Esse cadastro é mesmo positivo?
O projeto aprovado no Senado que institui o cadastro positivo para bons pagadores é constitucional? Não vi nenhuma discussão a esse respeito nas inúmeras reportagens de TV e jornais.
Os empresários estão radiantes com a medida e afirmam sem medo de errar que os juros cairão após a promulgação da lei pelo presidente Lula – se der tempo em 2010.
Já as entidades de defesa do consumidor alertam que o projeto embute uma série de problemas, o maior deles a sacramentação da discriminação financeira entre os devedores, alargando ainda mais o abismo entre os consumidores endividados.
A palavra discriminação soa como um palavrão para os representantes das entidades que reúnem lojistas de tamanhos variados e indústrias. O problema é que essas mesmas entidades não conseguem encontrar um tema que defina o que significa para quem deve esse projeto.
Dever não é crime, é uma possibilidade da vida cotidiana de qualquer cidadão que vive em uma democracia capitalista. Governos devem, bancos devem, empresas devem, times de futebol devem (e muito).
A questão que fica é: até que ponto os atuais índices de inadimplência influenciam no custo do dinheiro ofertado no mercado? Será que a quantidade de gente que não paga suas dívidas pode servir de justificativa para as taxas escorchantes de cheque especial e cartão de crédito?
O maior dos problemas ainda não revelados na sua totalidade do projeto do cadastro positivo é a “criminalização” do devedor, já marginalizado pelo rótulo do “nome sujo” ao ser incluído em um dos vários cadastros de inadimplentes.
O cadastro positivo propõe a valorização do bom pagador, inclusive com o “bônus” de condições melhores de pagamento, seja de alongamento de dívida (parcelamento), seja em taxas mais atraentes de juros.
Para o devedor, sobra o reforço da pecha de mau pagador, de inadimplente, o que, em tese, pioraria s sua condição financeira. E então aparece o paradoxo: quanto pior a condição financeira e quanto menor forem as oportunidades de crédito, menos chances de saldar a dívida o inadimplente terá.
Mas parece que essa preocupação passou longe dos autores do projeto que cria o cadastro positivo. Já existe até uma certeza no mercado: as condições para os bons pagadores não melhorarão, mas as dos inadimplentes vão piorar mais.
E o que dizer desta “discriminação” financeira mais acentuada que pode surgir com o projeto? Seria possível questionar a constitucionalidade da medida? Não há consenso.
Importantes juristas e advogados acreditam que faltam alguns elementos para tipificar a infração à Constituição, estabelecendo assim uma diferenciação criminosa entre cidadãos.
Os órgãos de defesa do consumidor, por sua vez, enviaram um manifesto à Presidência da República pedindo o veto do projeto. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Procon-SP e Proteste são contrários ao compartilhamento de informações dos bons pagadores.
As duas maiores preocupações dos órgãos de defesa do consumidor são a violação de privacidade de quem paga suas contas em dia e a discriminação de quem é bom pagador mas jamais fez um financiamento.
“Vínhamos discutindo no Congresso uma série de regras para implantação do cadastro, mas o projeto que foi aprovado não traz nenhuma regulamentação", explica Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec, em reportagem do Jornal da Tarde.
Segundo ela, é preciso definir as finalidades da listagem, quem poderá ter acesso às informações e que dados serão considerados.
Maria Inês Dolci, coordenadora do Proteste, também em declaração ao JT, questiona ainda o maior argumento dos defensores do cadastro positivo: o de que as taxas de juros aplicadas aos bons pagadores serão menores. “Não há nenhuma garantia de que os bancos vão reduzir juros com a medida.”
A adesão ao cadastro é voluntária. O seu nome só pode constar mediante sua autorização. Você quer mesmo que seus dados fiquem expostos em uma lista suspeita de infringir a Constituição?
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