Os limites do discurso radical
O discurso radical tem limites? Essa é uma discussão interessante e pertinente levantada por uma reportagem obrigatória para quem se interessa por política e cultura publicada recentemente no jornal O Estado de S. Paulo, no caderno C2+Música.
O repórter Júlio Maria traça um perfil cuidadoso da decadência do rap na periferia paulistana, e sua substituição pelo intragável funk de inspiração carioca – nada a ver com o maravilhoso ritmo negro surgido nos Estados Unidos e que dominou as grandes cidades daquele país entre 1950 e 1980.
Sem desvios nem elucubrações, o autor vai direto à questão, com base em depoimentos dos próprios rappers: o gênero deixou de ser atrativo aos jovens, as letras de protesto e violência perderam a contundência, e a crítica social tornou-se um discurso vazio e sem penetração nos bairros.
A molecada do Capão Redondo e do Jardim Ângela, na zona sul da Capital, nem pensa duas vezes antes de revelar a sua preferência pela versão local ainda mais paupérrima do funk carioca: “MV Bill e Mano Brown já eram por aqui. A gente tá a fim mesmo de ir atrás da mulherada. Rap espanta as meninas”, diz um garoto de 15 anos chamado Guto, morador do Capão.
A derrocada do rap na periferia mais barra pesada da Grande São Paulo é uma tendência em toda região, menos em Diadema, onde o gênero, aliado ao hip-hop, está totalmente enraizado na cultura da cidade e da comunidade.
Essa situação coincide com o aprofundamento da guetificação do rap, basicamente em razão dos episódios violentos e de depredação verificados em grandes eventos realizados em 2007 e 2008 na Capital.
Os chamados radicais do movimento entraram em conflito com a polícia em um show dos Racionais MCs na Praça da Sé, na Virada Cultural de 2007, o que espantou investidores e organizadores de eventos do rap.
No ano seguinte, um encontro envolvendo rap e grafite terminou com pichação e depredação das instalações, o que provocou o cancelamento de diversos eventos e levou a Prefeitura de São Paulo a praticamente excluir o rap de sua programação cultural.
O texto do Estadão mostra os moderados do gênero admitindo que a situação é ruim e que uma mudança é necessária, tanto em termos de discurso como em atitude. Por outro lado, os “tradicionalistas” resistem e pregam não só a manutenção do radicalismo como o acirramento do discurso.
Enquanto isso a praga do funk prolifera. Como gênero musical e lírico, não atribuo muito valor ao rap, mas o considero uma manifestação cultural urbana muito importante, de inestimável valor sociológico e educacional. É a voz mais poderosa das periferias. Sua crise e seu encolhimento, mesmo que momentâneo, é ruim em todos os sentidos.
Que a consciência da realidade demonstrada pelos moderados do rap ilumine também certos setores da sociedade ainda contaminados com ideias emboloradas, que remetem à época do Muro de Berlim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário