos do século 21, de 19 jornalistas sindicalizados --e analfabetos. Um contou sua história para um livro que escrevi: era "chapa" de caminhão, descarregava de madrugada pacotes de jornais. Tornou-se "colega" do motorista, aprendeu a fotografar, virou "jornalista". Dizia que nunca esteve numa escola.
É um perfil diferente do jornalista que veio com a escola de comunicações, com no mínimo 16 anos de estudo, sendo quatro na universidade (com todo aquele agito) e anos de inglês. Uma estrutura cultural e psicológica aparentemente mais forte do que a do ex-carregador de caminhão...
Qual jornalista é melhor para um país que quer um dia ser sério, desenvolvido?
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO, 77 anos, 57 de profissão, é repórter do "Globo Rural" (TV Globo). Formado em jornalismo, trabalhou nas revistas "Realidade", "Quatro Rodas" e na Folha. É autor de "O Gosto da Guerra" (Objetiva) e "Jornalistas 37/97" (Imesp), entre outros
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