segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Ataque racista e desinformação total


Atirou-se para todos os lados no caso da advogada brasileira que afirma ter sido atacada por skinheads em uma cidadezinha suíça nesta semana. A moça afirma categoricamente que eram skinheads neonazistas.

A polícia suíça, de forma irresponsável e demonstrando desprezo pelos estrangeiros, apressou-se em dizer que a advogada se auto-mutilou, mesmo antes da realização de qualquer exame decente.

Já o governo brasileiro, de forma tosca e atrapalhada - características da éssima olítica exerna brasileira - tratou de tornar o caso um braço-de-ferro diplomático, quando o caso nada mais é do que uma questão policial. O fato é que ainda é cedo para estabelcer qualquer julgamento - é tudo mentira, não houve ataque algum e a garota tem problemas psicológicos? Ou realmente houve um ataque xenófobo contra a moça brasileira?

A reação da imprensa brasileira, diante das circunstâncias e das informações que chegavam de forma picada, até que foram razoavelmente equilibradas, pelo menos em relação aos grandes jornais. Já na Suíça isso não ocorreu, com os jornais tratando a questão como ofensa nacional.

A Folha de S. Paulo teve um comportamento sereno em seu noticiário, mas os seus articulistas perderam a mão. Não gosto do estloo e do tipo de jornalismo que Reinaldo Azevedo, da revista Veja, faz. Mas ele foi feliz na análise que vez em seu blog, hospedado no portal da revista.

A quantidade de bobagem na imprensa brasileira é de assustar. Em um dos artigos que escrevi sobre o caso, afirmei que alguém ainda diria que o episódio foi útil porque serviu para denunciar a xenofobia etc... Batata! Eliane Cantanhede escreveu um texto verdadeiramente imodesto no gênero (em vermelho), destacando que estamos todos envergonhados... Bem, pessoalmente, não estou: não caí na conversa nem linchei o povo suíço. A ela.

Com Alemanha, Reino Unido, Holanda, Portugal, Espanha e Itália em recessão e registrando aumento de desemprego, a xenofobia perde o pudor e emerge. Com ou sem skinheads, a história de Paula toca numa ferida tão real que habitava e explodiu no inconsciente da moça. E no nosso.
Ninguém sabe direito o que aconteceu, mas Eliane sabe: a xenofobia explodiu “no inconsciente da moça e no nosso”... É a primeira vez na história da psicanálise que o inconsciente revela um conteúdo igual ao da consciência. UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO. Se Freud era o Darwin da mente, não é mais. Eliane o substituiu: descobriu a congruência entre o consciente e o inconsciente. Nada mais será como antes.

O Brasil foi do ataque à defensiva, depois de autoridades, imprensa e cidadãos suíços reclamarem retratações. O que, além de constrangedor, enfraquece futuras investidas em defesa de brasileiros agredidos e humilhados no mundo desenvolvido, mas não elimina a essência de toda a discussão: a resistência crescente e agressiva aos imigrantes de países emergentes ou periféricos.
Como se vê, “os brasileiros agredidos e humilhados no mundo desenvolvido” passaram a ser a “essência de toda a discussão”. Assim, conclui-se que o episódio tem seu lado positivo, que é chamar a atenção para a “essência"... Um povo e um país são acusados de xenófobos, de tolerantes com o neonazismo e de racistas e são insultados pelo governo brasileiro, MAS A CULPA É DELES.

Se os cortes em Paula são superficiais, lineares e femininos demais para terem sido feitos por brutais skinheads, eles não eliminam as dores dos brasileiros humilhados em aeroportos espanhóis, sem banho, sem ressarcimentos e até sem dentes, perdidos a socos policiais.
Paula pode ter sido um erro, mas o erro maior está lá. Por que foi tão fácil inventar e acreditar num ataque de skinheads? Porque há quem não creia em xenofobia, mas que ela existe, existe. E tende a piorar.
Com o perdão da palavra, é uma das coisas mais boçais que li sobre o caso. O sentido moral do que escreve Eliane é o seguinte: "Eles podem até ser inocentes nessa, mas são essencialmente culpados". Afinal, pergunta ela, “por que foi tão fácil inventar e acreditar num ataque de skinheads?” Ora, ao longo da história, tem sido fácil inventar e acreditar que judeus são exploradores que só pensam em lucrar com a cobrança de juros; tem sido fácil inventar e acreditar que todos os islâmicos gostam de explodir bombas: tem sido fácil inventar e acreditar que brasileiras na Europa são todas garotas de programa... Eliane demonstra, a partir da própria experiência, como nasce um preconceito. Ela está olhando para os suíços e dizendo: VOCÊS SÃO OS CULPADOS PELA ACUSAÇÃO INJUSTA. Ademais, quem é que não acredita em xenofobia? Xenofobia não é como disco voador. É matéria de fato. Existe em todos os lugares do mundo, inclusiove no Brasil. NO MUNDO CIVILIZADO, ELIANE, NÃO SE ACUSA UMA PESSOA — OU UM PAÍS — DE UM CRIME QUE ELA PODERIA TER COMETIDO. SEI QUE UM EXAGERO DO CONSERVADORISMO, MAS É ASSIM...

Clóvis Rossi também viu “embaraço nosso e deles”. A coisa já começa interessante no título. Enquanto ele aceitou — “precipitadamente”, admite — a versão de Paula, o vexame era só dos suíços. Agora que a versão da moça naufraga, ele decidiu dividir com aquele povo “os embaraços”. Entenderam a lógica? Acho que não.

E ele prossegue:
“Mesmo que tenha se automutilado, não há razões para, ao contrário do que diz certa mídia suíça, o país ficar ofendido pelas críticas à xenofobia. O Partido do Povo Suíço e seu líder, Christoph Blocher, são um embaraço para boa parte do establishment político local, exatamente pela xenofobia. Blocher é da mesmíssima família política de outros líderes da extrema-direita, como o francês Jean-Marie Le Pen e o austríaco Jörg Haider, recentemente morto, para não falar da Liga Norte italiana. O embaraço é tamanho que a União Europeia chegou a impor sanções à Áustria quando o partido de Haider entrou para a coalizão governante. Portanto, a hipótese de um atentado racista era verossímil. Nem seria o primeiro, aliás.”
É a mesma lógica de Eliane: eles não cometeram esse crime, mas o que interessa é que poderiam ter cometido. Logo, o país não tem de se ofender. É verdade, Rossi. Se alguém disser que os brasileiros não dão a menor bola à vida humana e que não passam de um bando de carniceiros — já que se cometem por aqui 50 mil homicídios por ano —, devemos acatar a crítica como justa e decente.

Agora prestem atenção a este parágrafo:
Mas, se a versão da polícia for a verdadeira, só vai reforçar a desconfiança com que os brasileiros são vistos em parte da opinião pública européia. Por mais que a maioria se mate de trabalhar, clandestinos ou não, os escândalos provocados por uma minoria de vigaristas contaminam todos, a ponto de ter ouvido, uma vez, de uma brasileira residente em Portugal, que todas as brasileiras são tratadas como prostitutas.
Rossi acha uma injustiça que imigrantes brasileiros sejam vistos com desconfiança, “embora a maioria se mate de trabalhar etc,” por causa de uma minoria de vigaristas. Mas acha compreensível (e censura os suíços por terem se ofendido) que todo um povo seja visto como xenófobo por causa de uma minoria — E É MINORIA — de racistas. Ou seja: os nossos vigaristas não podem ser tomados pela maioria, mas os racistas deles sim.

Não é por acaso que Celso Amorim fez fama de competente no Brasil.

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