Meia entrada: a boa intenção sucumbiu à picaretagem
Um cidadão muito bem vestido e com uma namorada linda pretendia assistir a um filme em uma sala de cinema em Santo André. Sem corar de vergonha, apresentou uma carteira de estudante na hora de pagar. Queria a meia entrada. A carteira era de um curso de MBA, que costuma custar de R$ 15 mil a R$ 25 mil.
Cumprindo a sua função, a funcionária exigiu o comprovante de matrícula. Deu-se mal. O cidadão bem vestido transformou-se em um animal, humilhou a funcionária e disse ser promotor público.
Gritou, esbravejou e ameaçou prender todo mundo. Depois de muita gritaria e briga, o gerente cedeu e vendeu a meia entrada. Isso ocorreu em janeiro deste ano.
Volto ao tema porque a quantidade de reclamações que estão surgindo nos jornais paulistas e sites especializados sobre os abusos da meia entrada estão crescendo muito.
O volume da indignação aumentou por conta da falta de estrutura no tal Festival SWU, em Itu, que tinha como mote a sustentabilidade. O fato é que pessoas pagaram até R$ 600 por um ingresso, mais R$ 100 de estacionamento, e foram desrespeitados como consumidores, como sujeira ao extremo, lama nos locais das apresentações e filas imensas na hora de voltar para casa. Não foram poucos os protestos contra a chamada meia entrada.
Um outro caso merece ser citado nesta questão. No ano passado, uma espectadora ganhou na Justiça um processo contra uma empresa que promove shows por não conseguir comprar um ingresso pela metade do preço, mesmo sendo estudante e apresentando a carteirinha.
O artigo 2º da lei municipal paulistana nº 11.355/93 limita a 30% do total a carga destinada a estudantes em qualquer espetáculo. Inconformada, a estudante comprou o ingresso inteiro, mas decidiu processar a empresa promotora pela limitação da carga de ingressos para estudantes, alegando a inconstitucionalidade da lei municipal. A garota ganhou em duas instâncias o direito de ser indenizada.
Os dois casos ilustram a dificuldade de aplicar e fiscalizar a lei da meia entrada. O espírito da lei é válido, mas foi corrompido. A medida foi elaborada com a melhor das intenções, como uma forma de facilitar o acesso à cultura aos estudantes carentes e estimulá-los a procurar os espetáculos e ir a museus, por exemplo.
Só que faltou cuidado na elaboração da lei, em todas as suas versões pelo país afora. Em nome de uma oportunista “igualdade”, o mesmo estudante carente que sempre esteve excluído do acesso à cultura é equiparado ao aluno abonado de colégios e faculdades particulares, que pagam mensalidades superiores a R$ 1 mil – e parte deles provavelmente gasta R$ 500 em qualquer balada por aí.
A lei tem de ser revista de forma urgente em todo país, com a consequente redução da emissão de carteiras e do estabelecimento de critérios muito mais rígidos sobre quem tem direito e quem não tem, levando-se em conta a situação financeira e a idade do estudante.
A lei penaliza o resto da população, já que os ingressos “normais” praticamente dobram de preço em alguns espetáculos para cobrir o rombo causado pela disseminação da meia entrada picareta – atitude que não pode ser condenada, infelizmente. Do jeito que é aplicada hoje, de forma equivocada, torna-se inaceitável.
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