White metal, black metal e o preconceito nosso de cada música
Com surpresa vi recentemente o lançamento da banda norte-americana Stryper, um dos maiores expoentes do white metal, ou rock cristão – se não for a principal banda do gênero do mundo, ao lado do Petra e do Mortification. “The Covering” nada traz de novo.
Chegou ao mercado norte-americano em dezembro passado e no europeu em fevereiro. Não traz nada de novo, e aproveitou para embarcar, bem atrasada, na onda do álbum de covers.
Há coisas interessantes ali, como “Heaven and Hell”, do Black Sabbath/Heaven and Hell, “Lights Out”, do UFO, “Highway Star”, do Deep Purple, “Immigrant Song”, do Led Zeppelin, e “Breaking the Law”, do Judas Priest. É apenas um bom disco, nada mais.
Entretanto, o que me chama a atenção ao ler e procurar mais informações pela internet sobre o álbum é o tom raivoso com que muitos radicais abominam a banda e sua linha filosófica, digamos assim. É a velha batalha entre os próprios roqueiros, que brigam em si defendendo gêneros, subgêneros e correntes ultra alternativas.
O Stryper é uma banda de respeito. Está prestes a completar 30 anos de carreira e já transitou pelo hard rock, pelo hard pop e pelo heavy metal. Já lançou álbuns bem ruins e outros excelentes, sempre tendo a temática religiosa de cunho cristão como carro-chefe das músicas.
Por conta disso, desde os anos 80 o Stryper é execrado pelos radicais e pelos puristas, que consideram incompatível o rock e os temas religiosos. E o pior, muita gente inteligente embarcou e embarca neste caminho equivocado, caindo invariavelmente no “não ouvi e não gostei”.
O rock sempre foi visto como “coisa do diabo” pelas várias correntes cristãs desde os anos 50 até meados dos anos 80, repetindo o que tentaram fazer com o blues e, de certa forma, com a country music voltada para temas mundanos.
Essa situação mudou bastante no Ocidente, principalmente depois que muitos jovens antenados, mas de fé, resolveram se aproveitar do rock e do metal para professar sua fé, primeiro dentro da própria comunidade, e depois para o mercado chamado secular. Venceram pelo cansaço e pela insistência e hoje tempos excelentes bandas dedicadas à louvação e à pregação.
Ainda existem bolsões de resistência total ao rock no meio religioso, especialmente nos rincões mais atrasados dos Estados Unidos e nas seitas evangélicas igualmente atrasadas no Brasil – quase todas em atividade atualmente. Boa parte do mundo islâmico também não tolera essa música “decadente”.
É óbvio, entretanto que o preconceito dos puristas apareceriam até mesmo como argumento de defesa para desqualificar a linha religiosa que o rock adotou em algumas circunstâncias. Afinal, como pode existir alguém que faça rock religioso quando a religião sempre execrou o gênero musical?
Esse pensamento enviesado e equivocado acaba por privar muita gente de muita música boa. Gente que abomina a religião acaba misturando as coisas e deixa de aproveitar o que interessa, que é a música, independente da mensagem.
Assim como existe white rock e white metal, existe o black metal, que prima pelos temas satânicos e demoníacos, geralmente. E não vejo o mesmo preconceito dos roqueiros em geral contra as bandas de black metal.
Ou seja, falar de satanismo e diabo pode, são termas tolerados pelos roqueiros médios, mas falar de temas cristãos e até mesmo pregar não pode. E o curioso é que existem bandas de metal extremo no Brasil e no mundo que fazem músicas louvando a Deus e Jesus Cristo, remetendo, obviamente, a um Slayer cristão, por mais que isso soe sacrilégio – e soa mesmo.
Seja como for, é uma insanidade ignorar bandas importantes e de boa qualidade apenas por causa da temática de suas letras. Assim como o Stryper é uma boa banda, o Mortification, da Austrália, também é.
Por outro lado, os gregos do Rotting Christ são excelentes, assim como os poloneses do Behemoth e do Vader, e de muitas outras bandas que passeiam por temas satânicos ou antirreligiosos. Esse preconceito não tem sentido. Muita gente leva a sério demais as letras alegóricas, tanto de um lado como de outro.
No campo brasileiro, é bobagem ignorar bandas ótimas como Destra e Eterna, por exemplo, que fazem white metal em inglês, ou o excelente Oficina G3, que já fez hard rock em português com letras não diretamente ligadas à religião, mas com temática filosófica que ia por esse caminho.
Assim como temos, do outro lado, coisas muito bem feitas, como Unearthly, Occultan, que fazem o mais brutal metal extremo com temas diabólicos.
É evidente que, em casos ultra-extremos, como grupos de rock ou de qualquer gênero musical, que promova e incentive mensagens racistas, nazistas e ou violentas contra grupos de seres humanos, não podem ser apoiados, mas creio ser desnecessário prolongar essa questão.
Por não professar qualquer religião ou filosofia religiosa – na verdade, por abominar qualquer tipo de religião e, por isso considerar qualquer pregação uma bobagem, assim como qualquer coisa relativa ao satanismo (suprema estupidez, na minha opinião) – talvez eu consiga lidar melhor com essa questão de white metal x black metal.
Já execrei o Stryper por ser cristão nos anos 80, até que escutei a banda pela primeira vez. Mudei de ideia quanto ao som, mas não quanto à mensagem – que continuo abominando. Mas a música era bem feita.
Existem inúmeros artistas e músicos de rock cujas mensagens em letras são obrigatórias e maravilhosas – desnecessário citar alguém. Do mesmo modo, existem milhões de outros artistas e músicos que precisam ter suas letras ignoradas, seja por má qualidade, seja por imbecilidade.
Independente de sua fé (ou falta de), talvez seja uma atitude de tolerância, ou até mesmo de mera questão informativa, ouvir white metal ou black metal sem prestar muita atenção nas mensagens, que geralmente não passam de pura bobagem na esmagadora maioria dos casos.
A música tem de prevalecer. Garanto que haverá muitas surpresas para quem se dispuser a colocar temporariamente os preconceitos de lado e procurar ouvir coisas interessantes com Stryper, Mortification, Eterna, Destra e Oficina G3, entre outros.
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