Uma coisa nem sempre leva à outra coisa
O jornal mensal Unidade, órgão do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, traz em seu último número, o 327, de maio de 2010, um estudo interessante realizado pelo Observatório Brasileiro de Mídia e pelo Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades).
Sob o título “Mídia Impressa no Brasil e a Promoção da Igualdade Racial”, teve por objetivo analisar a conduta dos três principais jornais nacionais e das três principais revistas semanais na questão das cotas para negros e outras categorias em diversos segmentos da sociedade.
A conclusão é de que os meios de comunicação mais importantes são contra a política de cotas raciais.
Apesar de reconhecer que os textos de reportagens são mais equilibrados e trazem informações dos dois lados e dão bom espaço para os defensores das cotas, o editoriais e outros textos opinativos vão na direção contrária.
A pesquisa é importante e traz dados bacanas a respeito de como o tema foi tratado na grande imprensa. Suas conclusões, no entanto, são preocupantes e podem induzir a erros.
A cobertura geral sobre o assunto é parcial? Sim, afirma o estudo, principalmente nos textos opinativos. Já nas reportagens há mais equilíbrio e pluralidade, com a tendência recaindo para o tom crítico às políticas já implantadas.
Um problema sério é que uma das conclusões dá a entender que os meios de comunicação são contrários às políticas de igualdade racial, embora isso não esteja explicitamente escrito.
A própria diretora do Ceert, Maria Aparecida Bento, trata de colocar a questão nos eixos: a grande imprensa é contra a política de cotas, não contra a igualdade racial. Uma coisa não leva necessariamente à outra. No caso, nem de longe.
Ser contra a política de cotas não quer dizer ser inimigo dos negros e das políticas de igualdade racial. O problema é que essa interpretação errônea serve de argumento falacioso a oportunistas sedentos por detratar a grande imprensa.
O estudo também traz uma conclusão implícita e carregada de juízo de valor: se os jornais são contra as políticas de cotas, são automaticamente contra a promoção da igualdade racial e, portanto, são inimigos da sociedade.
Até onde se pode perceber no Brasil, ainda não é crime os jornais terem opiniões próprias. A nossa democracia permite e tolera a divergência e as discordâncias. Desviar o foco e escamotear a verdade não ajudam a encontrar soluções para a inserção cada vez maior dos pobres à sociedade e à educação.
Concluir que a grande imprensa é contra a igualdade racial por se opor à política de cotas não só é mentira como crime – até porque essa tese é impossível de ser provada.
A mídia brasileira tem inúmeros pecados, e os mais graves geralmente são ignorados por seus críticos e detratores. Neste caso, erram o alvo quando atribuem uma culpa que não lhe cabe. Ser contra a política de cotas é legítimo e não torna ninguém racista.
O assunto é espinhoso e interminável, mas quanto mais for debatido, mais a sociedade ganha. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico observatório de mídia.
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